Considerações sobre Macbeth, de William Shakespeare
21 de julho de 2024, 8h00
Macbeth, de William Shakespeare, é uma tragédia escrita provavelmente em 1606. Carrega a fama de ser uma peça “maldita”, envolta em muitas superstições. O estigma surgiu devido aos numerosos acidentes e incidentes inexplicáveis que ocorreram durante algumas apresentações. Há relatos de assassinatos nos palcos, cenários que desmoronaram e incêndios misteriosos. Tudo contribui para uma aura sombria que envolve a peça. Devido a essas superstições, muitos atores evitam pronunciar o nome Macbeth dentro dos teatros, referindo-se a ela como “A Peça Escocesa”.
A peça é frequentemente adaptada para o cinema, demonstrando sua relevância e apelo contínuo. A trama aborda temas universais e atemporais, como a ambição desmedida, a luta entre o bem e o mal, a degeneração do caráter e a punição inevitável do pecado. Essas temáticas fazem de Macbeth uma obra rica para diversas interpretações e análises.
Macbeth oferece oportunidade única para o estudo dos fundamentos do absolutismo monárquico inglês. A peça trata de um regicídio e da usurpação do trono. Provoca reflexões sobre a legitimidade e a eficiência do poder monárquico. A concepção de reis ilegítimos e ineficazes é um tema recorrente na obra de Shakespeare, e Macbeth não é exceção. A trama centra-se na ascensão e queda de um nobre inicialmente leal que se torna um tirano sanguinário após assassinar o rei para usurpar o trono.
Contexto histórico
O contexto histórico também é relevante. A peça foi escrita para ser apresentada ao rei Jaime I, sucessor da rainha Elizabeth I. Jaime I, ao que parece, tinha profundo interesse em magia e bruxaria. Sua obsessão com o sobrenatural é refletida nas personagens das bruxas em Macbeth, que desempenham papel crucial na trama, profetizando o destino do usurpador e influenciando suas ações.
A presença das bruxas e outros elementos sobrenaturais em Macbeth destaca o fascínio de Shakespeare pelo oculto. As bruxas não apenas predizem o futuro, mas também servem como lembrete constante da intriga e do medo. São agentes do caos, incitando Macbeth a seguir um caminho de destruição.
A relação de Macbeth com o sobrenatural é complexa. O protagonista é assombrado por visões e alucinações, como a famosa cena do punhal flutuante e do fantasma. Essas manifestações não apenas refletem culpa e paranoia, mas também intensificam o clima de terror e fatalidade.
Macbeth também oferece um rico campo para a análise psicanalítica. Sigmund Freud usou a trama para explorar o conceito de “ruína do êxito”, uma patologia em que indivíduos se angustiam e se deprimem quando alcançam o que tanto desejavam. Lady Macbeth é um exemplo clássico dessa teoria. Após instigar Macbeth a matar o rei Duncan, ela é consumida pela culpa e pela loucura.
Freud destacou a influência de Shakespeare em sua formação cultural e frequentemente utilizou suas obras para desenvolver suas teorias. Em Macbeth, percebeu um estudo profundo sobre a culpa e as consequências psicológicas de atos imorais. Lady Macbeth, inicialmente retratada como fria e calculista, eventualmente sucumbe ao peso de seus atos, demonstrando a complexidade da mente humana e as devastadoras consequências do remorso.
História do Direito
Macbeth também permite a exploração de aspectos da história do Direito. A peça oferece insights sobre os rituais legais do direito inglês do século 16, período em que foi escrita, bem como do direito escocês do século 11, onde a trama é ambientada.
Estudar Macbeth sob a ótica da história do direito revela como Shakespeare incorporou aspectos legais e rituais de sua época na narrativa. A forma como Macbeth ascende ao poder e a resposta das outras personagens aos seus atos de usurpação oferecem um panorama dos valores e práticas jurídicas do período.
A retórica desempenha um papel crucial na peça. Lady Macbeth usa sua habilidade persuasiva para manipular o marido, incitando-o a cometer o regicídio. Sua capacidade de convencer Macbeth a agir contra suas próprias hesitações é um exemplo claro do poder da retórica e da manipulação psicológica.
Essa dinâmica entre o casal também permite uma reflexão sobre a influência e a responsabilidade compartilhada. Lady Macbeth, com sua retórica poderosa, planta as sementes da ambição no coração de Macbeth, mas ambos acabam pagando um alto preço por suas ações.
Natureza do mal
Um dos temas centrais de Macbeth é a exploração da natureza do mal. Macbeth, inicialmente um herói corajoso e leal ao rei, transforma-se em um tirano cruel e sanguinário. Sua jornada de decadência moral é um estudo sobre como a ambição e o poder podem corromper uma pessoa.
Shakespeare apresenta Macbeth como um personagem complexo, consciente das consequências de seus crimes, mas incapaz de resistir à tentação do poder. Sua trajetória de usurpador culmina em uma espiral de violência e paranoia, refletindo o impacto devastador da ambição desmedida.
Macbeth é uma obra-prima de Shakespeare que continua a fascinar e perturbar o público com seus temas universais e sua exploração profunda da natureza humana. A peça nos mostra o preço devastador da ambição desenfreada e a inevitabilidade da punição moral. A transformação de Macbeth de um herói corajoso em um vilão tirânico serve como um poderoso lembrete das consequências do poder corrompido. A tragédia oferece um campo fértil para diversas interpretações, seja através de uma lente histórica, psicanalítica, legal ou retórica.
Além dos estudos de Bárbara Heliodora, o leitor interessado deve também ler José Roberto de Castro Neves, que entre nós melhor aproximou a dramaturgia shakespeariana de nosso ideário jurídico.
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