Prática Trabalhista

Novo critério de atualização trabalhista pela Lei 14.905/2024?

Autores

  • é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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25 de julho de 2024, 8h00

Uma temática que ganhou novos holofotes na área trabalhista, principalmente quando o processo já se encontrar em fase de execução, diz respeito aos critérios utilizados para a correção monetária e a aplicação de juros moratórios na Justiça do Trabalho. Isso porque, recentemente, foi promulgada a Lei 14.905, de 28 de junho de 2024 [1], que promoveu algumas alterações no Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) para dispor sobre a problemática da atualização monetária e juros.

Taxa Referencial

De início, a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991 [2], no artigo 39, previa que “os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”.

Posteriormente, a Lei nº 8.660, de 28 de maio de 1993, estabeleceu novos critérios para a fixação da Taxa Referencial (TR), extinguindo a TRD. A esse respeito, com o advento da Lei 13.467/2017, a CLT foi alterada, de sorte que foi incluído o parágrafo 7º ao artigo 879 [3] para determinar que a atualização dos créditos fosse feita pela Taxa Referencial (TR).

Entrementes, nos últimos tempos, a Suprema Corte foi instada a se manifestar sobre a temática do índice de atualização monetária a ser utilizado no processo laboral, à vista das alterações trazidas pela reforma trabalhista.

Aliás, há tempos, sempre existiu na Justiça do Trabalho a discussão em torno da utilização da TR como critério de correção monetária dos créditos trabalhistas, afinal, era cediço que havia perda progressiva na real expressão econômica dos montantes inadimplidos, o que contrariava as disposições constitucionais relativas à proteção e defesa do valor social do trabalho.

Súmula 439 do TST x ADC 58 e 59 do STF

Particularmente sobre os danos morais, a Corte Superior Trabalhista, por meio da sua Súmula 439 [4], tem um antigo entendimento de que os juros incidem desde o ajuizamento da reclamatória, sendo a atualização monetária imposta a partir da deliberação do arbitramento ou de alteração do valor.

Spacca

E, mais recentemente, a partir deste novo arcabouço jurídico, o TST foi provocado a emitir juízo de valor sobre o assunto, de modo que, em razão deste julgamento, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, nesta ConJur [5], razão pela qual agradecemos o contato.

Impende destacar que, a respeito dos índices de atualização, a Suprema Corte quando do julgamento da ADC 58 [6] e ADC 59 [7] fixou a seguinte tese:

“O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.”

 Efeitos modulatórios

Cabe lembrar que foram fixados efeitos modulatórios na decisão do STF para o fim de:

serem considerados válidos, não ensejando rediscussão todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos e os juros de mora de 1% ao mês;

manutenção e execução das decisões transitadas em julgado que adotaram de forma expressa a TR ou o IPCA-E e os juros de 1% ao mês, em sua fundamentação ou dispositivo;

aplicação retroativa, da taxa Selic para os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento

eficácia erga omnes e efeito vinculante, de sorte que serão atingidos os feitos já transitados em julgado, desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais).

Lição de especialista

Nesse desiderato, oportunos são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg [8]:

De acordo com os itens 6 e 7 da ementa do julgado, estabeleceu-se o seguinte critério de atualização monetária dos créditos trabalhistas, já abrangendo os juros de mora: na fase que antecede a propositura da ação trabalhista (ou seja: do vencimento da obrigação até o dia anterior à distribuição da demanda), deve ser aplicado o IPCA-E/IBGE e, de forma cumulativa, juros de mora correspondentes à variação da TR, e após a distribuição da reclamação trabalhista, a atualização será feita pela taxa Selic. A questão da aplicação cumulativa do IPCA-E com a TR na fase extrajudicial é pouco divulgada, até porque não constou de forma expressa da súmula do voto, não se tratando de questão isolada na ementa do julgado, sendo tratada na fundamentação do voto condutor, conforme trecho abaixo destacado: (…). É certo que na prática tal questão não trará diferenças significativas, na medida em que, de setembro de 2017 a novembro de 2021, a TR manteve-se sem correção, e, em relação aos meses anteriores a 2017 e posteriores a novembro de 2021, seus índices foram muito baixos, de sorte que a maior parte dos julgados não serão impactados por tal cumulação, e os que forem, de um modo geral, terá pouca repercussão econômica.”

Portanto, em observância ao entendimento vinculativo do Supremo Tribunal Federal, para fins de atualização monetária deve ser aplicado o IPCA até o ajuizamento da reclamação trabalhista, e, após, a Taxa Selic.

