O conceito do jus variandi nas relações empregado x empregador
18 de julho de 2024, 17h14
O jus variandi, conhecido como direito de variação, também referido como poder diretivo, poder regulamentar, poder fiscalizatório e poder disciplinar, são termos sinônimos utilizados para denotar o poder de gestão e direção no ambiente de trabalho, ou seja, representa o poder conferido ao empregador para realizar alterações nas condições de trabalho de seus empregados, desde que não configurem modificação lesiva ou abusiva, sendo reconhecido como um reflexo da necessidade de adaptação empresarial às mudanças de mercado e organizacionais.
Conforme o brilhante doutrinador e ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado[1]:
Jus variandi é o direito de o empregador alterar, unilateralmente, as condições sob as quais é prestado o serviço, desde que não sejam atingidos os elementos básicos do ajuste com o empregado. Essa potestade do empregador tem como fundamento o poder de direção, sem o qual não seria possível administrar uma empresa. O jus variandi, embora aceito pela doutrina e pela jurisprudência, há de ser exercido com cautela, de modo que o empregado não sofra prejuízos, notadamente de natureza salarial. A diretriz do jus variandi informa o conjunto de prerrogativas empresariais de, ordinariamente, ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstâncias e critérios de prestação laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta à ordem normativa ou contratual, ou, extraordinariamente, em face de permissão normativa, modificar cláusula do próprio contrato de trabalho.
Assim, pode-se dizer que o jus variandi é o poder dado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao empregador que necessite realizar quaisquer modulação e mudanças na organização empresarial, com o fito de melhorar o funcionamento dos serviços aos consumidores.
Os limites legais dessas modulações contratuais estão estabelecidos principalmente no artigo 468, do capítulo IV, da CLT — esse capítulo trata do Contrato Individual do Trabalho e determina que as alterações contratuais devem ser mútuas e não podem resultar em prejuízo direto ou indireto ao empregado. Além disso, a jurisprudência consolidada reforça a necessidade de que as alterações sejam razoáveis, não configurem desvio do objeto do contrato original e não infrinjam direitos constitucionais e legais do trabalhador.
O contrato de trabalho representa uma relação fundamental entre duas partes, o empregado e o empregador, assegurando que nenhum deles seja explorado pelo outro. Isso inclui garantir que o contrato não seja alterado sem o consentimento do trabalhador e que ele não seja prejudicado por mudanças que resultem em desvantagens, como uma redução salarial, por exemplo, que possui expressa vedação na Constituição, em seu artigo 7º, inciso VI, onde dispõe que é proibida a redução salarial, a menos que haja acordo ou convenção coletiva.
Além disso, é necessário observar que tais relações estão regidas por princípios, tais quais, o princípio da inalterabilidade contratual e o princípio do direito de resistência obreiro.
O primeiro princípio, proveniente do Código Civil, estabelece que os acordos firmados pelas partes são irrevogáveis durante sua vigência, exigindo o estrito cumprimento pelas partes contratantes. Godinho menciona que:
É bem verdade que esse princípio jurídico geral já sofreu claras atenuações no próprio âmbito do Direito Civil, através da fórmula rebus sic stantibus. Por essa fórmula atenuadora, a inalterabilidade contratual não seria absoluta, podendo ser suplantada por uma compatível retificação das cláusulas do contrato ao longo de seu curso. Essa possibilidade surgiria caso evidenciado que as condições objetivas emergentes durante o prazo contratual – condições criadas sem concurso das partes – provocaram grave desequilíbrio contratual, inexistente e impensável no instante de formulação do contrato e fixação dos respectivos direitos e obrigações. Tais circunstâncias novas e involuntárias propiciariam à parte prejudicada, desse modo, a lícita pretensão de modificação do contrato.
O segundo princípio dispõe que o empregado possui a prerrogativa de se opor validamente a determinações ilícitas provenientes do empregador no contexto da relação de trabalho. Este princípio é específico do direito do trabalho, derivando diretamente do uso irregular do poder diretivo por parte do empregador, onde Godinho expõe que:
De todo modo, ainda assim o princípio desponta como um segundo fator – ao lado do critério de inalterabilidade contratual – a privilegiar a perspectiva protetiva dos interesses obreiros na dinâmica das alterações contratuais objetivas no Direito do Trabalho.
