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Como penas eletrônicas podem reduzir custos e volume do encarceramento

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14 de junho de 2024, 9h06

Se a tecnologia impactou de modo significativo as coordenadas da realidade atual, especialmente por meio da ampliação de mecanismos de monitoramento, então mostra-se viável discutir as possibilidades de ajuste e/ou substituição do modelo de simples contenção física dos presos cautelares e/ou definitivos.

Embora se tenha previsto o Monitoramento Eletrônico como Medida Cautelar diversa da prisão (CPP, artigo 319, X) e, também, no âmbito da Lei de Execuções Penais (CNJ, Resolução 412/2021), chegou o momento incluir novas alternativas inteligentes de resposta penal no Sistema de Controle Social.

Luciano Floridi apontou no Manifesto Onlife a convivência nem sempre coerente entre institutos pensados em face da realidade analógica e os influxos da realidade digital, com a necessidade de ressignificação, ajuste ou superação das coordenadas simbólicas que organizam as coordenadas normativas (o tema foi tratado aqui).

Para regular o comportamento humano, o Estado define a Estrutura de Incentivos do Controle Social por meio do estabelecimento de Punições (penas ou sanções) e Prêmios (reduções ou benefícios). O Sistema Penal ainda vigente se organizou a partir das coordenadas analógicas em que a prisão restritiva da Liberdade (direito de ir, vir ou ficar) é limitado, em geral, com a contenção física do agente. Entretanto, a par das críticas ao modelo de prisão, o esforço deste artigo é o de demonstrar a possibilidade de abordagens inovadoras.

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Desde a declaração do Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Carcerário pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 347), reconheceu-se a situação de violação sistemática e estrutural dos Direitos Humanos nas prisões, materializada pela superlotação, condições desumanas, violência intramuros, falta de acesso a serviços essenciais [saúde, educação, assessoramento jurídico etc.) e ausência de medidas efetivas de reengajamento da população carcerária, associada ao crescimento dos custos de manutenção do Sistema Prisional (em crescimento).

Em consequência, o STF atribuiu a responsabilidade do Poder Público em garantir condições dignas e respeitosas nos presídios, conforme preconizado pela Constituição e nos documentos de proteção de Direitos Humanos (Regras de Mandela, p.ex.).

Além das iniciativas coordenadas pelo CNJ, cabe inovar. Em instigante artigo nomeado de “Prisão Eletrônica: um caminho justo para o desencarceramento” (Electronic Prison: A Just Path to Decarceration), publicado na Revista da Universidade de Pensilvânia, nos EUA (aqui), os professores Paul H. Robinson e Jeffrey Seaman, discorrem sobre as possibilidades e limites da implementação de denominada “Prisão Eletrônica” como alternativa viável, menos custosa e mais inteligente para lidar com os crescentes custos do encarceramento tradicional, embarcando as tecnologias disponíveis no ambiente da resposta penal.

A Prisão Eletrônica potencializa diferentes tipos de controles tecnológicos, valendo destacar:

  1. Monitoramento por GPS: artefatos vestíveis: wearables: O monitoramento por GPS envolve o uso de dispositivos que rastreiam a localização do indivíduo em tempo real, utilizando tecnologia de geolocalização, para além das ultrapassadas e custosas “tornozeleiras eletrônicas”, diante da existência de tecnologia vestível, denominada wearables [roupas, braceletes, relógios etc.), mantido o controle de acesso a perímetros e espaços, com horários definidos.
  2. Monitoramento de movimento: Controle de monitoramento que registra e analisa os padrões de movimento do agente submetido por meio de sensores/dispositivos específicos aptos a capturar dados sobre as atividades físicas, permitindo a detecção de comportamentos incomuns ou violações das condições impostas, em tempo real.
  3. Monitoramento de presença: O monitoramento de presença verifica a presença do agente em locais monitorados em horários específicos (emprego, curso, atividades), autorizando a verificação por face ou validação (senhas, digitais etc.) da efetiva presença nos locais esperados, com a imediata comunicação às autoridades responsáveis pelo cumprimento das penas digitais, com potencial de uso no âmbito da Violência Doméstica, Estatuto do Torcedor e proteção de vulneráveis em geral, além de limitar o deslocamento de agressores os mais variados, dentre eles os sexuais.
  4. Tornozeleiras eletrônicas: As tornozeleiras eletrônicas são dispositivos eletrônicos presos ao tornozelo do agente orientados à localização e controle das atividades por meio de alertas na hipótese de violação das restrições impostas (modalidade já adotada).
  5. Monitoramento de condições biométricas: O monitoramento de condições biométricas abarca a coleta e análise de dados biométricos, como frequência cardíaca, pulsação, atividade física, padrões de sono ou outros dados associados para o fim de verificar a correlação entre as atividades previstas e as realizadas, especialmente em contexto de verificação das condições de saúde, bem-estar e desempenho de atividades previstas.
  6. Punições digitais: Imposição de restrições ao acesso à internet, redes sociais e visibilidade online, inclusive empresarial, evitando o encarceramento de pessoas em face de condutas realizadas no ambiente digital (calúnia, injúria e difamação, p.ex.).

