Opinião

Celso Furtado, 104: qual o espaço do seu legado na produção acadêmica

Autores

  • Pablo Leurquin

    é doutor em Direito pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em cotutela. Professor do curso de Ciências Jurídicas da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e do corpo permanente do programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

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  • Adailson Pinho de Araújo

    é mestrando em Direito pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

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26 de julho de 2024, 6h30

É muito comum nos depararmos com artigos científicos, monografias, dissertações e teses que interpretam o desenvolvimento econômico a partir das lentes de marcos teóricos estrangeiros.

Celso Furtado (1920-2004)

Pensando na produção acadêmica no Direito, é realmente muito curioso que autores como Amartya Sen, Douglass North, David Trubek e tantos outros importantes estudiosos, vencedores de Nobel ou não, parecem ter precedência quando se trata das interfaces entre Direito, Economia, Instituições, Democracia e Desenvolvimento.

Especialmente, se considerarmos que o Brasil é um país que tem, por exemplo, Maria da Conceição Tavares, Inácio Rangel e Celso Furtado. No que diz respeito a este último, fizemos um levantamento da quantidade de dissertações e teses que incluem o autor no título ou no resumo, de 1981 a 12 de julho de 2024.

Reprodução

O gráfico sinaliza haver um aumento da quantidade de trabalhos que se propõem dialogar de maneira enfática com a obra do autor, sobretudo, a partir do seu falecimento em 2004. Frisa-se que Celso Furtado nasceu em Pombal (PB), há 104 anos, no dia 26 de julho de 1920. Ele se formou doutor em Economia pela Universidade de Paris, com tese sobre a economia colonial brasileira nos séculos 16 e 17, sob a orientação de Maurice Byé.

Furtado tem uma trajetória intelectual impressionante, que se soma a uma carreira política igualmente potente. Afinal, para além de outros cargos, ele foi o primeiro ministro do Planejamento do Brasil, no governo João Goulart (1961-1964), depois da sua experiência na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Também foi ministro da Cultura, no governo Sarney (1985-1990), com relevante participação nos debates econômicos da época e na própria constituinte.

Furtado é reconhecido por duas teses complementares, mas que não se confundem, conforme sustenta Vera Cepêda: a Teoria do Subdesenvolvimento e a Teoria do Desenvolvimento. A primeira diz respeito à aplicação do método histórico-estruturalista para entender como a herança colonial moldou as estruturas socioeconômicas do país.

A segunda diz respeito à elaboração de estratégias para superar a condição de subdesenvolvimento e, por via de consequência, internalizar os centros decisórios da economia no país. As duas teses são complementares porque o diagnóstico se soma ao prognóstico para balizar a atuação do Estado na promoção e no planejamento do desenvolvimento do país, que deve ser voltado para a melhoria das condições de vida dos cidadãos brasileiros.

Por essa razão, a democracia e as liberdades políticas são valores que permeiam sua teoria, cujos aportes não devem se restringir apenas ao campo econômico. Entendemos, inclusive, que dessas constatações surge a importância renovada da sua produção teórica para outros campos do conhecimento, como o Direito, notadamente, o Direito Econômico.

Centro x periferia

Um dos elementos fundantes das contribuições de Celso Furtado é a compreensão de que a lógica centro x periferia se reproduz dentro do Brasil, dadas as características do processo de industrialização do país. Seus textos da década de 1950 sobre o Nordeste, por exemplo, identificam essa relação de dependência econômica do Nordeste-Norte em relação ao Centro-Sul. Tendo em vista que a preocupação com as desigualdades regionais é algo muito presente na teoria de Furtado, o nosso levantamento sobre a quantidade de dissertações e de teses por universidade que incluem seu nome nos títulos ou resumo é provocativo:

Reprodução

As 11 primeiras instituições do gráfico estão localizadas no Sudeste ou no Sul do país. A ausência de mais universidades nordestinas nesse ranking é algo que chama muita atenção. O retorno às obras clássicas de economistas brasileiros e às suas interpretações mais contemporâneas é fundamental, sobretudo, pelas atuais crises da democracia e pelas reconfigurações das desigualdades regionais. Afinal, a geração que viveu o golpe militar de 1964 e contribuiu na construção da redemocratização do país enfrentou várias das questões que continuam colocadas à nossa geração.

Isso não significa sustentar o isolamento da produção acadêmica do país, ignorando autores estrangeiros ou os estímulos à internacionalização da produção científica. O que se pretende é tão somente reforçar que a produção acadêmica da periferia (contemporânea ou não) é fundamental para compreender a própria periferia e, portanto, para entender o mundo.

Sendo assim, o retorno aos clássicos brasileiros, como o caso de Celso Furtado, é também uma forma de dialogar com autores contemporâneos, qualificando os aportes das referidas teorias, sejam elas estrangeiras ou nacionais.

Autores

  • é doutor em Direito pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em cotutela. Professor do curso de Ciências Jurídicas da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e do corpo permanente do programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

  • é mestrando em Direito pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido.

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