NO APAGAR DAS LUZES

Suprema Corte dos EUA tem leva de decisões importantes para anunciar em duas semanas

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14 de junho de 2024, 8h23

Tipicamente, a Suprema Corte dos Estados Unidos deixa tudo para a última hora — mais precisamente, tudo o que é mais relevante para o país e que vai gerar polêmica, inevitavelmente.

Suprema Corte dos EUA, Suprema Corte dos Estados Unidos

Suprema Corte dos EUA tem muitas decisões importantes a tomar neste mês

A pouco mais de duas semanas de terminar o ano judicial 2023/2024 (no dia 30), a corte ainda tem de anunciar decisões de 29 casos — de apenas 61 processos que aceitou julgar no período. Desses 29 casos, alguns são mais polêmicos e vão gerar elogios e, certamente, uma profusão de críticas, das quais não é possível escapar.

Há uma decisão, porém, que fará com que os céus venham abaixo, qualquer que seja ela: a da (suposta) imunidade absoluta do presidente da República, pleiteada pelo ex-presidente Donald Trump.

Mas também estará em jogo o futuro das plataformas da mídia social, uma sentença aplicada a invasores do Congresso em 6 de janeiro de 2021, o poder de regulamentação dos órgãos públicos, a possível limitação do direito a armas e outros casos polêmicos.

Essas são as batatas quentes nas mãos dos ministros da Suprema Corte para os dias finais do ano judicial 2023/2024 — e em meio a um ano eleitoral.

Imunidade presidencial

Trump quer o trancamento da ação criminal movida contra ele por sua responsabilidade na invasão do Congresso em 2021 porque ex-presidentes não podem ser processados criminalmente por seus atos oficiais, durante o exercício da presidência.

Mesmo que sejam (supostamente) crimes, ex-presidentes são protegidos por imunidade absoluta, alegam os advogados do ex-presidente.

Se a decisão for favorável a Trump, ela poderá encerrar dois outros processos criminais movidos contra ele: um em um tribunal federal na Flórida (no caso de subtração de documentos classificados do governo) e outro em um tribunal estadual na Geórgia (por interferência no resultado da eleição de 2020 no estado).

Se a Suprema Corte descartar o argumento da imunidade presidencial, Trump responderá aos três processos criminais.

Porém, a corte poderá sair pela tangente: admitir que ex-presidentes têm uma certa imunidade contra processos criminais, mas não absoluta, e mandar o processo de volta à primeira instância para o juiz deliberar, por exemplo, se os atos do ex-presidente foram oficiais ou pessoais. A tentativa de se manter no cargo, apesar de perder as eleições, aparentemente é um ato pessoal.

De qualquer forma, a corte já garantiu uma importante vitória para Trump: ao postergar a decisão para a última hora, não haverá maneira de as cortes (onde correm os processos contra Trump) julgarem os processos antes das eleições de novembro e de a tramitação dos casos terminar antes da posse do presidente eleito. Se for Trump, ele dará um jeito de se livrar dos dois processos federais.

Uma decisão favorável a Trump desagradará até mesmo a uma parcela do Partido Republicano, a legenda do ex-presidente. Na sexta-feira passada (7/6), por exemplo, a organização Republicans for the Rule of Law lançou uma campanha publicitária de US$ 2 milhões na televisão pedindo à Suprema Corte para rejeitar o argumento da imunidade presidencial absoluta, em nome da preservação da justiça no país.

Invasão do Congresso

Uma ação movida por um policial da Pensilvânia, que foi condenado pela invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021, poderá beneficiar Trump. Tal como no caso do ex-presidente e de mais de uma centena de invasores, o policial foi acusado de obstrução de procedimento oficial — o da certificação da vitória do presidente Joe Biden nas eleições de 2020.

A acusação se baseia na Lei Sarbanes-Oxley, que foi criada para desencorajar a adulteração (ou eliminação) de documentos com a intenção de prejudicar investigações ou inquirições do Congresso. O réu alega que a lei não se aplica a seu caso porque ele não adulterou documento algum.

Na audiência de sustentação oral, a maioria dos ministros mostrou uma tendência a concordar com ele. Se a decisão lhe for favorável, ela reduzirá substancialmente a pena dos invasores do Congresso — e de Trump, se ele for condenado.

Mídia Social

Três casos que envolvem liberdade de expressão e liberdade de imprensa podem complicar a gestão das plataformas de mídia social. Dois deles se referem a leis promulgadas no Texas e na Flórida que pretendem limitar o direito das plataformas de monitorar (ou censurar) conteúdo postado por seus usuários.

