Prática Trabalhista

Cargos de gestão e limitação da jornada de trabalho

Autores

  • é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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13 de junho de 2024, 8h00

Na semana passada, abordamos aqui nesta coluna um assunto bastante corriqueiro na Justiça do Trabalho e que diz respeito à possibilidade do pagamento de horas extras ao trabalhador, mesmo se tratando de labor externo, desde que existam efetivos meios de controle, direito ou indireto, da jornada de trabalho de parte do empregador [1].

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Nesse sentido, em razão da polêmica despertada sobre a matéria, nesta semana falaremos um pouco mais sobre os empregados que, em regra, não estariam submetidos à limitação de jornada, como é o caso daqueles que exercem cargo de gestão e de confiança, de sorte que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Legislação brasileira

Do ponto vista normativo no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) preceitua no inciso II do seu artigo 62 [3] que também estão excluídos do capítulo pertinente à jornada de trabalho os denominados gerentes, que seriam aqueles trabalhadores que exercem o cargo de gestão ou que a esses equiparam, ou seja, que ocupem um cargo de confiança.

Entrementes, para fins de enquadramento na exceção legal, o referido dispositivo da norma celetista dispõe, em seu parágrafo único [4], que para o exercício do cargo de confiança se faz necessário o recebimento de uma gratificação de função, em valor não inferior a 40% do salário efetivo.

Lição de especialista

Acerca da matéria, oportunos são os ensinamentos do doutor Henrique Correa, professor e procurador do Ministério Público do Trabalho [5]:

“Não será aplicada a limitação de jornada de trabalho de 8 diárias e 44 horas semanais aos gerentes que exerçam cargos de gestão e recebam gratificação de função não inferior a 40% do respectivo salário efetivo. Há a necessidade de o gerente exercer poderes de gestão, por exemplo, contratar financiamento em banco, fazer reunião com fornecedores etc. Em resumo, poderes de gestão é representar a figura do próprio empregador.

É importante ressaltar que algumas empresas estabelecem cargos de gerente para seus empregados sem que, de fato, exerçam poderes de gestão. A mera nomenclatura da função exercida não dispensa a aplicação da limitação da jornada de 8 horas diárias e 44 semanais (art.9º da CLT). Poder de gestão compreende os poderes próprios do empregador, com a capacidade de decidir o funcionamento e o futuro da empresa.

Além disso, o número de subordinados vinculados ao trabalhador é irrelevante para a configuração do cargo de gestão. Por exemplo, um empregado que tem mais de 50 subordinados, mas que recebe ordens de um superior hierárquico, que determina suas ações e decisões, não exerce cargo de gestão.”

Requisitos necessários para o cargo de gestão

Com efeito, a partir do ensinamento doutrinário e da previsão legal, no que se refere ao cargo de confiança previsto no inciso II e do parágrafo único do artigo 62 da CLT, para se configurar a exceção prevista no caput e, assim, estar fora dos limites temporais previstos na mesma CLT, necessária se faz a presença de dois requisitos: a) um subjetivo, que se perfaz pela presença de amplos poderes de mando e gestão; b) outro objetivo, através de um padrão salarial elevado, que supere ao menos em 40% o salário.

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Frise-se, oportunamente, que pode haver uma discussão se o valor desse acréscimo salarial devido àquele que exerce o cargo de gestão se mensura apenas com base no salário efetivo até então recebido pelo próprio trabalhador, ou, em sentido contrário, se o cálculo deve se dar através do comparativo salarial com outros empregados.

Pela leitura da norma celetária, parece ser conclusiva a afirmação que o acréscimo salarial (40%) não diz respeito ao comparativo remuneratório com outros colegas de trabalho e/ou subordinados daquele que exerce o cargo de confiança, mas sim ao então salário efetivo do próprio trabalhador.

