Opinião

Desafios e perspectivas do seguro rural diante da catástrofe no RS

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10 de junho de 2024, 18h32

Nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul, potência nacional no setor do agronegócio, vem enfrentando os  problemas advindos das chuvas intensas na região. E, com milhares de pessoas desabrigadas, imóveis alagados e empreendimentos arruinados, o agronegócio gaúcho não saiu impune à catástrofe.

Emater/RS

Estima-se que o agro seja o setor mais afetado pelas chuvas do RS, seja pelo alagamento das áreas cultiváveis e pastáveis, seja pela dificuldade na distribuição dos produtos que dependem, essencialmente, das rodovias que foram duramente afetadas pela enchente.

Dentro desse contexto, surgem algumas medidas adotadas pelo poder público para mitigar os prejuízos dos produtores rurais, como é o exemplo da Resolução CMN nº  5.132/2024, do Conselho Monetário Nacional, publicada no dia 13 de maio.

O CMN, na prerrogativa dos artigos 4º, inciso VI, da Lei nº 4.595, de 1964, 4º e 14 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, e 5º e 6º da Lei nº 10.186, de 12 de fevereiro de 2001, autorizou as instituições financeiras a prorrogar — de forma automática — o vencimento das parcelas de principal e juros das operações de crédito rural que tenham vencimento  entre os dias 1º de maio/2024  e 14 de agosto/2024.

Todavia, apesar de aliviar temporariamente a situação dos produtores rurais, esse socorro estatal acaba não solucionando completamente o problema. São apenas remédios para o sintoma, enquanto a doença continua não sendo tratada.

É certo que eventos climáticos da magnitude como o Rio Grande do Sul está  vivenciando são imprevisíveis, mas será que não há qualquer meio de resguardar o produtor rural?

A partir dessa questão, surge a discussão acerca dos seguros rurais como medida de resguardo, notadamente  sobre seus custos e sua eficácia em situações de calamidade pública, como a enfrentada pelo estado gaúcho.

Uma discussão antiga para uma situação que permanece recente.

É dizer, apesar de muitas vezes se mostrarem eficazes contra as imprevisibilidades da natureza, os seguros rurais ainda estão distantes da realidade do produtor rural brasileiro, o que se dá, principalmente, pelo alto custo dos prêmios.

Spacca

Atualmente, segundo o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras, Dyogo Oliveira, menos de 10% da área plantada do Brasil está segurada. [1]

Esse problema é tão antigo que, ainda em 1966, por meio do artigo 16, do Decreto-Lei  nº 73, de 21 de novembro de 1966, foi criado o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural, que visa a garantir a estabilidade dessas operações e atender à cobertura suplementar dos riscos de catástrofe.

O FESR é constituído dos excedentes do máximo admissível tecnicamente como lucro nas operações de seguros de crédito rural, seus resseguros e suas retrocessões, segundo os limites fixados pelo CNSP (Conselho Nacional dos Seguros Privados) e por dotações orçamentárias anuais, durante dez anos, a partir do referido decreto-lei ou mediante o crédito especial necessário para cobrir a deficiência operacional do exercício anterior.

Isto é, ao fim e ao cabo, o FESR é constituído pelos depósitos realizados por seguradoras e resseguradoras e por crédito especial da União, quando a operação no ano civil anterior obteve lucros.

O ex-diretor do Departamento de Gestão de Risco Rural da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2008-2011), Wellington Soares de Almeida, ainda em 2011, sobre o FESR explicou:

Esse novo fundo já nasceu com vícios de origem que comprometeriam seu funcionamento: por ser um fundo de natureza orçamentária, muitas vezes seus recursos ficam indisponíveis, o que gera desconfiança nas seguradoras sobre a sua real capacidade de honrar o pagamento da parte dos sinistros que lhe cabe no momento em que é demandado. (ALMEIDA, 2011, p. 75)

Dito isso, pode-se ter uma noção do que ocorreu: o FESR nunca conseguiu entregar a estabilidade prometida ao mercado de seguro rural. [2]

Acesso ao seguro rural

Dessa forma, dado o alto custo e a relevância do seguro rural, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apresentou, ainda em 2003, o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que promoveria o acesso ao seguro rural.

