Opinião

Hipotecas dos direitos expectativos do devedor fiduciante

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29 de julho de 2024, 19h42

A crescente complexidade das relações econômicas e a necessidade de maximizar a segurança nas operações financeiras têm impulsionado o desenvolvimento de novas formas de garantias reais. Neste contexto, a hipoteca dos direitos expectativos do devedor fiduciante emerge como uma ferramenta inovadora para a maximização das garantias sobre imóveis. Este artigo busca analisar essa figura jurídica, destacando suas características, aplicações práticas e implicações legais.

Conceito e natureza jurídica

Direitos expectativos do devedor fiduciante

Os direitos expectativos do devedor fiduciante referem-se aos direitos futuros que o devedor possui sobre o bem imóvel enquanto perdurar a relação fiduciária. Esses direitos decorrem do contrato de alienação fiduciária em garantia, onde o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel do bem, mantendo a posse direta e a expectativa de recuperar a propriedade plena após o cumprimento da obrigação garantida.

Hipoteca como garantia real

A hipoteca é uma garantia real que recai sobre bens imóveis, conferindo ao credor o direito de excutir o bem dado em garantia para satisfazer seu crédito em caso de inadimplemento do devedor. Segundo Maria Helena Diniz, “a hipoteca é um direito real de garantia que grava um bem imóvel, conferindo ao credor hipotecário o poder de promover a venda judicial do bem para satisfazer seu crédito” (DINIZ, 2019) [1].

Hipoteca dos direitos expectativos

A hipoteca dos direitos expectativos do devedor fiduciante é uma modalidade de garantia real que incide sobre os direitos futuros do devedor fiduciário em relação ao imóvel objeto de alienação fiduciária. Esta figura visa ampliar as possibilidades de garantia, permitindo que o devedor fiduciário utilize seus direitos expectativos como forma de assegurar outras obrigações.

Fundamentação legal e doutrinária

Código Civil e Lei de Registros Públicos

A legislação brasileira permite a constituição de hipotecas sobre direitos reais e direitos de garantia. O Código Civil, em seu artigo 1.419, admite a hipoteca de direitos, desde que suscetíveis de cessão. A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) também estabelece procedimentos para o registro de hipotecas sobre direitos, proporcionando segurança jurídica às partes envolvidas.

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Análise de doutrinadores

Flávio Tartuce observa que a hipoteca dos direitos expectativos do devedor fiduciante representa uma evolução no campo das garantias reais, ampliando o leque de possibilidades para a concessão de crédito com maior segurança (Tartuce, 2020) [2].

Nelson Rosenvald complementa que essa modalidade de hipoteca traz benefícios significativos para o mercado financeiro, ao permitir que os direitos futuros do devedor sejam utilizados como garantia, aumentando a liquidez dos ativos (Rosenvald, 2018)[3].

Aplicações práticas

Mercado imobiliário

No mercado imobiliário, a hipoteca dos direitos expectativos pode ser utilizada para facilitar o financiamento de empreendimentos imobiliários. Por exemplo, um incorporador pode ceder em hipoteca os direitos expectativos sobre unidades autônomas ainda em construção para obter recursos financeiros destinados à conclusão do empreendimento.

Crédito rural e empresarial

No âmbito do crédito rural, produtores podem utilizar os direitos expectativos sobre imóveis rurais alienados fiduciariamente como garantia para a obtenção de novos financiamentos. Da mesma forma, empresas podem recorrer a essa modalidade de hipoteca para alavancar recursos necessários à expansão de suas atividades, utilizando seus direitos futuros sobre imóveis como garantia.

Reestruturação de dívidas

A hipoteca dos direitos expectativos também pode ser uma ferramenta valiosa na reestruturação de dívidas. Devedores podem utilizar seus direitos expectativos como garantia para negociar prazos e condições mais favoráveis com credores, assegurando a continuidade de suas operações e a manutenção de seus ativos.

Procedimentos e requisitos

Constituição da hipoteca

A constituição da hipoteca dos direitos expectativos do devedor fiduciante deve ser formalizada por meio de instrumento público ou particular, com cláusula expressa indicando a natureza dos direitos hipotecados e a obrigação garantida. O contrato deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente para produzir efeitos perante terceiros.

Registro

O registro da hipoteca dos direitos expectativos é realizado na matrícula do imóvel objeto da alienação fiduciária. Conforme Luiz Scavone Junior, o registro é essencial para a validade e eficácia da hipoteca, garantindo publicidade e segurança jurídica às partes envolvidas (Scavone Junior, 2019) [4].

Exigibilidade e execução

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Em caso de inadimplemento do devedor, o credor hipotecário pode excutir os direitos expectativos hipotecados, promovendo a adjudicação ou venda judicial desses direitos. A execução deve observar os procedimentos estabelecidos pela legislação processual civil, garantindo o devido processo legal e a proteção dos direitos do devedor.

Benefícios e riscos

Benefícios

A hipoteca dos direitos expectativos do devedor fiduciante oferece diversos benefícios, incluindo:

  • Aumento da liquidez: Permite a utilização de direitos futuros como garantia, ampliando o acesso ao crédito.
  • Segurança jurídica: Proporciona maior segurança aos credores, que podem contar com garantias adicionais para a satisfação de seus créditos.
  • Flexibilidade: Facilita a negociação de novas condições de crédito e a reestruturação de dívidas.

Riscos

Apesar dos benefícios, essa modalidade de hipoteca também apresenta riscos, como:

  • Complexidade jurídica: A constituição e execução da hipoteca dos direitos expectativos podem envolver procedimentos complexos e custosos.
  • Valorização dos direitos: A avaliação dos direitos expectativos pode ser difícil, gerando incertezas quanto ao valor real da garantia.

Considerações finais

A hipoteca dos direitos expectativos do devedor fiduciante é uma figura jurídica inovadora que contribui para a maximização das garantias sobre imóveis no Brasil. Essa modalidade de hipoteca amplia as possibilidades de concessão de crédito e proporciona maior segurança aos credores, ao mesmo tempo em que oferece flexibilidade e liquidez aos devedores.

Contudo, é essencial que as partes envolvidas compreendam as particularidades dessa figura jurídica e adotem medidas adequadas para garantir sua correta aplicação. A análise de doutrinadores como Flávio Tartuce, Nelson Rosenvald, Luiz Scavone Junior e Maria Helena Diniz oferece uma base sólida para a compreensão dos aspectos teóricos e práticos dessa modalidade de hipoteca, contribuindo para seu desenvolvimento e consolidação no ordenamento jurídico brasileiro.

 


[1] Maria Helena Diniz, “Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas”, 34ª ed., Editora Saraiva, 2019.

[2] Flávio Tartuce, “Manual de Direito Civil: Volume Único”, 10ª ed., Editora Método, 2020.

[3] Nelson Rosenvald, “Direito Civil: Direitos Reais”, 5ª ed., Editora Atlas, 2018

[4] Luiz Scavone Junior, “Garantias Reais: Teoria e Prática”, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2019.

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