Novo critério de atualização monetária e juros

É certo que a Lei 14.905, de 28 de junho de 2024, alterou a Lei 10.406, de 10 janeiro de 2002 (Código Civil), para dispor sobre uniformização das regras gerais aplicáveis à atualização monetária e juros nas relações contratuais e civis, nada falando, expressamente, acerca das relações trabalhistas.

Segundo a nova legislação, para fins de correção monetária, se aplicará o IPCA apurado e divulgado pelo IBGE, ou outro índice que vier a substituí-lo (atual redação do parágrafo único do artigo 389 do CC); e, para efeitos de juros moratórios, incidirá a taxa Selic, deduzindo-se, porém, a correção monetária (atuais redações do caput e parágrafo 1º do artigo 406 do CC).

Spacca

A metodologia de cálculo da taxa legal (Selic) e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência (atuais redações dos parágrafos 2º e 3º do artigo 406 do CC).

TST

Pouco antes da promulgação da nova lei, o TST foi provocado a emitir juízo de valor a respeito do índice a ser adotado em um caso [9] envolvendo danos morais e materiais, cuja polêmica foi decidida com supedâneo no entendimento consubstanciado na Súmula 439 da Corte e à luz do julgamento do Pretório Excelso. Nesse desiderato, a Turma curvou-se à convicção do STF, ajustando o pensamento contrário ao seu verbete sumular.

Em seu voto, o ministro relator ponderou:

“(…). Com a fixação do precedente vinculante exarado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADC nº 58, que afastou o critério previsto no art. 883 da CLT como base jurídica para o cômputo de juros de mora na Justiça do Trabalho, tem-se que incidirá a taxa SELIC – que engloba juros e correção monetária, desde a data do ajuizamento da ação nesta Justiça Especializada, e não mais pelo critério cindido a que faz alusão a Súmula 439 do TST, se amoldando, assim, ao precedente vinculante do STF. Tal conclusão decorre da própria unificação havida entre a disciplina dos juros moratórios e da atualização monetária dos débitos trabalhistas, cuja taxa SELIC passou a ser utilizada de forma geral para ambos os aspectos (correção e juros de mora), tornando impraticável a dissociação de momentos para a incidência do índice no processo trabalhista. Ainda, o STF não fez distinção quanto à natureza dos créditos deferidos para aplicação da decisão vinculante proferida na ADC nº 58. Em recentes reclamações, a Suprema Corte tem definido não haver “diferenciação quanto à atualização monetária de créditos oriundos de condenação ao pagamento de indenização por dano moral e daqueles oriundos de condenação por dívidas trabalhistas comuns” (Reclamação nº 46.721, Rel. Ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática publicada no Dje em 27/07/2021).

Conclusão

Infere-se, assim, que, hodiernamente, na Justiça do Trabalho, não mais se diferencia o índice a ser aplicado para fins de correção monetária e juros moratórios, inclusive quanto à temática do dano moral, qual seja, incidirá a taxa Selic a partir da propositura da reclamatória trabalhista, ao passo que a nova Lei 14.905/2024 traz, de forma expressa, a diferenciação e momento de aplicação do IPCA e da taxa legal (Selic) nas relações contratuais e civis.

Entrementes, é salutar relembrar que, em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.795.982/SP, enfrentava debate histórico acerca da interpretação do artigo 406 do CC, que em sua antiga redação fixou a Taxa Selic para corrigir as dívidas civis. Após intenso debate com votação final em seis votos favoráveis e cinco votos contrários, o julgamento fora interrompido por pedido de vista relacionado a uma questão de ordem sobre a nulidade do julgamento. Contudo, com a edição da Lei 14.905/2024, é de se concluir que a referida discussão no âmbito do STJ, a princípio, estaria superada.

A par de todo o exposto, ao que parece, TST sinaliza que o entendimento da Sumula 439 se encontra superado pela decisão vinculante das ADCs 58 e 59 do STF, de modo que, doravante, resta saber se a nova Lei 14.905/2024 trará eventuais e futuros impactos também na área trabalhista.

 


[1] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14905.htm. Acesso em 23.7.2024

[2] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8177.htm. Acesso em 23.7.2024.

[3] CLT, Art. 879 – Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos. (…). Art. 879 – Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos.

[4] TST, SUM 439 – DANOS MORAIS. JUROS DE MORA E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do art. 883 da CLT.

[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[6] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5526245. Acesso em 22.7.2024.

[7] Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5534144. Acesso em 22.7.2024

[8] Execução Trabalhista na Prática – 3ª Edição. EDITORA MIZUNO 2024. Página 79 e 80.

[9] Disponível em, https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=202&digitoTst=65&anoTst=2011&orgaoTst=5&tribunalTst=04&varaTst=0030&submit=Consultar. Acesso em 23.7.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

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