Cuida-se de programa do governo federal, que concede valores ao produtor rural para viabilizar a contratação de uma apólice de seguro, sendo calculado a partir de um percentual do valor do prêmio e variando de acordo com a cultura.

Com o programa, muitos produtores, que antes não tinham condições de arcar com o seguro rural, passaram a conseguir  assumir os prêmios, mas, apesar da melhora, o PSR não detinha previsibilidade e seu orçamento não comportou a demanda do agronegócio brasileiro. [3]

Diante disso, em 2010, foi sancionada a Lei Complementar n.º 137/2010, que criou o Fundo de Catástrofe e excluiria o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural.

Nos termos da referida lei, a União ficaria autorizada a participar, na condição de cotista, de fundo que  tivesse por único objetivo a cobertura suplementar dos riscos do seguro rural nas modalidades agrícola, pecuária, aquícola e florestal.

A lei previu uma integralização de cotas pela União, em moeda corrente, até o limite definido na lei orçamentária e, em títulos públicos, até o limite de R$ 4 bilhões, sendo que até R$ 2 bilhões seriam por ocasião da adesão da União ao Fundo.

Ocorre que, hoje, passados 14 anos da sanção da lei, o Fundo de Catástrofe permanece no mundo das ideias, fazendo com que o PSR seja o único aliado dos produtores rurais para solucionar as imprevisibilidades inerentes à atividade do agronegócio.

E como anda o PSR hoje?

Segundo informações do Globo Rural, há uma preocupação com o declínio dos números do PSR nos últimos anos, uma vez que, enquanto no ano de 2021 havia 14 milhões de hectares segurados, esse número, em 2023, caiu para 6,3 milhões. [4]

Ainda, segundo informações da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), no ano passado, os recursos do PSR se encerraram em setembro, de modo que parte dos produtores foram obrigados a passar a safra de 2023/2024 sem o programa, o que impactou negativamente  a contratação dos seguros. [5]

Desse modo, diante das dificuldades enfrentadas pelo agronegócio gaúcho devido às chuvas intensas e às limitações dos programas de seguro rural, como o PSR, é evidente a necessidade de revisão e aprimoramento das políticas públicas para garantir a segurança financeira dos produtores rurais diante de eventos climáticos extremos.

A eficácia do Fundo de Catástrofe ainda é uma incógnita, enquanto o PSR enfrenta desafios de financiamento e queda na cobertura. Urge, portanto, um esforço conjunto entre governo, seguradoras e produtores para desenvolver soluções mais robustas e acessíveis que possam proteger de forma eficaz o setor agrícola brasileiro contra os imprevistos do clima.

 


[1] https://portal.datagro.com/pt/15/agribusiness/748996/cnseg-alerta-que-apenas-10-da-area-plantada-tem-seguro-no-brasil

[2] ALMEIDA, Welington Soares de. Evolução e desafio para o desenvolvimento do seguro rural no Brasil: o ponto de vista do setor público. In Gestão do risco e seguro na agricultura brasileira / Organização de Antônio Márcio Buainain, Pedro Abel Vieira, Wady José Mourão Cury. — Rio de Janeiro : Funenseg, 2011.

[3] HARFUCH, Leila; DANTAS LOBO, Gustavo. Seguro Rural como ferramenta de gestão da propriedade Rural. Revista Agroanalysis v. 41 n. 6 (2021): junho; pp. 25-27

[4] https://globorural.globo.com/negocios/noticia/2024/04/comite-aprova-distribuicao-de-r-9475-milhoes-para-seguro-rural-em-2024.ghtml

[5] https://www.cnabrasil.org.br/noticias/sem-subvencao-agricultor-abre-mao-do-seguro-rural

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