Opinião

Municípios litigam no exterior em função de gravíssimos desastres ambientais

Autor

  • é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

    Ver todos os posts

19 de junho de 2024, 20h48

Diversos municípios brasileiros estão litigando no exterior em função de gravíssimos desastres que ocorreram no Brasil nos últimos anos. Casos como o rompimento das barragens das empresas Samarco e Vale, em Mariana (MG) e Brumadinho (MG), dentre outros.

Ricardo Stuckert

Recentemente, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, ação de descumprimento de preceito fundamental, embasado em excelente parecer da professora Nádia Araújo que, do ponto de vista do direito internacional, demonstrou que os municípios não têm legitimidade para a empreitada na qual se envolveram. Este artigo não pretende discutir o mérito de tais ações, até mesmo porque são meras repetições de feitos que tramitam no Judiciário brasileiro.

O Brasil é parte da convenção sobre direitos e deveres do Estado [1] que, em seu artigo 2º, dispõe: “[o] Estado federal constitui uma só pessoa ante o direito internacional”. Ora, os municípios são pessoas jurídicas de direito público interno, dotadas de autonomia política e administrativa, estando submetidos aos ditames do artigo 37 da Constituição e demais regras administrativas vigentes no País. Todavia, não possuem personalidade de direito internacional.

Nas hipóteses em que os municípios estejam envolvidos em caso judiciais ou administrativo no exterior, a sua representação se faz pela Advocacia-Geral da União, que possui o Departamento de Assuntos Internacionais, organizado em três núcleos de controvérsias: direito internacional no Brasil; direitos humanos e o de foro estrangeiro. Há que se observar que o Decreto nº 7.598/20111, em seu artigo 1º, delega competência ao advogado-geral da União para autorizar a contratação “de advogados e especialistas visando à defesa judicial e extrajudicial de interesse da União, no exterior”.

Ora, a Lei nº 8,897/1994 é bastante clara ao estabelecer os requisitos para a contratação de advogados ou outros especialistas no exterior, estabelecendo em seu artigo 4º que a contratação “de advogados e especialistas visando à defesa, judicial e extrajudicial, de interesse da União, no exterior, será realizada mediante prévia autorização” do chefe do Executivo federal que, como visto acima, delegou competência ao AGU.

Coerência

Mantendo coerência com o direito interno, o § 1º do artigo 4º admite a contratação de advogado ou especialista “à vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional, mediante análise do curriculum vitae”. A norma estabelece o prazo dos contratos que deverá ser de até 48 meses, prorrogáveis, “desde que justificada a continuidade da prestação do serviço, enquanto perdurar o processo e a questão; a remuneração observará os valores de mercado, vigentes na praça da prestação dos serviços”. (artigo 1º, § 2º).

De grande relevância é o disposto no § 4 do artigo 1º, que determina que o Ministério das Relações Exteriores mantenha “cadastro informativo, com o nome dos advogados e especialistas, suas áreas de conhecimento e sua habilitação legal no exterior, o qual será obrigatoriamente consultado para a contratação desses profissionais pela União, pelas entidades federais e pelas respectivas controladas, direta ou indiretamente”.

A contratação de advogado ou especialista segue o procedimento estabelecido pela Portaria AGU 217, de 9 de julho de 2015. O processo administrativo de contratação pode iniciar-se de ofício, pelo Departamento Internacional (DPI) da PGU, ou a pedido de órgão ou entidade pública”. (artigo 4º).

Na sua instrução deverão constar documentos que indiquem o interesse em promover a defesa da República em foro estrangeiro; peças processuais ou outros documentos relacionados a processo em curso no Brasil ou em foro estrangeiro, se for o caso; e qualquer outro documento que possa ser relevante para a contratação ou para a defesa.

Em relação à contratação propriamente dita, o artigo 8º da Portaria AGU 217/2015 dispõe que “[o] processo de contratação será conduzido por Comissão de Contratação de Advogado para Defesa da República no Exterior (Cadex), a ser composta por representantes indicados pelas seguintes unidades:

  1. DPI;
  2. Diretoria de Planejamento, Orçamento e Finanças da SGA (DPOF);
  3. Superintendência de Administração no Distrito Federal da SGA (SAD-DF).

A lei é aplicável aos municípios haja vista que eles não são pessoas de direito internacional e, necessariamente, serão representados pela União no exterior. Nada impede que a União contrate os serviços e seja ressarcida pelo município interessado.

Ora, conforme foi visto acima, não há impedimento legal para que os municípios — devidamente representados pela União — litiguem no exterior e que se utilizem de advogados e especialistas na defesa de seus direitos, devendo, entretanto, fazê-lo segundo as regras legais que foram examinadas neste artigo.

À primeira vista, contratações sem a observância dos ritos legais são ilegais e nulas. Acarretando a responsabilidade legal dos prefeitos que tenham firmado tais contratos sem a observância do regime legal aplicável.

 


[1] Decreto nº 1.570/1937

Autores

  • é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!