SOLUÇÕES PARA A VIOLÊNCIA

Na segurança pública, governo precisa focar suas ações no combate à lavagem de dinheiro

 

8 de junho de 2024, 15h51

A segurança pública e a economia vivem um círculo vicioso em que a degradação econômica alimenta a violência, e a violência degrada a economia. Diante disso, é preciso focar as ações governamentais no combate à lavagem de dinheiro — algo que requer investimento em inteligência e coordenação, pela União, dos diversos sistemas estaduais de informações.

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Segurança pública foi o tema de um dos debates do Fórum Esfera Brasil

As soluções para a segurança pública foram discutidas em um dos painéis do Fórum Esfera Brasil, no Guarujá (SP), neste sábado (8/6). O debate teve a participação do secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo; do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro; do governador de Goiás, Ronaldo Caiado; do presidente da Central Única das Favelas (Cufa), Preto Zezé; e do advogado e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini.

Primeiro a falar, Bottini discorreu sobre a relação entre a segurança pública e a questão econômica. Citando dados de um estudo elaborado pelo Grupo Esfera, Bottini disse que 4% do PIB do país sofre os efeitos dos problemas de segurança.

“Se somarmos os gastos com segurança privada e seguros, chegamos a algo em torno de R$ 170 bilhões. Então, além de afetar o cotidiano das pessoas, a segurança pública também afeta a economia. Por conta disso, nós fizemos um convênio com o Fórum Nacional de Segurança Pública para levantar dados a respeito do tamanho do problema e para apresentar propostas de solução, em parceria com o Ministério da Justiça.”

Bottini também apresentou números gerais sobre a área. Segundo ele, há 72 facções criminosas espalhadas por todo o território brasileiro. Nesse contexto, o estudo detectou que, além de atuarem no crime tradicional — como o tráfico de drogas e o contrabando —, essas facções já operam com extração de madeira ilegal e nos ramos imobiliário, de venda de gás e fornecimento de energia elétrica.

“Estão até disputando licitações, como aconteceu em São Paulo. Então, temos um problema muito grave. Os números são bastante relevantes, e o estudo mostra que a forma de enfrentar isso é saindo do lugar comum da repressão. É preciso focar no combate à lavagem de dinheiro e gerenciar esses recursos”, disse Bottini.

Em sua avaliação, falta um marco constitucional que dê à União poderes para organizar as informações a respeito da criminalidade.

“Se perguntarmos qual é o número de homicídios, de feminicídios, de tráfico de drogas ou de balística nacional, não vamos achar esses dados. Estamos combatendo uma criminalidade internacionalmente organizada com um sistema de informações que cada estado detém, mas que a União não consegue organizar. Há uma falta de inteligência, e só conseguiremos resolver isso se tivermos uma reforma constitucional nesse sentido.”

Compromisso civilizatório

Falando como representante da sociedade civil, Preto Zezé disse que não acredita que exista um arcabouço de segurança pública no Brasil. Para ele, após a redemocratização do país, a sociedade obteve avanços notáveis com a criação, por exemplo, do Sistema Único de Saúde (SUS). Na segurança, porém, essas conquistas não ocorreram.

“A política de segurança pública, de todas as posições políticas, da direita à esquerda, se resumiu a munição, efetivo, viatura e prisões. E agora isso chegou ao limite. Nós temos a terceira maior população carcerária do mundo.”

Diante disso, continuou ele, é preciso que as autoridades assumam o compromisso civilizatório de dizer para a sociedade que a adoção de uma lógica meramente punitivista não funciona.

“Os governadores estão pagando caríssimo para encarcerar jovens que sairão como líderes de organizações criminosas. Nós temos gastado mais dinheiro para prender jovens do que para financiar o Fundeb”, disse o líder comunitário. “Se a polícia é a que mais mata, ela é também a que mais morre. Não tem ninguém ganhando essa guerra.”

