Opinião

IBS/CBS e a exportação de serviços financeiros

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13 de junho de 2024, 16h18

É comum a afirmação de que as imunidades tributárias são constituídas por regras essencialmente valorativas. Por meio delas, o poder constituinte ressalvaria da tributação atividades necessárias à liberdade individual, tão caras à sociedade que justificariam o tratamento desigual perante os impostos. Luís Eduardo Schoueri destaca a cautela necessária na utilização deste argumento, aplicado frequentemente de maneira simplista.

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De acordo com o autor, diversas atividades e entidades estão fora das regras de imunidade, apesar de serem igualmente importantes, se comparadas às privilegiadas pelas regras desonerativas. Esta constatação dificulta aceitar acriticamente o aspecto valorativo como elemento suficiente para outorga da imunidade tributária.

Além disso, os impostos não são considerados, no moderno Estado de direito, mecanismos exclusivamente destinados ao exercício do poder estatal. Pelo contrário, são considerados necessários à garantia das liberdades individuais e fundamentais ao custeio das conquistas sociais. Esta dimensão dos impostos põe em dúvida o caráter meramente protetivo das imunidades tributárias [1].

Apesar de o elemento valorativo compor a construção da norma de imunidade, há fundamentos que são encontrados no próprio direito tributário sem a necessidade de reflexão a respeito da importância, por exemplo, dos cultos religiosos para a constatação da impossibilidade de se tributar a renda, o patrimônio e os serviços dos templos religiosos, conforme artigo 150, inciso VI, alínea b), da Constituição.

Schoueri destaca, dentre esses fundamentos, a ausência de capacidade contributiva. Como os impostos visam a onerar signos presuntivos de riqueza, não haverá a cobrança quando estes não estiverem presentes. Os partidos políticos, os templos, a União, os estados e os municípios têm em comum o fato de que todos os seus ganhos são destinados ao desenvolvimento das suas finalidades sociais. Não há riqueza particular, mas sim superávits revertidos integralmente no interesse do grupo tutelado por essas entidades.

A impossibilidade de tributá-los seria constatada ainda que não existisse regra constitucional expressa, o que seria possível a partir da interpretação sistemática do ordenamento jurídico. A sua inclusão no texto constitucional apenas facilita o trabalho do jurista, e reduz a necessidade de deliberações, ao antecipar quem não deverá ser tributado e como.

Competência tributária

Em alguns casos, a imunidade também pode contribuir para o adequado desenho das fronteiras da competência tributária, com o incremento da coerência do próprio sistema. Esse é o caso da imunidade às exportações, que garante a integração ao ordenamento do princípio da tributação no destino [2].

Este princípio, conforme explicado pelo ministro Edson Fachin, em seu voto proferido no RE n° 723.651/PR, visa à “harmonização tributária entre entes soberanos em dinâmica de comércio exterior, para que não haja pluritributação, isto é, sobre o mesmo fato incida uma pluralidade de normas de ordenamentos jurídicos diversos”.

Ainda de acordo com o ministro, no âmbito do comércio internacional e em casos de tributação sobre o consumo, o estado destinatário é o competente para exigir a tributação sobre a manifestação de riqueza apresentada pelo contribuinte localizado em seu território. O objetivo da imunidade seria delimitar, adequadamente, até onde pode ir a pretensão tributária do estado, o que seria concretizado mediante a regra de desonerar as exportações e tributar as importações, com o favorecimento da balança comercial do país.

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A Emenda Constitucional n° 132/2023, responsável pela previsão constitucional do IBS e da CBS, instituiu, como esperado, a imunidade desses novos tributos sobre as exportações, nos termos do artigo 156, § 1°, inciso III, bem como artigo 195, § 16. A regulamentação do IBS e da CBS ocorrerá por meio de lei complementar, que também disciplinará a desoneração relativa à destinação de bens e serviços ao exterior.

Espera-se que isto ocorra por meio do projeto da Lei Complementar n° 68/2024, encaminhado ao Congresso pelo governo federal. A imunidade das exportações está prevista no artigo 8° da proposta, com o respectivo detalhamento no capítulo V do Livro I. A redação do projeto é positiva e encerra controvérsia atual sobre a exportação de serviços, verificada na legislação do ISS. Nos termos do artigo 2°, parágrafo único, da Lei Complementar n° 116/2003, não serão considerados exportados, com a necessidade de recolhimento do imposto municipal, os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultados aqui se verifique.

A expressão “resultado” é a fonte das divergências interpretativas. Para parcela majoritária da doutrina, o termo equivale à utilidade que o serviço proporciona ao contratante. Se serviço consiste na realização de uma atividade em benefício de um terceiro, seu resultado corresponderia à fruição experimentada por este. A segunda corrente, por outro lado, defende a equiparação do termo resultado à consumação material da atividade desenvolvida. Neste caso, a conclusão do contrato no Brasil, mediante o emprego de todos os esforços necessários à sua elaboração, afastaria a exportação, ainda que os efeitos do objeto contratado somente sejam verificados no exterior [3].

