Opinião

Multipropriedade imobiliária à luz da Lei nº 13.777/2018

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30 de julho de 2024, 15h24

A multipropriedade imobiliária é um regime de propriedade que permite a vários indivíduos possuírem um mesmo bem imóvel, usufruindo-o em períodos diferentes do ano. Esse sistema é regulamentado pela Lei nº 13.777/2018, que alterou o Código Civil e a Lei de Registros Públicos para incluir disposições específicas sobre a multipropriedade.

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Pois bem, também conhecida como “time-sharing“, a multipropriedade é um conceito relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, mas já amplamente utilizado em outros países. A Lei nº 13.777/2018 representa um marco regulatório que traz segurança jurídica tanto para os consumidores quanto para os empreendedores do setor imobiliário, especialmente no  mundo da modernidade liquida, o qual é marcado pela liquidez e volatidade. Mundo este que tudo fluí mais rapidamente e que as barreiras físicas já foram sobrepostas , como diria o filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman.

Este artigo busca analisar as principais disposições dessa lei, suas implicações práticas e a forma como ela se integra ao sistema jurídico brasileiro, com base na visão de doutrinadores renomados como Flávio Tartuce, Luiz Scavone Junior e Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.

De acordo com a Lei nº 13.777/2018, a multipropriedade é caracterizada pela divisão de uma unidade imobiliária em várias frações de tempo, cada uma delas correspondente a um período no qual o multiproprietário pode utilizar, com exclusividade, o imóvel. Essa propriedade é perpétua, indivisível e passível de alienação e oneração.

Cada fração de tempo representa um período fixo ou flutuante, determinado em dias, semanas ou meses. Esse sistema permite a otimização do uso do imóvel, especialmente em localidades turísticas, onde a demanda por hospedagem é sazonal.

Nesse sentido, para que seja possível manter uma harmonia entre os multiproprietários, esses têm direitos e deveres proporcionais à sua fração de tempo. Eles podem utilizar o imóvel durante o período a que têm direito, além de alienar ou onerar sua fração. Contudo, são obrigados a contribuir para as despesas de manutenção e administração do imóvel.

Segundo Flávio Tartuce, a multipropriedade representa uma inovação importante no direito brasileiro, pois oferece uma solução prática e econômica para a posse de imóveis em regiões de alta demanda turística, democratizando o acesso à propriedade imobiliária (Tartuce, 2020) [1].

A Lei nº 13.777/2018 trouxe mudanças significativas na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), estabelecendo a necessidade de registro específico para a multipropriedade, a qual deve ser instituída por meio de escritura pública ou instrumento particular, que deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. O registro deve conter, entre outros dados, a identificação do imóvel, a descrição das frações de tempo, os direitos e deveres dos multiproprietários, e o regulamento de uso do imóvel.

Outrossim, cada fração de tempo deve ter matrícula própria, permitindo sua individualização para fins de alienação, oneração e registro de direitos reais. Isso facilita a administração da multipropriedade e a proteção dos direitos dos multiproprietários.

Luiz Scavone Junior destaca que a individualização das frações de tempo mediante matrícula própria traz maior segurança jurídica aos envolvidos, facilitando a transação e a gestão das unidades imobiliárias em multipropriedade (Scavone Junior, 2019) [2].

A administração do imóvel em multipropriedade pode ser feita pelos próprios multiproprietários ou por uma administradora contratada. A Lei nº 13.777/2018 prevê que o regulamento da multipropriedade deve especificar as regras de administração, uso e manutenção do imóvel.

Ressalte-se ainda que necessária se faz a realização da assembleia de multiproprietários, a qual é o órgão deliberativo que decide sobre as questões relacionadas à administração do imóvel. As decisões são tomadas por maioria, sendo cada multiproprietário detentor de votos proporcionais à sua fração de tempo.

Os multiproprietários podem, outrossim, optar por contratar uma administradora profissional para gerir o imóvel. Nesse caso, o contrato deve especificar as responsabilidades da administradora, bem como os critérios de remuneração e prestação de contas.

A multipropriedade imobiliária oferece diversas vantagens econômicas e sociais, tanto para os proprietários quanto para o mercado imobiliário e o turismo.

Um dos principais benefícios da multipropriedade é a democratização do acesso à propriedade imobiliária. Por meio desse sistema, indivíduos que não teriam condições de adquirir um imóvel integral podem ter acesso a uma fração de tempo, tornando a posse imobiliária mais acessível.

Nesse contexto fica evidente o significativo impacto no turismo, especialmente em áreas com grande apelo turístico. A possibilidade de uso rotativo do imóvel atrai turistas durante todo o ano, promovendo o desenvolvimento econômico local e a geração de empregos.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ressaltam que a multipropriedade tem um papel fundamental na promoção do turismo sustentável, ao permitir uma ocupação contínua e planejada dos imóveis em destinos turísticos, contribuindo para a economia local sem sobrecarregar os recursos naturais e infraestruturais (Farias; Rosenvald, 2018) [3].

No entanto, apesar das vantagens, a multipropriedade apresenta desafios que devem ser considerados, especialmente no que diz respeito à convivência entre os multiproprietários e à gestão do imóvel, uma vez que como preconizava o filósofo Thomas Hobbes, “O homem é o Lobo do Homem” a convivência entre multiproprietários pode gerar conflitos, especialmente em relação ao uso do imóvel e às contribuições para as despesas comuns. O regulamento da multipropriedade deve prever mecanismos de resolução de conflitos, como a mediação e a arbitragem.

Em outra análise, a multipropriedade também levanta questões fiscais e tributárias. Cada fração de tempo é considerada uma unidade autônoma para fins de tributação, o que pode complicar a gestão fiscal do imóvel. Além disso, os multiproprietários devem estar atentos às obrigações tributárias decorrentes da alienação e oneração de suas frações de tempo.

A Lei nº 13.777/2018 representa um avanço significativo na regulamentação da multipropriedade imobiliária no Brasil, trazendo segurança jurídica e clareza sobre os direitos e deveres dos multiproprietários. Contudo, é essencial que os envolvidos estejam cientes dos desafios e responsabilidades associados a esse regime de propriedade. A gestão eficiente e a convivência harmoniosa entre os multiproprietários são fundamentais para o sucesso da multipropriedade.

Em última análise, a multipropriedade imobiliária é uma solução inovadora que pode beneficiar tanto os proprietários quanto o mercado imobiliário, promovendo a acessibilidade à propriedade e o desenvolvimento econômico em áreas turísticas. A adequada implementação e gestão desse sistema são essenciais para maximizar seus benefícios e minimizar os potenciais conflitos e desafios.

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Referências

  1. Flávio Tartuce, “Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral”, 17ª ed., Editora Método, 2020.
  2. Luiz Scavone Junior, “Multipropriedade Imobiliária: Aspectos Jurídicos e Práticos”, 1ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2019.
  3. Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald, “Direito Civil: Teoria Geral”, 13ª ed., Editora JusPodivm, 2018.
  4. Lei nº 13.777, de 20 de dezembro de 2018. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para dispor sobre o regime jurídico da multipropriedade e seu registro.
  5. Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
  6. Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
  7. G1. Multipropriedade: um mercado em crescimento no Brasil. Disponível em: https://g1.globo.com. Acesso em: 20 jul. 2024.

[1]Flávio Tartuce, “Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral”, 17ª ed., Editora Método, 2020.

[2] Luiz Scavone Junior, “Multipropriedade Imobiliária: Aspectos Jurídicos e Práticos”, 1ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2019.

[3] Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald, “Direito Civil: Teoria Geral”, 13ª ed., Editora JusPodivm, 2018.

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