Anulação de testamento: prazos e demais observações
1 de junho de 2024, 17h24
O testamento como manifestação de vontade intervivos daquele que dispõe de seus bens ou parte deles tem sido, em alguns casos, alvo de irresignações de herdeiros, se sentindo preteridos pelo testador ou até mesmo prejudicados após a morte do mesmo. Ao se depararem com um testamento dispondo em favor de uma determinada pessoa parte da herança, procuram anular o ato de disposição de última vontade mediante uma ação judicial com essa finalidade.
No caso do testamento público — aquele lavrado por tabelião e sob uma liturgia determinada pelo artigo 215 do Código Civil —, que possui regramento próprio e, por ser um instrumento lavrado sob o manto da publicidade e por um tabelião, ao qual se conferiu fé pública decorrente da vetorização do artigo 236 da Constituição e assentada na Lei dos Notários (Lei nº 8.935/94), é revestido de presunção juris tantum, de modo que, em regra, o disposto no mesmo traduz a vontade daquele que dispôs de seus bens para depois de sua morte para determinada pessoa.
O Superior Tribunal de Justiça tem mitigado o rigor formal do testamento, a ponto de o ministro Marco Aurélio Belizze, nos EAREsp 365.011 (em que foi relator) ter se posicionado do seguinte modo: “A propósito, nessa linha de entendimento, em caso quase idêntico ao presente, a Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.419.726/SC, concluiu pela validade do testamento público, mesmo diante da existência de vício formal concernente à ausência de testemunhas instrumentárias no ato de lavratura, tendo em vista a inequívoca manifestação de vontade do testador”.
O Código Civil, a seu turno, enumera no artigo 1.899, in verbis:
Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.
Contudo, por ser uma manifestação de vontade, está sujeita a certos requisitos para sua validade, tais quais: capacidade do testador, manifestação de vontade sem vícios, formalidade do testamento, respeito à legitimidade dos herdeiros necessários, etc., possuindo fé e eficácia, contudo podendo ser objeto de ação própria para sua anulação em situações pontuais e que, ao certo, haverão de serem comprovadas para retirar a eficácia da manifestação de vontade do testador.
Sem embargos de opiniões contrárias, uma vez intentada a ação de anulação de testamento pelos herdeiros ou quem tenha legitimidade, a questão que se avulta de grande relevo é saber qual a causa de pedir, ou seja, se o pedido de anulação terá por base vícios na formalidade do ato — instrumento do testamento propriamente dito — ou, se sobre falta de discernimento do testador, ou ainda, se se fundamenta sobre vícios do consentimento como erro, dolo ou coação.
Muito embora parecidos, não há que se confundir vícios da formalidade do ato do testamento, na sua instrumentalização, com vícios de consentimento, já que, àquele diz respeito a sua confecção, ao cumprimento das exigências legais e formais para que o ato de testar seja hígido e eficaz; ao passo que este, está relacionado aos vícios na vontade exteriorizada pelo testador que, no momento da formação do testamento, encontrava-se impossibilidade de externar livremente.
É de bom alvitre buscar no Código Civil a regra insculpida nos artigos 1.859 e 1.909, in fine:
Art. 1.909. São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação.
Parágrafo único. Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício. (Grifamos e destacamos).
Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro. (Grifos e destaques nossos).
Pois bem, como mencionado algures, são regras parecidas e que devem ser interpretadas conjuntamente, contudo, relacionadas a fatos diversos.
Abertura de inventário
Para se propor a abertura de um inventário com lastro e fundamento num testamento, deve-se atentar que há um procedimento preparatório de jurisdição voluntário que é preambular ao inventário. E é necessário para que se reconheça sua higidez (testamento), que o mesmo tenha seguido as regras legais e formais para sua instrumentalização — à guise de exemplo, seguir os caminhos da lavratura do ato público, a teor da regra do artigo 215 do Código Civil.
Deste modo, cabe à parte beneficiária do testamento requerer que seja o mesmo cumprido via ação de abertura, registro e cumprimento de testamento, conforme preceitua o artigo 735, § 2.º do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 736. Qualquer interessado, exibindo o traslado ou a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 735 .
Art. 735. […].
§ 2º Depois de ouvido o Ministério Público, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento.
§ 3º Feito o registro, será intimado o testamenteiro para assinar o termo da testamentária. (Os grifos e destaques dos textos acima são nossos).
A vista disso, como procedimento preambular ao inventário com base no testamento, ouvido o Ministério Público e, não havendo dúvidas, nem algum vício de ordem formal no documento instrumentalizado (testamento), o juiz determinará o seu cumprimento, registrando-o, portanto.
Muito embora não seja expresso nos citados artigos acima destacados, aplica-se a todos os tipos de testamento o rito do pedido preambular de jurisdição voluntária relativo à abertura, cumprimento e registro de testamento.
Tendo dito isto, nasce então a aplicabilidade das regras dos citados artigos (1.859 e 1.909) do Código Civil no que tange a questão do prazo prescricional que os herdeiros ou legitimados a herdar possuem para ingressar com a respectiva ação de anulação do testamento.
Assim, qual o caminho a ser trilhado? Qual a causa de pedir? Seria a causa de pedir o vício formal na instrumentalização do testamento ou o vício em seu consentimento, tal qual erro, dolo e coação?
Diante destes questionamentos, não olvidar que, caso se tenha em mente que o pedido a ser formulado seja relativo à formalização do ato, de sua instrumentalização, a verificação de sua higidez relacionado aos requisitos extrínsecos da vontade, da liturgia da confecção do instrumento de disposição de última vontade, o prazo prescricional é de cinco anos a contar do registro do testamento, de modo que, enquanto não ocorrer o ato de registro, o prazo prescricional não se inicia, já que, a toda prova, possui como dies a quo o ato registral, que é reconhecido mediante ação de jurisdição voluntária, com a participação do Ministério Público, cujo rito é determinado pelo citado artigo 736 do Código de Processo Civil.
Lado outro, diferentemente da regra do artigo 1.859 do Código Civil, a causa de pedir na ação que tenha como fundamento a anulação do testamento por vício de consentimento, tal qual erro, dolo e coação, possui prazo prescricional de quatro anos e, nesse caso, o prazo começa fluir a partir de quando o interessado tiver conhecimento do vício.
Vale ressaltar, ainda, que contra os absolutamente incapazes não correm os prazos prescricionais, iniciando, nestes casos, a contagem dos prazos a partir da cessação da incapacidade (artigo 198, I, c/c artigo 3º, I do CC).
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