Princípio da defesa do meio ambiente na reforma tributária
22 de julho de 2024, 6h03
Em meio à constante e acelerada evolução tecnológica, a natureza foi frequentemente negligenciada pelo homem, resultando em cenários reiteradamente prejudiciais ao meio ambiente, surgindo, assim, a necessidade de a população se atentar para a importância da sustentabilidade.
Nada obstante os esforços empreendidos pelos Poderes Executivo e Legislativo para efetivar a proteção ambiental, o Brasil ainda se encontra entre os países com maiores dificuldades para reduzir os impactos ambientais: no ano de 2021, por exemplo, o país acumulava a quarta posição entre as nações com maior índice de emissão de gases poluentes desde 1850 [1].
Com vistas a atenuar este panorama, o Poder Legislativo, por meio da edição da Emenda Constitucional nº 132/2023 (denominada reforma tributária), entendeu por bem inserir a defesa do meio ambiente no rol de princípios constitucionais tributários que regerão a base da tributação no País nos próximos anos [2].
Diante das possíveis e almejadas mudanças no cenário da tributação ambiental no Brasil, o presente artigo abordará a relevância do referido princípio para a sociedade, como meio para a efetivação do desenvolvimento sustentável, bem como as suas perspectivas.
Em primeiro lugar, como uma das principais medidas adotada pela reforma tributária para o avanço em direção à tributação verde, o ponto inicial da concessão de incentivos fiscais surge com a inclusão do §4º no artigo 43 da CRFB/88 [3], prevendo-se que os incentivos regionais (p. ex.: isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais), quando concedidos, deverão considerar, sempre que possível, critérios relativos à “sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono”.
Além disso, a EC nº 132/2023 também previu a inclusão do artigo 159-A (e de seu §2º [4]) na CRFB/88, o qual instituiu o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional para fins de redução das desigualdades regionais e sociais mediante a utilização de recursos da União a serem entregues aos estados e ao Distrito Federal, desde que sejam priorizados projetos contendo o mesmo parâmetro de proteção ambiental (conforme o dispositivo anterior — artigo 43, §4º).
Mudança no sistema: IS e IPVA
Prosseguindo às demais alterações provenientes da EC nº 132/2023, verifica-se que o novo sistema tributário nacional conferiu outros contornos à preservação ambiental, desta vez, consubstanciados na criação e na alteração de impostos: Imposto Seletivo (IS) e IPVA, respectivamente.
No que tange à criação do IS — incluído no inciso VIII do artigo 153 da CRFB/88 [5] —, a ser instituído pela União, este tributo objetiva frear as atividades de produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços potencialmente nocivos ao meio ambiente e à saúde.
Merece destaque o fato de que o ponto crucial do IS consiste na constatação da prejudicialidade do bem ou serviço em relação ao meio ambiente ou à saúde — a qual, apesar de pendente de regulamentação por lei complementar, é possível inferir desde já na incidência do imposto sobre alguns bens ditos “óbvios”, como, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas.
Em relação ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a nova redação ao artigo 155, §6º, II, da CRFB/88 [6] passou a prever que o referido imposto poderá ter alíquota diferenciada em função não somente do tipo e da utilização do veículo, mas também do valor e do impacto ambiental deste — com vistas a desestimular a propriedade de bens potencialmente poluentes.
Ademais, prestigiando outros princípios tributários (como a isonomia e a capacidade contributiva), a reforma tributária também corrigiu um equívoco histórico: foram incluídas novas hipóteses de incidência do IPVA (artigo 155, §6º, III, da CRFB/88 [7]), abrangendo, além dos veículos automotores terrestres, os aquáticos e aéreos (ressalvadas algumas exceções relativas à finalidade do bem).
Esta nova abrangência do IPVA reflete verdadeira justiça fiscal, na medida em que se pretenderá tributar veículos com maior capacidade poluidora do meio ambiente, antes impedidos por ausência de previsão constitucional.
Reconhece-se, portanto, que a criação do IS na reforma tributária, assim como as modificações relativas ao IPVA, aproxima, de fato, o Brasil à tendência mundial no que se refere à utilização da tributação como ferramenta protetiva do meio ambiente.
Dessa forma, havendo uma abordagem organizada para a concretização do princípio da defesa do meio ambiente, será possível estar diante de um caminho para o desenvolvimento sustentável, de fato, alinhado aos objetivos da reforma tributária e, portanto, aos mais recentes modelos de tributação mundial.
[1] Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-59065359>. Acesso em: 02.06.2024.
[2] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(…)
§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
[3] Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.
(…)
§ 4º Sempre que possível, a concessão dos incentivos regionais a que se refere o § 2º, III, considerará critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
[4] Art. 159-A. Fica instituído o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais, nos termos do art. 3º, III, mediante a entrega de recursos da União aos Estados e ao Distrito Federal para: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
(…)
§ 2º Na aplicação dos recursos de que trata o caput, os Estados e o Distrito Federal priorizarão projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
[5] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(…)
VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
[6] Art. 155. (…)
§ 6º (…)
II – poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
[7] Art. 155. (…)
§ 6º (…)
III – incidirá sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, excetuados: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
- a) aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
- b) embarcações de pessoa jurídica que detenha outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
- c) plataformas suscetíveis de se locomoverem na água por meios próprios, inclusive aquelas cuja finalidade principal seja a exploração de atividades econômicas em águas territoriais e na zona econômica exclusiva e embarcações que tenham essa mesma finalidade principal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
- d) tratores e máquinas agrícolas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)
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