Opinião

O lucro líquido e as suas reservas nas sociedades anônimas

Autores

  • é advogado associado das áreas de Societário e Fusões & Aquisições do TN Advogados advogado pós-graduado em Direito dos Negócios e Estruturas Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduado pela mesma instituição.

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  • é sócio consultivo e de estratégia de negócios do Thielmann Nogueira Advogados com experiência em governança corporativa Direito Societário e fusões e aquisições mercados capitais sistemas bancário e de pagamentos pesquisador e doutorando na Universidade de Hamburgo com financiamento Albrecht Mendelssohn Bartholdy Graduate School of Law e vinculado à cadeira de Law & Economics do Institut für Recht und Ökonomik e treinador do Núcleo de Arbitragem e Mediação da USP-Ribeirão Preto.

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26 de julho de 2024, 15h19

A destinação dos resultados de uma empresa sempre envolve aspectos sensíveis no mundo empresarial, haja vista que contrapõem aspectos conflitantes, como a participação nos resultados pelos acionistas, e a continuidade das operações da sociedade.

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Sendo assim, não é raro encontrar julgados nos tribunais que tratam do tema [1], ou sanções pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) quando verificado irregularidades [2]. E grande parte da divergência de entendimentos é justamente com relação a retenção desse resultado e a sua alocação das reservas de lucro. Deste modo, evidente a necessidade de analisar e esclarecer a correta alocação do lucro líquido nas diferentes espécies de reservas de lucro previstas na Lei nº 6.404/76 — Lei das Sociedades Anônimas (LSA).

O lucro líquido

O lucro é um dos elementos caracterizadores das sociedades anônimas, conforme estabelecido no artigo 2º da Lei nº LSA, e ele nada mais é que o resultado positivo da ação econômica da Companhia, seja por um ato diretamente relacionado ao objeto social da empresa, ou de formas estranhas e extraordinárias ao objetivo empresarial da companhia [3].

O lucro conforme devidamente observado nas demonstrações financeiras da companhia, sofrerá uma série de deduções, sendo a primeira das deduções as provisões para pagamento da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do imposto de renda (IRPJ).

Em seguida, serão abatidos os prejuízos acumulados dos exercícios anteriores (artigo 189 da LSA e artigo 2º da Lei 7.689/1988), tendo em vista que é vedada a distribuição de lucro aos acionistas, caso seja verificado que a companhia está no prejuízo.

Feitas as deduções da CSSL, do IRPJ e dos prejuízos acumulados, serão então deduzidas as participações dos debenturistas (artigo 56 e inciso IV do artigo 187 da LSA), dos empregados, dos administradores e das partes beneficiárias (artigo 190 da LSA), obrigatoriamente nessa ordem.

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Assim, aplicadas as principais deduções aqui supracitadas, chega-se à parcela do lucro líquido que deve obrigatoriamente ser destinada a uma das reservas facultativas ou à distribuição de dividendos.

Reservas de lucro

As reservas de lucro são aquelas constituídas com o propósito de reter uma parte, ou a totalidade do resultado destinável da companhia, e são impostas por determinação legal ou criadas de forma estatutária por meio de assembleia geral, de forma que uma parte do valor que seria destinada à distribuição de dividendos aos acionistas, fica retida até o cumprimento de um determinado propósito específico [3]. Portanto, esse saldo que fica em reserva deve ser liberado assim que a condição ou finalidade que motivou a sua criação seja cumprida, contudo, apenas se não houver qualquer prejuízo acumulado de exercícios anteriores, tendo em vista que esses devem ser previamente absorvidos pelas reservas de lucro da companhia [3].

As reservas de lucro são divididas em várias espécies pela LSA, sendo apenas uma obrigatória por lei, as demais todas facultativas e dependentes de uma deliberação da assembleia geral para sua criação.

De maneira geral, conforme artigo 199 da LSA, todas as reservas, com exceção da reserva legal, que possui sua regra específica, e da reserva de contingências, de incentivos fiscais e de lucros a realizar, que podem ultrapassar o valor do capital social, todas as outras tem como limite de valor máximo a ser alocado o próprio capital social da companhia.

Outra diretriz geral, é que conforme artigo 198 da LSA, as reservas estatutárias e de lucros não podem ser aprovadas em prejuízo da distribuição do dividendo mínimo obrigatório, exceto se aprovado por unanimidade dos acionistas, conforme artigo 202 e entendimento doutrinário [3].

