Opinião

Processo estrutural como instrumento prospectivo para reconstrução do RS

Autor

  • Leonardo Fortes

    é graduado em Direito Pela Universidade Federal do Paraná pós-graduando em Processo Civil membro efetivo das comissões de Arbitragem e de Precatórios da OAB-PR e advogado.

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1 de junho de 2024, 13h24

Proveniente do conceito norte americano de “structural injunction[1], que emerge como instrumento processual apto a tutelar direitos materiais de maneira mais eficaz e prospectiva, o processo estrutural tem ganhado força dentro do cenário jurídico brasileiro.

Concresul

Nas palavras de Edilson Vitorelli [2], processo estrutural é um processo coletivo no qual se pretende, pela atuação jurisdicional, a reorganização de uma estrutura burocrática, pública ou privada, que causa, fomenta ou viabiliza a ocorrência de violação de direitos pelo modo como funciona.

Assim, em razão da impossibilidade de se analisar holisticamente os problemas complexos, se faz necessária a utilização de ferramentas não convencionais, flexíveis e multipolares, aptas a extinguir a fonte danosa.

À luz da instrumentalidade do processo, o Código de Processo Civil de 2015 preconizou a maleabilidade procedimental, permitindo a abertura de técnicas e meios passíveis de utilização para que a atividade jurisdicional se adeque à realidade, aperfeiçoando assim sua atuação.

Em razão disso, a doutrina e a jurisprudência têm aceitado progressivamente a utilização de técnicas inerentes ao processo estrutural, ao ponto de o Superior Tribunal Federal, por meio do Tema 698, expressamente defender a utilização do referido instituto para balizar decisões de alta complexidade.

De mesma forma, depreende-se do Ato presidencial nº 3/2024 [3], que houve a instituição de uma comissão de juristas responsáveis pela elaboração de um anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil.

Embora a referida área de estudo não seja exclusiva de problemas públicos, na medida em que também pode incitar a reorganização de estruturas privadas, por meio de programas de compliance e antitruste, o presente artigo restringirá sua análise à atuação em ações coletivas que envolvam agentes públicos.

Direitos fundamentais

Conforme cediço, para que haja correção de distorções sociais e proteção de direitos fundamentais constantemente ameaçados, se faz necessário um monitoramento contínuo e estratégico, muitas vezes não realizado pelo poder público.

Em razão disso, quando ocorre a inobservância de determinado direito fundamental por parte de ente federativo, tem-se o ajuizamento exaustivo de ações individuais, normalmente até que culmine em uma ação civil pública ou ordinária coletiva.

Justamente nesse ponto que se faz pertinente mencionar a estrutura do processo estrutural como ferramenta útil a remediar e solucionar um estado de desconformidade.

Segundo Sérgio Arenhart [4], o processo estrutural pode ser reconhecido, na prática, pela adoção de uma série de medidas. Inicialmente, tem-se o reconhecimento do estado de desconformidade estrutural, com busca ulterior por um modelo de transição para um estado ideal de coisas (reestruturação).

À medida que se busca a instrumentalização provisória, adota-se um modelo bifásico, que inclui o reconhecimento e a definição do problema estrutural, ao mesmo tempo em que se estabelece um programa caracterizado pela flexibilidade intrínseca, envolvendo a intervenção de terceiros e a implementação de medidas executivas casuísticas.

De mesma forma, destaca-se que o processo estrutural possui forte influência da consensualidade, principalmente no processo de adaptação, visto que geralmente a tutela de direito não é o objeto do litígio, mas sim o meio pelo qual será concedida.

Assim, a cláusula geral de negócio jurídico processual atípica do artigo 190 do CPC é de extrema importância para o desenvolvimento do processo estrutural.

Em se tratando de instrumento hábil a remediar demandas complexas, torna-se inviável a fixação de premissas gerais ou de soluções pré-estabelecidas a serem seguidas; o que se busca pelo processo estrutural é realização de decisões prospectivas e multipolares, que  visem solucionar a origem da desconformidade e não a mera profilaxia consequencial.

Embora a multipolaridade seja característica típica do processo estrutural, infelizmente não é essencial [5], visto que a participação de opiniões antagônicas e de diversos grupos sociais é importante, mas não imprescindível à concessão da tutela pretendida.

Com base no exposto, e tendo em vista a concepção de Edilson Vitorillelli, de que os litígios estruturais se enquadram na categoria de litígios irradiados, em que há um “vasto grupo de pessoas afetadas de modos distintos pela controvérsia, com visões diferentes sobre como ela deveria terminar, e por isso mesmo, com interesses diversos, a serem representados no processo”[6], adentra-se a utilização do processo estrutural como ferramenta a ser utilizada nos processos judiciais decorrentes das tragédias do Rio Grande do Sul.

Assim como outras calamidades ocasionadas por fenômenos naturais, os tristes acontecimentos do Rio Grande do Sul demandarão forte atuação do poder judiciário, seja pela eventual concessão de indenizações, seja pelo processo prospectivo de reestruturação das áreas afetadas.

Por se tratar de fato recente, de alta complexidade e de inviável aferição, infere-se que os métodos convencionais não se demonstram suficientes a solucionar um problema de tamanha dimensão, razão pela qual as técnicas do processo estrutural se demonstram adequadas.

Nesse sentido, tem-se que o processo estrutural pode ser utilizado para reunir todas as partes interessadas, incluindo os indivíduos afetados, autoridades governamentais, especialistas técnicos e organizações da sociedade civil, a fim de colaborar na formulação de soluções abrangentes e sustentáveis.

Isso pode envolver a implementação de programas de reconstrução, medidas de mitigação de riscos, políticas de desenvolvimento urbano sustentável e outras iniciativas destinadas a promover resiliência e segurança às comunidades afetadas.

Enfim, o poder judiciário deverá atuar buscando um estado ideal de coisas, buscando, enquanto remedia, soluções sistêmicas para a origem do problema.

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[1] ARENHART, Sérgio Cruz, Gustavo OSNA, and Marco Félix JOBIM. “Curso de processo estrutural.” São Paulo: Thompson Reuters Brasil (2021).

[2] https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=2225

[3] aqui

[4] Arenhart, Sérgio Cruz. “Processos estruturais no direito brasileiro: reflexões a partir do caso da ACP do carvão.” Justicia colectiva en Iberoamérica. La Ley (Uruguay), 2019.

[5] TEMER, Sofia Orberg. Participação no processo judicial: arranjos subjetivos e modalidades de atuação. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2020, p. 168

[6] VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 536

Autores

  • é graduado em Direito Pela Universidade Federal do Paraná, pós-graduando em Processo Civil, membro efetivo das comissões de Arbitragem e de Precatórios da OAB-PR e advogado.

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