O artigo 79 do referido projeto adotou, acertadamente, a corrente do resultado utilidade. De acordo o inciso I, alínea a) do dispositivo, considera-se exportação de serviços quando a execução ou o consumo ocorrer no exterior. A alínea b) afasta, ainda, a tributação na hipótese de bem móvel ser recebido no País “para a prestação do serviço e retorne ao exterior após a sua conclusão, observado o prazo estabelecido no regulamento”. O fato de a conclusão do serviço ocorrer em território brasileiro não descaracteriza a exportação. O relevante é que consumo — a utilidade — ocorra no estrangeiro. Trata-se da corrente que privilegia o princípio do destino, pois garante que a capacidade contributiva decorrente do emprego da renda para o consumo seja capturada exclusivamente pelo estado em que reside o sujeito.

Apesar do acerto, a coerência do projeto é sensivelmente reduzida em razão da limitação imposta aos serviços financeiros. Nos termos do artigo 216, § 2°, tais serviços não serão considerados exportados quando prestados a entidades no exterior, que sejam controladas ou investidas, preponderantemente, por residentes no Brasil.

O projeto parece estabelecer uma presunção absoluta de que, nesses casos, o consumo/resultado, em que pese decorrente de contrato celebrado com estrangeiro, ocorrerá no Brasil. A premissa é a de que a utilidade dos serviços sempre favorecerá a entidade brasileira, em razão do seu vínculo societário com a parte.

O dispositivo ignora a autonomia patrimonial existente entre empresas autônomas, ainda que controladoras e controladas. Pressupõe uma unidade de interesses que somente existiria no caso de confusão patrimonial, como exige o artigo 50 do Código Civil. Inclusive, a impossibilidade de se tratar grupos econômicos como uma única entidade para fins tributários é rejeitada pela própria Receita Federal, conforme fundamentação apresentada no Parecer Normativo Cosit n° 4/18 [4].

Princípio da praticabilidade

O direito tributário, enquanto direito de atos de massa, destinado a regulamentar milhares de situações de forma simultânea, recorre, inevitavelmente, ao princípio da praticabilidade. Este viabiliza a utilização de tipificações, com a exclusão da norma tributária das situações individuais, bem como a construção de presunções, que reduzem o ônus investigatório.

A possibilidade sempre presente de violação de outros princípios tributários relevantes exige o emprego cauteloso desses institutos. Para Ana Paula Dourado, não haveria espaço, no atual Estado de direito, para, por exemplo, presunções inelidíveis em matéria tributária. Não seria razoável sempre presumir a situação desfavorável ao particular, sobretudo quando este puder comprovar que o fato indesejado pelo Estado não está presente.

A autora destaca, inclusive, precedente do Tribunal Constitucional de Portugal, que declarou inconstitucional presunção absoluta prevista no Código de Imposto de Capitais, que possuía o caráter de regra antiabuso. No caso concreto, a presunção inelidível restringiu sobremaneira os princípios da capacidade contributiva e do rendimento real, ambos estabelecidos pela Constituição portuguesa [5].

A presunção absoluta do artigo 216, § 2°, do Projeto de Lei Complementar n° 68/2024, por sua vez, implica limitação indevida ao princípio do destino e rompe com a coerência da proposta, bem como a boa política fiscal por ela implementada em seu artigo 79. A sua exclusão, ou ao menos alteração para estabelecer a possibilidade de o contribuinte demonstrar que o consumo do serviço efetivamente ocorreu no exterior, é medida urgente e deve ser realizada pelo Congresso. Esta providência evitará contencioso judicial no futuro, o que é especialmente relevante para os contribuintes, já que os tribunais do país não possuem posicionamentos firmes e contrários às presunções absolutas em matéria tributária.

 


[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Imunidade tributária e Ordem Econômica. Grandes questões de Direito Tributário. 15° volume. Coordenador: Valdir de Oliveira Rocha. Dialética. São Paulo, 2011. p. 229 – 234.

[2] SCHOUERI, Luís Eduardo. Imunidade tributária e Ordem Econômica. Grandes questões de Direito Tributário. 15° volume. Coordenador: Valdir de Oliveira Rocha. Dialética. São Paulo, 2011. p. 234.

[3] ROCHA, Sérgio André. O Resultado do serviço como elemento da Regra de Incidência do PIS/Cofins-importação e da Regra exonerativa do ISS sobre Exportações. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 155. Agosto – 2008. p. 111 e 112.

[4] Trecho extraído do Parecer Normativo Cosit n° 4/28: Já se adianta que os grupos econômicos formados de acordo com os Capítulos XX e XXI da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, em que há pleno respeito à personalidade jurídica de seus integrantes (mantendo-se a autonomia patrimonial e operacional de cada um deles), não podem sofrer a responsabilização solidária, salvo cometimento em conjunto do próprio fato gerador.

[5] DOURADO, Ana Paula. Direito Fiscal. – 7ª ed. – (Manuais universitários) ISBN 978-989-40-0835-4. Almedina. p. 283 – 287.

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