Reserva legal

A reserva legal, como o próprio nome já diz, é aquela imposta por lei, mais especificamente pelo artigo 193 da LSA. Ela é obrigatória e tem como propósito assegurar a integridade do Capital Social da companhia, servindo como uma proteção aos credores, haja vista que o capital social de uma sociedade anônima constitui o valor mínimo de patrimônio que os acionistas são obrigados a ter a disposição, a fim de assegurar o pagamento das dívidas adquiridas pela companhia [3].

Para sua constituição, em todo exercício legal que for apurado lucro líquido destinável, 5% dele será obrigatoriamente alocado como constituição de reserva legal, não podendo o valor alocado em reserva legal superar 20% do valor do capital social, conforme artigo 193, caput da LSA.

Observando-se que a reserva legal já atingiu o limite estabelecido por lei, fica autorizada a alocação do recurso em outras reservas ou até mesmo a distribuição de dividendos, conforme o caso, pois neste patamar a empresa já apresentaria um grau maduro de liquidez [1].

Outra hipótese de dispensa do recolhimento da parcela da reserva legal, nos termos do parágrafo 1º do artigo 193 da LSA, é o caso em que a soma das reservas facultativas e a legal ultrapassam 30% do capital social, e os acionistas da companhia, seguindo critérios de maturidade e conveniência, entendam que não há necessidade de alocação da parcela na reserva legal [4].

Reservas estatutárias

As reservas estatutárias são aquelas em que a LSA autoriza a criação por meio do estatuto social da companhia, desde que feito por disposição expressa e específica, indicando de maneira precisa e completa, as finalidades e os propósitos específicos da reserva, bem como, fixando os critérios da parcela anual e estabelecimento do seu limite máximo, ainda, sendo vedada a criação de reservas estatutárias para finalidades já atendidas por outras reservas previstas no estatuto social [3].

Acrescentando-se aos requisitos legais, há quem entenda que a constituição de uma reserva estatutária se destina ao atendimento de propósitos específicos e estratégicos da companhia, não podendo se desviar do interesse social [4]. Portanto, em tese, completamente ilegal a destinação de uma parcela do lucro líquido a uma reserva que não esteja prevista no estatuto social e, proibido na mesma medida, a criação de uma reserva estatutária com ausência de finalidade específica que não atenda o interesse social.

A luz das limitações citadas, olhando sob a ótica procedimental da criação da reserva estatutária, entende-se que é plenamente possível a criação de reserva estatutária por meio de assembleia geral extraordinária que anteceda a assembleia geral ordinária que deliberará pela alocação da parcela lucro líquido em referida reserva, mesmo que no mesmo dia. Para tanto, deverão os acionistas retificarem a proposta da administração em sede de assembleia geral ordinária, para que passe a prever assim a alocação do lucro líquido na referida reserva recém-criada [3].

Reserva para contingências

A reserva para contingências é aquela constituída para compensar em exercício futuro a diminuição do lucro de perda considerada provável e estimável (artigo 195 da LSA). Trata-se de uma faculdade legal, com uma finalidade específica, devendo ser encerrada assim que essa referida finalidade for atendida. Tal reserva não se confunde com o provisionamento de contingências da companhia.

Sua formação ocorre a partir de proposta da administração, sendo recomendado o acompanhamento de parecer de auditor independente ou profissional especializado3, e encaminhada à assembleia geral ordinária que deliberará pela aprovação da sua constituição e alocação de parte do lucro líquido, inclusive, não pode a assembleia geral delegar a competência de sua criação para qualquer outro órgão da administração [4].

Os valores levantados nesta reserva devem ser estritamente necessários para promover a compensação futura pretendida, tendo em vista que o intuito da constituição é justamente a compensação de prejuízos certos, que ao invés de esperar-se até o momento do referido prejuízo, a companhia desde logo se prepara para a situação futura prevista. Portanto, a reserva de contingências nunca deve ser utilizada com intuito de criar obstáculo à distribuição de dividendos [4].

Por fim, os valores alocados em reserva serão revertidos em dividendos, sempre que o fato que deu causa a criação da reserva deixe de existir, ou de fato ocorrer a perda prevista [4]. Ressalta-se, entretanto, que não existem impedimentos com relação a reversão dos valores da reserva para outra destinação, desde que feito antes do acontecimento do fato previsto [4].

