Licitações e Contratos

Intimidação contrária ao direito de recurso em licitação é ilegal

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

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27 de julho de 2024, 10h18

Agente que conduz licitação pode ameaçar previamente licitantes, com mensagem em sistema, afirmando que os recursos “protelatórios” ensejarão sanções? Com nítido tom de intimidação?

Para o processo licitatório, há definição legal do termo acima destacado?

Tais questões demandam uma reflexão, inicialmente, sobre tempos idos, nos quais a intenção de recuso era “filtrada” pela autoridade de origem e nem era aberto o campo para as razões de recurso. Isso somente se resolveu após alertas do Tribunal de Contas da União no sentido de que a intenção de recurso passava por crivo de admissibilidade, mas o conteúdo de mérito do recurso precisava ter o seu trânsito assegurado até a autoridade superior.

Aliás, é louvável que a Lei nº 14.133/21 nem tenha a exigência da “motivação” da intenção de recurso, o que se reflete na realidade de sistemas como o compras.gov.br, que agora possuem apenas as opções para se marcar a intenção de recurso, mas não campo para escrever um texto de motivo de estar recorrendo.

Ocorre que ainda é preciso acabar com esparsos casos de outra ordem: da intimação para afastar o direito de recorrer na licitação.

Nesse contexto, pede-se vênia para lembrar que devido processo legal, direito de petição, ampla defesa e contraditório são garantias do artigo 5º, incisos ILV e LV, da Constituição  e devem ser preservadas, não podendo ser tolhidas com mensagem padrão copiada e colada dentro de chat no sistema no qual se conduz a licitação, com objetivo de inibir recursos.

Note-se que a Lei nº 14.133/21, que disciplina licitações e contratos administrativos no Brasil, estabelece um conjunto de normas que visam garantir a transparência, a isonomia e a competitividade nos processos licitatórios, sendo clara em suas disposições, no artigo 165, sobre a hipóteses de cabimento recursal, não havendo em dispositivo algum o conceito do que seria recurso de “caráter protelatório”.

Spacca

Feitas tais considerações, cabe lembrar que, em comparação, com a via judicial, entendimentos se firmaram em torno dos vários incisos do artigo 80 do Código de Processo Civil, nos quais constam hipóteses de barreiras a inibir pretensões contra texto expresso de lei, alteração da verdade de fatos, pretensão de obtenção de objetivo ilegal, oposição de resistência injustificada ao andamento do processo, procedimento de modo temerário e, enfim, interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório, essa última bem aplicada nos “recursos de recursos de recursos” (quando não subsiste viabilidade mínima, mas continuam vindo novos recursos dentro de uma sequência do processo).

Barreira artificial

Enfim, se nem na via judicial, que é bastante regrada em minúcias e formalidades de aspectos processuais, se tem barreira prévia nas decisões dos magistrados, na via administrativa não se pode ter mensagem padrão e taxativa, antes mesmo do único recurso que existe no processo administrativo da licitação, na “etapa única” do exercício do direito de recorrer.

Cabe lembrar, mais uma vez comparando a realidade do dia a dia dos processos judiciais: os magistrados somente fazem seus alertas quando a parte está insistindo em algo que já veio de outra decisão, se insiste, se pretende algo contra texto de lei, contra súmula do próprio tribunal para o qual se dirige o recurso ou situações de natureza similar, quando se começa a perceber que já não há base mínima alguma para um recurso prosseguir a outros estágios processuais.

Assim, é importante ponderar, com o máximo respeito, que no âmbito dos processos de licitação, a caracterização de um recurso como protelatório não pode estar com um tom de ameaça dentro de uma taxativa mensagem geral e prévia a qualquer manifestação, de qualquer licitante.

Não pode ser criada barreira artificial padronizada, em mensagem de sistema, sem base em lei, para tolher o direito de alertar sobre a eventual quebra do princípio da legalidade, do artigo 37 da Constituição Federal, além de outras desconformidades.

Por fim, se ocorrerá abuso dentro de determinada peça recursal, ainda a ser apresentada, isso será matéria a ser analisada em separado, com estudo do caso concreto, quando verificadas as razões de recurso, mas não se pode criar meio de inibir, antecipadamente, o direito de recorrer, porque isso implicaria em contrariedade a várias normas constitucionais e legais.

Autores

  • é advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

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