Segurança em Goiás

Em sua fala, o governador Ronaldo Caiado exaltou a política de segurança de Goiás. Segundo ele, se hoje as pessoas vivem em paz no estado, transitando todos os dias, em qualquer área, “sem ter um metro quadrado dominado por bandido”, isso se deve à ação repressiva da polícia.

“Não pode prender? Ah, então deixa o bandido na rua. É isso que resolve”, ironizou o governador. Para ele, na prática, a polícia é desafiada pelo crime. No caso de Goiás, porém, ela está preparada para salvar a população. “Vá para Goiás para ver como é que se tem controle total (da segurança)”, provocou.

Segundo Caiado, as facções — que antes davam preferência ao tráfico — já se especializaram e hoje atuam como se fossem empresas, chegando a comprar postos de gasolina fazendo ameaças aos donos dos estabelecimentos. Além disso, elas também entraram no ramo de coleta de lixo e de organizações sociais da área de saúde, de acordo com o governador.

“Essa é a realidade. Ou temos coragem de enfrentar essa situação, ou vamos virar uma Venezuela, uma Colômbia, uma Bolívia. Eles (os criminosos) já estão no comando desses países.”

Leis desatualizadas

Segundo o governador do Rio, Cláudio Castro, o Brasil não tem uma legislação capaz de dar conta do problema da segurança pública.

“O Código Penal é de 1940 e o Código de Processo Penal é de 1941”, observou Castro. “Nós estamos muito longe de ter uma legislação coerente com o tempo que estamos vivendo. A desatualização é incrível.”

Ele afirmou que as polícias em geral estão sucateadas em uma época em que o uso das ferramentas tecnológicas é fator fundamental para a redução dos números da violência.

“O Rio de Janeiro, que por muitos anos foi um expoente da violência, tem reduzido sensivelmente a letalidade. Como? Utilizando tecnologia, colocando as câmeras corporais não para punir os policiais, mas para a segurança deles”, disse o governador, para quem o crime organizado hoje precisa ser entendido como “business”.

Por fim, Castro culpou a União por, ao longo do tempo, ter se afastado dos estados em matéria de segurança pública.

Círculo vicioso

Mário Sarrubbo, por sua vez, disse que o Ministério da Justiça parte de uma premissa segundo a qual a segurança é uma questão, em primeiro lugar, de direitos fundamentais. Por outro lado, ele reconhece que o problema da violência também passa pelo aspecto econômico.

“A segurança pública e a economia estão num círculo vicioso. A degradação econômica alimenta a violência, e a violência degrada a economia. A nossa missão é quebrar esse círculo. Mas é uma missão muito difícil”, disse Sarrubbo.

Na visão do secretário, o pacto federativo fragmenta as ações da segurança pública.

“Nós temos os municípios com as Guardas Civis. Os estados, com as suas Polícias Civis e Militares. E a União com as suas polícias (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, polícias penais e assim por diante). Mas esses órgãos têm conversado muito pouco.”

Em contrapartida, prosseguiu Sarrubbo, o crime organizado vai se adaptando às novas realidades. Assim, grupos que se organizaram nas penitenciárias hoje investem no mercado financeiro e nas concessões de serviços públicos, por exemplo.

“Nós precisamos reagir. E o papel do governo federal nesse contexto é o de articulação. Em primeiro lugar há um papel de criar diretrizes gerais para poder influenciar ainda mais. Se a nossa segurança pública ficar seccionada, o Brasil fica disfuncional nesse quesito”, disse Sarrubbo.

Estudo do IDP

Antes do painel, a gerente de graduação do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Lahis Rosa, apresentou a prévia de um estudo que analisou os planos de segurança “Cali Seguro” e “Cali Inteligente”, implantados na cidade de Cali, na Colômbia.

Segundo Rosa, a pesquisa aponta as relações entre segurança e economia e a importância das busca por soluções inovadoras como forma de transformar as cidades.

“O estudo também mostra que Cali foi inteligente ao promover uma parceria entre a sociedade e o mercado”, acrescentou a pesquisadora. Segundo ela, o estudo será lançado no próximo dia 25, durante o seminário que o IDP promoverá em Lisboa.

 

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