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Consultor Jurídico

STF cancela repercussão geral de caso sobre uso de banheiro por pessoas trans

6 de junho de 2024, 19h57

Por Tiago Angelo

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O Supremo Tribunal Federal não pode intuir uma questão constitucional que não tenha sido pré-questionada, sob pena de violar a lei processual e o princípio da inércia da jurisdição.

Prevaleceu no julgamento a divergência aberta pelo ministro Luiz Fux

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF voltou atrás e cancelou nesta quinta-feira (6/6) a decisão anterior que havia reconhecido a repercussão geral de um julgamento sobre o uso de banheiro por pessoas transexuais. A corte negou seguimento ao recurso.

O caso, que estava sem movimentação desde 2015, quando o ministro Luiz Fux pediu vista, é o de uma pessoa transexual que foi impedida de utilizar o banheiro feminino de um shopping center de Santa Catarina.

Em 2014, a corte reconheceu a repercussão geral da matéria (Tema 778) para decidir se pessoa transexual tem o direito de “ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente”.

Em novembro de 2015, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, votou por fixar a tese de que pessoas trans “têm direito a serem tratadas socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”. Ele foi acompanhado pelo ministro Edson Fachin. Na sequência, Fux pediu vista, paralisando o julgamento.

O caso foi retomado nesta quinta com o voto-vista de Fux, segundo o qual não há questão constitucional no caso analisado, mas uma questão fática sobre danos morais.

Fux foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. A ministra Cármen Lúcia acompanhou Barroso.

Voto vencedor

Segundo Fux, o Regimento Interno do STF, em seu artigo 323-B, permite a revisão de decisão que reconheceu repercussão geral. O texto diz que o relator poderá propor, por meio virtual, a revisão do reconhecimento quando o mérito ainda não tiver sido julgado.

Para o ministro, não há questão constitucional no caso que chegou ao Supremo. “Não cabe ao STF analisar uma questão fática. Qual foi o fundamento do acórdão? O TJ-SC assentou não haver qualquer prova de que a abordagem havida se deu de modo rude ou impulsionada por preconceito ou transfobia. Onde está a questão constitucional neste caso?”, questionou.

Para ele, a discussão jurídica se resumiu à incidência ou não de danos morais em favor de pessoa trans que teria sido impedida de usar o banheiro correspondente à sua identidade de gênero.

“A relevância social da discussão, por si só, não pode conduzir ao abandono dos limites impostos pela sistemática processual. Para que o sistema de Justiça possa ser aprimorado, é preciso que essa corte preserve na análise da sua competência recursal as competências atribuídas pela Constituição aos demais órgãos do Poder Judiciário nacional e aos demais poderes da Pepública.”

Formada a maioria, Barroso pediu a palavra para registrar sua “inquietação” quanto à decisão. Segundo ele, o que é importante no reconhecimento da repercussão geral é se o fato tem natureza constitucional.

“A discriminação contra uma pessoa transexual é evidentemente um fato constitucional. Aliás, é um fato inconstitucional. E, portanto, não é a caracterização jurídica feita na inicial, mas a dimensão constitucional da situação discutida que faz a diferença. É isso o que ensinam os livros”, disse o presidente da corte.

Voto relator

Em seu voto, apresentado na sessão de 13 de novembro de 2015, Barroso disse que pessoas transexuais compõem uma minoria marginalizada. Ele afirmou que o remédio contra a discriminação envolve “uma transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença, onde a assimilação aos padrões culturais dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago para ser respeitado”.

“Destratar uma pessoa por ser transexual — destratá-la por uma condição inata — é a mesma coisa que a discriminação de alguém por ser negro, judeu, mulher, índio ou gay. É simplesmente injusto, quando não manifestamente perverso”, declarou Barroso no voto.

O ministro votou a favor da indenização ao autor da ação, entendendo que o Supremo deve sempre zelar pelo respeito aos direitos fundamentais. No caso, pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

“A democracia não é apenas a circunstância formal do governo da maioria. Ela tem também uma dimensão substantiva que envolve a proteção dos direitos fundamentais de todos, inclusive e sobretudo das minorias.”

O ministro propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “As pessoas transexuais têm direito a serem tratadas socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso público”.

O caso

Em Santa Catarina, uma pessoa transexual foi impedida pela segurança de usar o banheiro feminino de um shopping da capital, Florianópolis. Ela pediu indenização ao estabelecimento, pois acabou fazendo suas necessidades fisiológicas na própria roupa por não poder ir ao banheiro, e teve de voltar para casa de ônibus com as roupas sujas.

A Justiça de primeira instância já havia determinado que o shopping center pagasse indenização de R$ 15 mil à vítima, por dano moral. Contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina rejeitou a indenização, entendendo que não houve dano moral, mas “mero dissabor”.

O caso chegou ao Supremo e teve a repercussão geral conhecida, ficando vencidos, nesse aspecto, os ministros Marco Aurélio (hoje aposentado) e Teori Zavascki (morto em 2017). Na ocasião, Fux votou pela repercussão geral.

RE 845.779