Opinião

Pretensão de indenização pelos desfalques em conta do Pasep (parte 1)

Autores

  • Leonardo Carneiro da Cunha

    é professor associado da Faculdade Direito do Recife (UFPE) nos cursos de graduação mestrado e doutorado e advogado sócio do escritório Carneiro da Cunha Advogados.

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  • Marcelo Luz Chaves

    é graduado pela UFPE membro dos grupos de pesquisa em Teoria Contemporânea do Direito Processual (TCDP) e do Grupo de Pesquisa em Direito Processual Civil da Faculdade de Direito do Recife (FDR-PRO) advogado e sócio de Carneiro da Cunha Advogados.

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26 de julho de 2024, 16h14

1. Tema 1.150/STJ: apenas o primeiro passo para a tutela do direito dos servidores

Conforme tratamos em outro artigo [1], a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou, em setembro de 2023, o Tema 1.150, definindo importantes questões relacionadas a demandas que discutem os desfalques nas contas individualizadas do Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público).

No julgamento do repetitivo, o STJ não tratou da questão de mérito dessas ações; definiu, apenas, que o legitimado passivo é o Banco do Brasil, que o prazo de prescrição é de dez anos, contado da ciência pelo servidor dos desfalques em sua conta individualizada.

Esse foi apenas o primeiro passo dado em favor da tutela do direito dos servidores que alegam ter sofrido prejuízos causados pelo BB. É preciso, agora, que os servidores demonstrem os alegados prejuízos em suas ações individuais, no ambiente dialógico do processo judicial.

O laboratório prático dos processos judiciais revela interessantes questões relativas ao direito probatório, que serão objeto de análise numa série de dois artigos.

2. Próximo passo: comprovação dos desfalques

São três as principais situações que vêm sendo alegadas pelos servidores em demandas contra o Banco do Brasil:

  1. equívocos na aplicação, pelo Banco do Brasil, dos índices de atualização monetária estabelecidos pelo Conselho Diretor do PIS-Pasep;
  2. ausência de recebimento pelo servidor de pagamentos supostamente realizados em folha (Fopag);
  3. existência de saques indevidos, que não teriam sido autorizados, realizados ou recebidos pelo titular da conta individualizada.

Nesta série de artigos, examinaremos uma a uma as alegações, tratando das regras de direito probatório incidentes em cada caso.

Spacca

Nesta primeira parte, será analisada a alegação “a”, para se demonstrar que sua comprovação demanda a produção de prova pericial; na segunda, cuidaremos das alegações “b” e “c”, tratando do ônus da prova e dos meios adequados para dele se desincumbir.

3. Incorreções na aplicação dos índices de atualização monetária: necessidade de prova pericial

A Lei Complementar nº 8, de 1970, ao instituir o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), estabeleceu a abertura de contas individualizadas para cada servidor, destinadas ao recebimento dos recursos provenientes das contribuições realizadas pela União, estados, municípios, Distrito Federal e territórios, bem como de suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações. A administração das contas individualizadas do Pasep foi deixada a cargo do Banco do Brasil (artigo 5º).

Posteriormente, sobreveio a Lei Complementar nº 26/1975, que unificou os fundos do PIS e do Pasep. A Lei Complementar nº 26/1975 foi regulamentada pelo Decreto nº 78.276/1976, que instituiu o conselho diretor do fundo PIS-Pasep e repartiu funções entre este e o Banco do Brasil (artigos 9º, 10 e 12). O Decreto nº 78.276/1976 foi posteriormente revogado pelo Decreto nº 4.751/2003, que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto nº 9.978/2019. Todos os três, quando de sua vigência, regulamentavam o PIS-Pasep.

Ao longo do tempo, a legislação aplicável ao Pasep — LCs 8/1970 e 26/1975 e Decretos  78.276/1976, 4.751/2003 e 9.978/2019 — e o respectivo conselho diretor estabeleceram vários índices de atualização monetária dos valores devidos aos servidores.