Reserva de incentivos fiscais

O objetivo da Reserva de Incentivos fiscais, é o resguardo daqueles valores recebidos à título de transferências patrimoniais do governo, seja por meio de doação ou subvenção de investimento, com o intuito de justamente proporcionar o incentivo ao investimento da companhia. Por sua vez, haja vista referidos benefícios não terem uma natureza de receita, a LSA faculta aos administradores que, por meio de proposta aprovada pela assembleia geral, possa destinar a parcela do lucro líquido que justamente comtempla referidos valores de incentivo, à uma reserva de lucros. Por fim, considerando a natureza desses incentivos, é facultado também à assembleia geral que se exclua da base de cálculo dos dividendos mínimos obrigatórios o referido valor alocado à título de reserva de benefício fiscal, inclusive, porque quando da concessão de tal benefício, é comum que existam condições de proibição de distribuição desse valor em forma de dividendo ou devolução de capital3.

Portanto, existindo um incentivo governamental, poderá a administração propor a assembleia geral, desde que não ponha em risco a solvabilidade ou reduza sua liquidez, a sua alocação em uma reserva específica, garantindo que esses recursos não sejam distribuídos aos acionistas ou capitalizados.

Reserva de retenção de lucro

A Reserva de Retenção de Lucro também é uma reserva legal assemblar, ou seja, inexiste necessidade de criação de referida reserva em estatuto social e, por meio de uma deliberação da assembleia geral, pode ser retida uma parte do lucro líquido, inclusive, podendo o valor em reserva superar o valor do capital social. Essa espécie de reserva não permite a alocação de valores em detrimento do dividendo mínimo obrigatório, tendo em vista que o intuito da sua criação é um projeto de investimento da companhia, e não um prejuízo futuro [3].

Sendo assim, a doutrina entende como requisitos para criação de uma reserva de retenção de lucros: (1) o lucro a ser retido não se enquadrar em nenhuma outra reserva; (2) o valor a ser retido não prejudicar o pagamento do dividendo mínimo obrigatório; (3) existir um orçamento de capital aprovado em assembleia geral, anterior à assembleia geral ordinária que deliberará pela retenção dos valores que serão retidos em reserva e destinados à investimento.

Por fim, sobre o conceito de orçamento de capital, embora não exista uma definição em lei, o parágrafo 1º do artigo 196 da LSA estabelece que “compreende todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo ou circulante, e poderá ter a duração de até cinco exercícios, salvo no caso de execução, por prazo maior, de projeto de investimento”. Dessa forma, pode-se definir que o orçamento de capital é um documento que deve apresentar fundamentação econômico-financeira que justifique, de forma inequívoca, que os recursos alocados serão aplicados ao projeto de investimento que será desenvolvido pela empresa, por um período de até cinco anos, ou mais, caso o projeto de investimento tenha uma duração superior [3].

Conclusão

Em suma, a destinação do resultado, é um processo regrado por uma série de normas legais e estatutárias, sempre com objetivo de equilibrar a necessidade de assegurar a saúde financeira da companhia e a proteção dos interesses dos acionistas, garantindo que os lucros sejam devidamente destinados ao investimento contínuo e ao crescimento sustentável da empresa, assim como a remuneração dos acionistas. A correta utilização das reservas pela administração e acionistas, nesse contexto, é indispensável para a credibilidade e a longevidade de companhias no mercado.

 


1 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Processo Comum Cível n. 1063896-59.2021.8.26.0100.
Requerente: Santo Alphege Participações S.A. Requerido: Maringá Ferro-liga S.A. e outros. Juiz de
Direito: Dr. Guilherme de Paula Nascente Nunes. 4 out. 2022. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/2015071909/inteiro-teor-2015071915; Acesso em: 15.jul. 2024.
2 RIO DE JANEIRO. Comissão de Valores Mobiliários. Extrato da Sessão de Julgamento do
Processo Administrativa Sancionados CVM nº RJ2012/4066. Acusado: Ricardo Antonio Vicintin:
Diretora-Relatora: Luciana Dias. 31 mar. 2015. Disponível em:
https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/sancionadores/sancionador/anexos/2015/20150331_PAS_RJ20124066.pdf ; Acesso em 15 jul. 2024.
3 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume 3, 2ª Edição Revista e Ampliada. 2ª tiragem. São
Paulo: Quarter Latin, 2018.
4 COELHO, Fábio Ulhôa. Lei das Sociedades Anônimas Comentada. São Paulo: Grupo GEN, 2021.

Autores

  • é sócio das áreas de Societário e Mercado de Capitais do TN Advogados, advogado e estudante de Finanças e Negócios pela USP, com passagens pela University of Illinois e University of Chicago (ambas nos EUA), pós-graduado, nível mestrado, em Direito Comercial na USP e doutor em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Universidade de Hamburgo, Alemanha.

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