As leis foram aprovadas por políticos estaduais republicanos, que se queixam de uma suposta censura das vozes conservadoras da direita. Mas, na audiência de sustentação oral, alguns ministros mostraram uma tendência a concordar com as empresas de mídia social, para as quais o governo não pode suprimir seu direito ao critério editorial.

O terceiro caso se refere a uma queixa de alguns estados republicanos contra um costume do governo Biden de se relacionar com as empresas de mídia social, para alertá-las de postagens que representam ameaça à segurança nacional, que promovem desinformação, incluindo sobre eleições e a Covid-19, e sobre qualquer matéria de interesse público.

Os procuradores-gerais desses estados alegam que essa atitude do governo viola o direito à liberdade de expressão dos conservadores-republicanos. Na audiência de sustentação oral, alguns ministros se manifestaram contra a imposição de limites às comunicações do governo com as empresas de mídia social.

Poder de regulamentação de órgãos federais

Está em jogo, nesses dias, um precedente de 40 anos da Suprema Corte, que criou a chamada Doutrina Chevron Deference. Nesse caso, a corte determinou que os tribunais federais devem conceder deferência aos órgãos públicos para regulamentar leis federais quando elas não são claras (ou são ambíguas) — desde que a interpretação de tais leis seja razoável.

O precedente foi citado milhares de vezes por tribunais federais quando decidiram processos que contestam, por exemplo, regulamentos de órgãos públicos sobre meio ambiente, saúde pública, segurança no trabalho, proteções ao consumidor, mercado financeiro, criptomoedas e tantas outras áreas de interesse público.

Grupos conservadores-republicanos e empresas com interesses contrariados querem retirar esse poder dos órgãos públicos e deixar inteiramente nas mãos dos juízes federais a capacidade de interpretar as leis, quando necessário. Não lhes agrada o que chamam de “estado administrativo”.

Na audiência de sustentação oral, os ministros conservadores mostraram uma tendência a concordar com os republicanos. As três ministras liberais, no entanto, criticaram a pretensão dos peticionários, que querem transferir de técnicos e cientistas contratados pelo governo para juízes, que não entendem nada do assunto, o poder de regulamentar tais leis.

Situação de rua

Algumas cidades dos EUA promulgaram leis que criminalizam o ato de dormir em lugares públicos, mesmo que não tenham abrigos para recebê-los. Em outras palavras, querem se livrar da população em situação de rua (homeless).

A lei que deu origem ao processo é de Grants Pass, uma pequena cidade de Oregon. Ela prevê penas de multa de centenas de dólares pela primeira infração e de 30 dias de cadeia para cada infração subsequente, pelo “crime” especificado. O julgamento terá repercussão em pelo menos 90 cidades dos EUA que têm leis semelhantes.

Organizações que se prontificaram a defender os interesses dos sem-teto, em um momento em que mais e mais cidadãos estão perdendo o seu teto pelos altos custos das moradias, argumentam que a execução dessas leis “constitui uma punição cruel e incomum, proibida pela 8ª Emenda da Constituição”. A Suprema Corte terá de decidir se esse é ou não o caso.

Às armas, cidadãos

A Suprema Corte vai decidir dois casos envolvendo a compra e a posse de armas de fogo, que opõem os defensores do uso irrestrito e os defensores de um controle mais rígido do uso de armas, para evitar as seguidas tragédias americanas.

O primeiro caso se refere à constitucionalidade da restrição à posse de armas por pessoas acusadas de violência doméstica e sob restrições impostas por ordem judicial. Os defensores do uso de armas não querem, obviamente, restrição alguma.

O segundo caso se refere à legalidade de um decreto de Donald Trump que baniu o uso de um acessório para rifles semiautomáticos chamados de bump stocks. O dispositivo transforma um rifle em metralhadora. O Congresso proibiu a compra e posse de metralhadoras no país.

Restrições ao aborto

Depois de deslegalizar o aborto em todo o país com a revogação do precedente Roe v. Wade, a Suprema Corte tem mais dois casos em sua pauta. Em um deles, grupos conservadores contestaram um regulamento da Food and Drug Administration (FDA) que liberou o uso do mifepristone, a “pílula do aborto”, para mulheres com até dez semanas de gravidez e autorizou a compra desse medicamento pelo correio.

O outro caso se refere a uma lei de Idaho que baniu totalmente o aborto, ao ponto de violar uma lei federal que requer que os hospitais forneçam tratamento de emergência a pacientes que sofrem complicações médicas sérias, que podem não ser iminentemente letais, mas podem ter consequências a longo prazo. Idaho só permite tratamento de emergência se for para salvar a vida da mulher. Com informações do The Hill, Axios, Newsweek, AP e KRON4.

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