Infra e Controle

A indisponibilidade de bens regulamentada pelo TCU

Autores

  • Giuseppe Giamundo Neto

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) advogado e sócio do Giamundo Neto Advogados professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura da OAB.

    View all posts
  • Fernanda Leoni

    é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC) especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

    View all posts

19 de junho de 2024, 14h16

No último dia 14 de junho, passou a vigorar a Portaria TCU nº 370/2024, que regulamenta a adoção, pelo Tribunal de Contas da União, da medida cautelar de indisponibilidade de bens em processos conduzidos pela Corte de Contas federal. Antes disposta de forma bastante sucinta no artigo 274, do Regimento Interno do TCU, a cautelar de indisponibilidade agora recebe uma disciplina própria por meio do normativo recém-publicado e que pode contribuir com o aprimoramento dos procedimentos adotados pelo tribunal.

A medida de indisponibilidade, de caráter cautelar, tem por fim assegurar o ressarcimento do dano em apuração e, em razão disso, apenas poderá ser adotada em procedimentos já convertidos em tomada de contas especial, fase procedimental em que são individualizadas as responsabilidades e é quantificado o dano (artigo 3º, caput e §1º). A vigência da cautelar não poderá superar o prazo de um ano, sendo certo que qualquer operação concretizada nesse período relativamente ao bem ou direito indisponibilizado — alienação, oneração, transferência etc. — será ineficaz em relação ao TCU (artigo 3º, §2º).

Requisitos, valor e abrangência

Dada a mencionada cautelaridade da medida, o artigo 4º estabelece os requisitos para a sua concessão, de modo que a indisponibilidade apenas será autorizada se presentes (1) indícios suficientes da existência do dano; (2) quantificação do dano; (3) evidências da responsabilidade do agente; e (4) risco ao resultado útil do processo, caracterizado por circunstâncias que denotem fundado receio de frustração do ressarcimento.

Trata-se, assim, da especificação dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, estabelecidos no Código de Processo Civil, cuja aplicação subsidiária é expressamente autorizada pelo artigo 1º, parágrafo único do normativo — como também das regras de constrição cautelar de bens previstas na Lei de Improbidade Administrativa e sobre a ação cautelar fiscal e à execução pela Fazenda Pública.

O valor indisponibilizado corresponderá ao débito em apuração, atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora, podendo ser definido, inclusive, por estimativa, sem que esse montante vincule a apuração em curso (artigo 5º). Nos processos em que houver a indicação de responsáveis solidários, o valor poderá ser garantido por bens e direitos de um ou vários responsáveis, limitando-se ao valor total do débito em apuração (artigo 5º).

Spacca

Em termos de abrangência, a medida de indisponibilidade alcançará “qualquer ativo do patrimônio do responsável, corpóreo ou incorpóreo, móvel, imóvel ou semovente, ou relação jurídica a ele atinente, dotado de valor econômico” (definição de “bem” e “direito” trazida pelo artigo 2º), incluindo aplicações financeiras (artigo 13) e ressalvando-se aqueles bens considerados impenhoráveis ou inalienáveis (artigos 11 e 12). Por outro lado, não estão alcançados pela medida os órgãos ou entidades da administração pública, empresas com falência decretada ou em recuperação judicial, neste último caso apenas quanto aos bens necessários ao cumprimento do plano de recuperação homologado (artigo 7º).

Procedimento

Para o processamento e acompanhamento da indisponibilidade, será autuado procedimento apartado, vinculado ao processo principal, no âmbito do qual correrão as temáticas especificamente relacionadas à medida (artigo 8º). Apesar de não previsto no Regimento Interno — que, como mencionado, era bastante sucinto quanto ao tema —, esse já era o procedimento adotado pelo TCU nesses casos, agora com uma disciplina de contraditório (defesa e recursos) bem mais completa e condizente com a gravidade da medida, incluindo a possibilidade de participação de terceiros eventualmente afetados pela cautelar (os artigos 22 a 31 tratam de toda a matéria relacionada ao processamento de defesas e recursos em face da indisponibilidade).

