Opinião

Precisamos falar sobre taxas de fiscalização

Autor

  • Carlos Renato Vieira

    é advogado no Xavier Duque Estrada Emery e Denardi Associados e doutorando em Finanças Públicas Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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15 de junho de 2024, 6h01

No atual sistema tributário, há consenso dominante de que são cinco as espécies tributárias: imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuição especial.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

No entanto, como os impostos e as contribuições despontam como as principais fontes de arrecadação dos entes federados, as outras espécies tributárias acabaram saindo do foco de atenção.

É justamente por estarem longe dos holofotes que as taxas são utilizadas pelo poder público como meio para aumentar a arrecadação e frequentemente de modo arbitrário.

Por definição da Constituição e do Código Tributário Nacional, a taxa tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou a utilização (efetiva ou potencial) de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Isto é, a taxa é um tributo fundado na ideia de contraprestação, ou seja, o contribuinte usufrui de alguma atividade disponibilizada pelo poder público e o remunera por isso.

Ocorre que, nos últimos anos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é repleta de exemplos de taxas que foram julgadas inconstitucionais, o que, por si só, demonstra a prática abusiva do poder público na utilização desse tributo.

Vejamos alguns exemplos

A Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM), instituída pelo estado do Mato Grosso, foi declarada inconstitucional em razão da desproporcionalidade entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal de exercício do poder de polícia [1] [2].

A taxa de fiscalização do funcionamento de postes de transmissão de energia, criada pelo município de Santo Amaro da Imperatriz (SC), foi declarada inconstitucional por invadir a competência da União para legislar privativamente sobre energia, bem como fiscalizar os respectivos serviços e editar suas normas gerais [3].

Em sentido similar, a Taxa de Fiscalização de Licença para o Funcionamento das Torres e Antenas de Transmissão e Recepção de Dados e Voz, estabelecida pelo município de Estrela d’Oeste, com valor fixo para cada torre ou antena, também foi declarada inconstitucional, porque está na competência privativa da União, não competindo aos municípios instituí-la [4].

Spacca

A Taxa de Serviços Administrativos (TSA), instituída pela União, que tinha como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), foi determinada inconstitucional por não definir de forma específica o fato gerador do tributo [5].

Ainda, o STF declarou inconstitucional a taxa de segurança, criada pelo estado do Pará, tendo como fato gerador a efetiva ou potencial utilização, por pessoa determinada, de qualquer ato decorrente do exercício do poder de polícia, serviço ou atividade policial-militar, inclusive policiamento preventivo, prestados ou postos à disposição do contribuinte por qualquer dos órgãos do sistema de segurança pública, pois a atividade de segurança pública é serviço público geral e indivisível, logo deve ser remunerada mediante imposto [6].

Limites às cobranças

Nos exemplos acima, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reafirma limites importantes à cobrança de taxas (alguns expressamente previstos na CF e no CTN):

  1. o valor da Taxa e o custo da atividade estatal de exercício do poder de polícia/prestação de serviço público devem ser correspondentes;
  2. o poder público somente pode instituir taxas dentro dos limites da sua competência federativa/institucional;
  3. a lei deve prever expressamente o fato gerador da taxa;
  4. a taxa deve remunerar o exercício do poder de polícia ou a prestação de serviço público específico e divisível.

Portanto, toda e qualquer taxa que transgredir esses limites será passível de questionamento.

Essa constatação é importante porque a realidade nos mostra que diversos municípios instituem taxas de fiscalização, licenciamento, instalação, ocupação, funcionamento, com o fato gerador mais amplo possível, para verificar o alegado cumprimento da legislação municipal disciplinadora do uso e ocupação do solo urbano, higiene, saúde, segurança, transportes, ordem pública, vigilância sanitária, dentre outros.

Referidas taxas recaem tanto sobre pessoas físicas quanto sobre pessoas jurídicas, abrangendo toda sorte de atividades econômicas: comércio, indústria, prestadores de serviço, agropecuária etc.

No que diz respeito às bases de cálculo, essas taxas adotam critérios díspares, mas, frequentemente, são apuradas a partir da aplicação de um valor fixo arbitrado em função da espécie de atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte, da área ocupada pelo estabelecimento, do número de empregados envolvidos ou da combinação entre esses fatores [7].

Esse fato não só indica a ausência de um racional claro na mensuração da base de cálculo das taxas, e, consequentemente, da falta de correspondência entre o valor do tributo e o custo da atividade estatal de exercício do poder de polícia, como também resulta em impacto financeiro significativo para grandes empreendimentos como, por exemplo, as empresas de telecomunicações que sofrem com a cobrança dessas taxas sobre as estações rádio base, as empresas de energia eólica que são cobradas por cada aerogerador, assim como as usinas e as mineradoras que ocupam grandes extensões de terra e suportam a cobrança das taxas com base no metro quadrado.

Nesses casos, a via judicial é sempre um caminho possível para requerer a suspensão da exigibilidade do tributo, assim como, no mérito, fazer valer os limites reafirmados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

 


[1] ADI 7400, Relator: Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 19-12-2023, Processo Eletrônico DJe-s/n  DIVULG 22-03-2024  PUBLIC 25-03-2024.

[2] No mesmo sentido, o STF declarou inconstitucionais diversas outras taxas como, por exemplo: a Taxa de Fiscalização Ambiental, instituída pelo estado do Pará com fundamento no poder de polícia exercido sobre a atividade de exploração de recursos hídricos no território do respectivo estado, que foi declarada inconstitucional porque os valores de grandeza fixados pela lei estadual em conjunto com o critério do volume hídrico utilizado (1 m³ ou 1000 m³) fazem com que o tributo exceda desproporcionalmente o custo da atividade estatal de fiscalização, violando o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício (ADI 5374); a Taxa de Fiscalização criada pelo estado do Rio de Janeiro sobre a atividade de geração, transmissão e/ou distribuição de energia no território do respectivo estado, em que os valores de grandeza fixados pela lei estadual (1 megawatt-hora) em conjunto com o critério da energia elétrica gerada fazem com que o tributo exceda desproporcionalmente o custo da atividade estatal de fiscalização, violando o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício (ADI 5489); e a Taxa de Fiscalização criada pelo estado do Rio de Janeiro sobre as atividades da indústria de petróleo e gás, haja vista que a base de cálculo escolhida – barril de petróleo extraído ou unidade equivalente de gás a ser recolhida – não guarda congruência com os custos das atividades de fiscalização exercidas pelo respectivo órgão ambiental estadual (ADI 5480).

[3] ADPF 512, Relator: Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 22-05-2023, Processo Eletrônico DJe-s/n DIVULG 27-06-2023 PUBLIC 28-06-2023.

[4] RE 776594, Relator: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 05-12-2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-s/n DIVULG 08-02-2023 PUBLIC 09-02-2023.

[5] ARE 957650 RG, Relator: Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-2016, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-098 DIVULG 13-05-2016 PUBLIC 16-05-2016.

[6] ADI 1942, Relator: Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 18-12-2015, Acórdão Eletrônico DJe-027 DIVULG 12-02-2016 PUBLIC 15-02-2016

[7] O STF reconheceu a existência de repercussão geral da questão relativa à “constitucionalidade da utilização do tipo de atividade exercida pelo estabelecimento como parâmetro para definição do valor de taxa instituída em razão do exercício do poder de polícia” (ARE 990.094 – Tema 1.035).

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