Contudo, ao terem acesso aos extratos de suas contas individualizadas, os servidores se surpreenderam com as quantias lá constantes. Ao solicitarem que profissionais analisassem o histórico da conta, perceberam que o Banco do Brasil não aplicava os índices de atualização monetária devidos.

Assim, segundo alegam esses servidores, haveria um ato ilícito do Banco do Brasil, consistente em não observar os índices de atualização monetária exigidos pela legislação e pelo conselho do PIS-Pasep.

A verificação dos critérios de atualização monetária aplicados, com o confronto com aqueles que são exigidos pela legislação, exige conhecimentos técnicos; a análise de um extrato bancário é insuficiente. Qualquer pessoa que não detenha conhecimento técnico especializado não reúne condições de aferir a (in)correção da atualização monetária dos valores, ainda que tenha acesso ao extrato bancário.

Daí por que, caso venha a se tornar um fato controvertido num processo judicial [2], a alegação de incorreções na aplicação pelo BB dos índices de atualização monetária estabelecidos pelo conselho diretor do fundo PIS-Pasep deve ser objeto de prova pericial.

Os extratos contêm movimentações que remontam a períodos anteriores a 1988, quando cessaram os depósitos no Pasep pelos entes públicos. Nesse período, houve várias alterações nos critérios de atualização monetária definidos pelo conselho diretor. Além disso, nosso país passou por sucessivas reformas no seu sistema monetário, adotando diferentes moedas ao longo dos anos. Assim, os extratos contêm registros de dezenas de anos de movimentações financeiras, que devem ser analisadas e cruzadas com vários índices distintos de atualização monetária, realizando-se, ainda, as devidas conversões de moedas.

Por isso, é o perito contábil quem detém a expertise necessária à análise dos extratos bancários, para averiguar a ocorrência ou não de incorreções na atualização monetária dos valores lá depositados. Sendo necessários conhecimentos técnicos especializados, o juiz deve deferir a produção da prova pericial (CPC, artigo 464, § 1º, I).

O perito pode ser escolhido, de comum acordo, pelas partes (CPC, artigo 471); se não o for, o juiz deverá nomeá-lo, fixando prazo para a entrega do laudo (CPC, artigo 465, caput). A prova pericial pode, ainda, ser dispensada quando as partes apresentarem pareceres técnicos ou documentos elucidativos sobre as questões de fato (CPC, artigo 472). A perícia, contudo, apenas deve ser dispensada caso os documentos e pareceres técnicos elucidem satisfatoriamente a questão técnica; mantendo-se dúvidas sobre a questão fática, a prova pericial deve ser produzida [3].

Enfim, esse é um caso que ordinariamente demanda a produção da prova pericial.

 


[1] https://www.conjur.com.br/2024-mai-09/pretensao-de-indenizacao-por-desfalques-no-pasep-e-o-termo-inicial-da-prescricao/.

[2] Apenas os fatos controvertidos demandam comprovação, pois as alegações de fato incontroversas não dependem de prova (CPC, art. 374, II e III).

[3] “Aliás, o art. 472 do CPC/2015 (art. 427 do CPC/1973) dispõe que ‘o juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes’. Tendo o julgador entendido pela insuficiência da prova produzida, não se pode dispensar a produção de perícia judicial, no caso” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.804.146/SE, rel. min. Herman Benjamin, DJe 29.5.2019).

Autores

  • é professor associado da UFPE, professor da Universidade de Coimbra, procurador do Estado de Pernambuco, advogado e sócio fundador de Carneiro da Cunha Advogados.

  • é graduado pela UFPE, membro dos grupos de pesquisa em Teoria Contemporânea do Direito Processual (TCDP) e do Grupo de Pesquisa em Direito Processual Civil da Faculdade de Direito do Recife (FDR-PRO), advogado e sócio de Carneiro da Cunha Advogados.

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