Por mais que o justo equilíbrio entre o monitoramento total da vida, com a consequente restrição de Direitos Fundamentais, relacionada com a demanda por segurança pública, demande debates relevantes, o fato é que a negativa à discussão das possibilidades eletrônicas fomenta a permanência do atual Estado de Coisas Inconstitucional. O debate deve considerar os prós e os contras.

Prós

  1. Redução da reincidência: O monitoramento contínuo e as oportunidades de reabilitação podem contribuir para uma menor taxa de reincidência entre os apenados, com a redução ou ampliação do tempo de monitoramento a depender do desempenho verificado.
  2. Diminuição da violência intramuros e do poder das facções: Com a retirada dos presos do ambiente carcerário, a tendência é a redução da violência interna, associada à perda do poder de gestão das facções no espaço da execução penal
  3. Custo-benefício: Comparativamente, a prisão eletrônica tende a ser mais econômica do que a prisão tradicional, resultando em potenciais reduções do orçamento destinado ao Sistema Prisional, realocado em áreas de promoção social, p.ex.
  4. Reengajamento eficaz: Os programas de reinserção, reabilitação e treinamento podem ser mais facilmente implementados devido ao monitoramento direto dos apenados, criando oportunidades de reintegração mais eficazes.
  5. Supervisão eficiente: O monitoramento em tempo real possibilita a supervisão mais eficaz dos submetidos, permitindo intervenções mais rápidas em caso de violação das condições, além de ampliar a rede de proteção das vítimas e da sociedade em geral.

Contras

  1. Ampliação da restrição da privacidade: O constante monitoramento eletrônico tende a mitigar o espaço de liberdade e do exercício dos Direitos Fundamentais, dentre eles o da Privacidade, Liberdade Individual, embora signifique a evitação da prisão física.
  2. Riscos de falhas tecnológicas: Problemas técnicos nos dispositivos de monitoramento podem resultar em falhas no sistema, podendo levar a erros de interpretação, imposições desproporcionais ou falsos positivos, tendo em vista o contexto fático.
  3. Limitações no reengajamento: Apesar dos programas disponíveis, a qualidade e eficácia da reinserção proposta oferecida na prisão eletrônica podem ser limitadas em comparação com programas mais abrangentes disponíveis na prisão tradicional, a partir do critério da autodeterminação.
  4. Potencial desigualdade socioeconômica: Acesso desigual a recursos tecnológicos e oportunidades de reabilitação pode ampliar as disparidades entre submetidos de diferentes contextos socioeconômicos, especialmente as condições de habitação, emprego, educação e saúde.

Segundo os autores, a “Prisão Eletrônica” se configura como alternativa justa ao encarceramento padrão, valendo-se das tecnologias disponíveis associadas às restrições à liberdade via monitoramento eletrônico (rastreamento de localização; monitoramento ativo e passivo; gravações remotas em áudio e vídeo por câmeras ativas e passivas; monitoramento fisiológico; e, controle por dispositivos eletrônicos) e de punições sem encarceramento direto (reabilitação biopiscossocial; serviços comunitários; orientações gerais etc.), orientadas à redução de custos, reengajamento social e tratamento humanitário, especialmente dos crimes não violentos.

No Brasil, Marcelo Carlin, magistrado do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), explorou as possibilidades de alternativas de resposta ao rol de penas previstas no Código Penal de 1984 em sua tese de doutoramento, demonstrando novas possibilidade que, diante do atual contexto digital, tornaram-se insuficientes, irracionais e desatualizadas. Voltarei a explicitar a tese dele numa nova coluna.

Por isso, a denominação genérica da “Prisão Eletrônica” representa um convite à reflexão quanto à existência de abordagens inovadores sobre o Sistema Prisional, especialmente no contexto do Estado de Coisas Inconstitucional, indicando possibilidades racionais, econômicas e menos violentas, principalmente nos casos de crimes sem violência ou grave ameaça.

Longe de uma posição definitiva e desprovida de riscos, a proposta abre a discussão séria, democrática e racional sobre o custo-benefício da implementação de novas modalidades de “Prisão Eletrônica” porque é ilógico manter-se intactos os padrões de resposta penal limitados à segregação física em face do manifesto fracasso e dos custos imensos do modelo vigente. Mas para isso, no entanto, é preciso alfabetização e letramento digital, além de coragem. Se o mundo mudou e os tipos de resposta penal são os mesmos, alguma coisa está fora da ordem, parafraseando Caetano. Adicione-me nas redes sociais e falaremos mais: @alexandremoraisdarosa

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