A localização dos bens a serem indisponibilizados será realizada mediante diligências e utilização de bancos de dados que contenham informações financeiras, os quais deverão ser regularmente informados no caso de adoção da medida (artigos 9º e 10). Para fins de publicidade, o TCU providenciará a averbação e o registro da indisponibilidade nos competentes registros — imobiliário, de títulos e documentos etc. (artigo 14).

Quando a medida recair sobre bens e direitos que não tenham um montante previamente identificado, o TCU poderá realizar a avaliação do seu valor, mediante emprego de critérios não exaustivos que vão desde a base de cálculo de bens imóveis usada para a aferição de tributos incidentes até a definição do preço médio de mercado (artigos 15 e 16). Trata-se de aspecto que certamente demandará atenção e debate, a fim de evitar subavaliação e adoção de constrições superiores ao mínimo necessário, sobretudo diante da observância ao princípio da menor onerosidade, adotado pela autorizada aplicação subsidiária das regras do CPC e da legislação sobre improbidade administrativa [1].

Substituição de bens, cessação dos efeitos e nova medida

Como de praxe nas medidas de caráter provisório, há ampla possibilidade de modificação da indisponibilidade durante a sua vigência — cujo prazo máximo é de um ano, como se mencionou (artigos 17 a 21). Importante regramento foi criado para as situações que autorizam que o responsável que tenha seus bens constritos requeira a substituição por outros bens ou mesmo por garantias (fiança ou seguro garantia), as quais terão um acréscimo de 30% sobre o valor do débito em apuração — o que pode, inclusive, ser um impeditivo para o uso dessa modalidade, mesmo sendo ela menos onerosa e bastante segura em termos de eventual necessidade de execução.

Spacca

Além da superação do prazo de um ano, também fazem cessar os efeitos da medida a sua revogação, o ressarcimento integral do dano, o reconhecimento da ausência de dano ou exclusão do responsável do processo, a extinção do processo sem resolução do mérito e o parcelamento da dívida, porém, gradualmente aos pagamentos realizados (artigo 34). O decurso do prazo, no entanto, não impede que o TCU adote nova medida por igual período, presente novo fundamento, o que impõe ao Tribunal ônus de justificar, de forma diversa, os pressupostos da indisponibilidade, não apenas renovando fundamentos anteriormente esposados (artigo 34, §3º).

Considerações finais

Por fim, o normativo também regula a figura do arresto, consistente na “apreensão e depósito de bens ou na constrição de direitos do responsável, mediante ação judicial promovida pelo órgão ou entidade credora do ressarcimento” (artigo 2º, III). Nesse caso, a medida será solicitada pelo Plenário, por intermédio do Ministério Público junto ao TCU, à Advocacia-Geral da União ou à entidade credora do ressarcimento, dado tratar-se de instrumento jurisdicional (artigos 37 a 40).

De forma geral, a Portaria TCU nº 370/2024, ao detalhar as medidas de indisponibilidade e arresto de bens, representa um avanço normativo significativo que incorpora diversas práticas já adotadas pelo TCU, mas que ainda não eram necessariamente claras aos seus jurisdicionados. De pronto, visualizam-se alguns desafios relacionados aos critérios de avaliação de bens e à adoção de medidas substitutivas com acréscimos financeiros, o que somente será confirmado na aplicação prática do instituto a partir dessa nova normatização. Em nossa visão, trata-se de uma boa oportunidade para que o Tribunal de Contas da União afira de forma rigorosa a eficácia dessas medidas, isto é, se efetivamente mitigam o risco à recuperação de eventual dano, ou se apenas representam reforço vazio de competências institucionais sem funcionalidade prática.

 


[1] Sobre o tema, vide o artigo de Mudrovitsch e Nóbrega, publicado nesta plataforma: MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt; NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Bloqueio, execução e menor onerosidade. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-03/improbidade-debate-bloqueio-execucao-menor-onerosidade/. Acesso em 18/06/2024.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

  • é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura, bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!