Já na praxe trabalhista, o que se observa é que algumas empresas, por vezes com intuito de se esquivarem do pagamento de horas extras, atribuem a certos trabalhadores cargos de confiança e de gestão, sem que, na prática, esses profissionais tenham a total autonomia no exercício das suas atividades. Todavia, como é cediço, não basta apenas a nomenclatura do cargo, e sim que o(a) trabalhador(a) tenha efetiva atribuição de destaque com fidúcia diferenciada, para além do salário com acréscimo de 40%.

Nesse diapasão, sendo eventualmente descumpridos os requisitos (objetivo e subjetivo) para o cargo de gestão, e ausente a fidúcia especial, poderá o empregador ser condenado na Justiça do Trabalho ao pagamento de horas extraordinárias, caso o labor exceda os limites legais.

Posicionamento do TST

Sob tal polêmica, o Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de sorte que o entendimento caminhou no sentido de que devem ser respeitadas as exigências indispensáveis para que possa o trabalhador ser enquadrado na exceção do artigo 62, II, da CLT [6].

Ao analisar a questão acerca do padrão salarial para a configuração do cargo de confiança, em seu voto a Ministra relatora ponderou:

 “Conforme registrado no acórdão recorrido, no período a partir de setembro de 2017, a prova documental revelou que o reclamante nos cargos de coordenador e coordenador de rede de franquias recebeu aumento inferior ao percentual de 40% previsto no parágrafo único do art. 62, II, da CLT, portanto não preenchido o requisito objetivo e essencial para configurar o cargo de fidúcia especial.”

Ainda, a Corte também já decidiu pela inexistência do cargo de confiança quando, in casu, embora pudesse estar presente o acréscimo salarial de 40%, a prova dos autos não confirmou o requisito subjetivo.

Em seu voto, envolvendo outro caso, a Ministra relatora destacou [7]:

“Com efeito, para a caracterização do exercício de cargo de confiança e o enquadramento do empregado na exceção do art. 62, II, da CLT, deve ele exercer poderes de mando e de ampla gestão, como manter subordinados, traçar diretrizes para os subordinados, advertir verbalmente e possuir poderes de representação do empregador. Verifica-se que a conclusão alcançada pelo Tribunal Regional foi no sentido de que ‘Não havia a fidúcia especial e poder de gestão atribuído à obreira aptos a enquadrá-la no regime de exclusão da limitação da jornada’.”

Conclusão

Portanto, via de regra, ao trabalhador que ocupe efetivamente o cargo de confiança, em razão da fidúcia a ele investida e de seus amplos poderes de gestão, não há que se falar no recebimento de horas extras.

Observação importante a ser feita aqui é que, para parcela da jurisprudência, o artigo 62, II, da CLT, seria inconstitucional, uma vez que o artigo 7º, XIII [8], da Lei Maior, dispõe que a duração do trabalho não poderá exceder o limite de 8 horas diárias e 44 semanais, não sendo crível excluir os empregados gestores, ainda mais pelo fato de acumularem mais atribuições laborativas e, consequentemente, mais responsabilidades profissionais [9].

Em arremate, para além da fidúcia especial e de amplos poderes de mando e gestão, a configuração do cargo de confiança pressupõe que haja contraprestação remuneratória diferenciada, com acréscimo mínimo de 40%, independentemente de haver na CTPS ou nos recibos de pagamento a clara e expressa indicação da denominada verba “gratificação de função”.

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[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jun-06/trabalho-externo-e-o-pagamento-de-horas-extras/. Acesso em 11.6.2024.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] CLT, Art. 62. (…). II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

[4] CLT, Art. 62. (…). Parágrafo único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).

[5] Curso de direito do trabalho. 6ª revista atualizada ampliada. Editora Juspodivm. 2021. Página 703/704.

[6]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1118&digitoTst=40&anoTst=2018&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0863&submit=Consultar. Acesso em 11.6.2024.

[7]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=10554&digitoTst=86&anoTst=2014&orgaoTst=5&tribunalTst=14&varaTst=0131&submit=Consultar. Acesso em 11.6.2024.

[8] CRFB, Art. 7º (…) XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

[9]Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/152250/2019_medeiros_alexandre_art62_clt.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Aceso em 11.6.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

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