Evitando a exploração de funcionários
Frisa-se que a Consolidação das Leis do Trabalho, de modo geral, representa a solução encontrada pelo Estado para intervir nas relações trabalhistas e evitar a exploração dos funcionários dentro do ambiente de trabalho, conferindo-lhe uma orientação “pró-empregado” ao proteger o polo mais vulnerável.
No entanto, o empregador também possui mecanismos para se proteger e proteger seu negócio, conforme previsto no jus variandi, um poder concedido para alterar o contrato visando melhorar a atividade empresarial, sem, contudo, prejudicar o trabalhador.
Alguns exemplos desse poder do empregador são mudanças de horário, local de trabalho e atribuições. As decisões judiciais têm sido fundamentais na definição de limites precisos para o exercício desse poder, assegurando que qualquer alteração contratual seja fundamentada em necessidades reais do negócio e respeite os direitos fundamentais do trabalhador.
Vejamos jurisprudências do TRT-2 favoráveis ao empregador — reclamado —, que estabelece como prerrogativas do empregador as alterações contratuais:
Alteração da jornada de trabalho. Manifestação do jus variandi do empregador. A modificação da jornada de trabalho do reclamante, ou seja, de oito para seis horas diárias, e de turno fixo para o de revezamento, não configura alteração contratual ilícita. Trata-se, na verdade, da manifestação do jus variandi, inerente à figura do empregador. A organização da empresa, inclusive a fixação dos horários de trabalho a serem seguidos pelo empregado são prerrogativas do empregador, decorrendo diretamente do poder de direção e comando, de acordo com a necessidade patronal. Outrossim, as alterações no divisor e nos dias e números de folgas decorrentes das nova escala de trabalho são válidas e não caracterizam alteração prejudicial no contrato de trabalho. (TRT-2 10013829620165020445 SP, Relator: WILMA GOMES DA SILVA HERNANDES, 11ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 23/05/2017)
ACÚMULO/DESVIO DE FUNÇÕES. JUS VARIANDI. Considera-se que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal (ar t. 456, parágrafo único da CLT). Eventuais atividades exercidas pelo reclamante, em outras áreas, durante sua jornada de trabalho encontram-se abrangidas pelo jus variandi do contrato de trabalho. (TRT-2 10007910920205020603 SP, Relator: SONIA MARIA DE OLIVEIRA PRINCE RODRIGUES FRANZINI, 12ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 30/11/2021)
Agora, observe-se entendimentos do TRT-1 favoráveis ao empregado — reclamante:
RESCISÃO INDIRETA. MUDANÇA DO HORÁRIO DE TRABALHO DO EMPREGADO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. Em que pese a mudança de jornada de trabalho seja um direito assegurado ao empregador, dentro do seu jus variandi, ante a existência de condições limitantes previamente comunicadas pelo empregado, e aceitas pelo empregador, a alteração contratual nesse sentido torna-se lesiva, e vedada pela legislação trabalhista, nos termos do art. 468, da CLT. (TRT-1 – RO: 01001605320205010301 RJ, Relator: GISELLE BONDIM LOPES RIBEIRO, Data de Julgamento: 30/06/2021, Sétima Turma, Data de Publicação: 15/07/2021)
RECURSO ORDINÁRIO. RESCISÃO INDIRETA. ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO. A mudança unilateral do horário de trabalho, quando causa prejuízos ao trabalhador, tem potencial ofensivo para respaldar a rescisão contratual indireta. (TRT-1 – RO: 00114505320155010068 RJ, Relator: JOSÉ LUIS CAMPOS XAVIER, Data de Julgamento: 01/08/2018, Sétima Turma, Data de Publicação: 22/08/2018)
Assim, os casos em que o empregador necessite utilizar seu jus variandi devem ser cuidadosamente ponderados para evitar qualquer prejuízo ao empregado. Observa-se que há divergência jurisprudencial em diversos tribunais regionais, sendo que a matéria frequentemente alcança o Tribunal Superior.
Conclusão
Em síntese, o jus variandi é um instrumento jurídico importante para a flexibilização das relações de trabalho, porém, seu exercício deve observar rigorosos limites legais e constitucionais. A proteção dos direitos dos trabalhadores é fundamental para a manutenção da justiça social e da harmonia nas relações laborais, cabendo ao Poder Judiciário, doutrina e legislação continuarem a delinear esses limites, garantindo um equilíbrio justo entre as necessidades empresariais e os direitos trabalhistas.
Referências
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988
DELGADO. Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª edição. São Paulo. LTr, 2017.
DELGADO. Mauricio Godinho. Jus Variandi e alterações contratuais: limites jurídicos. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4858607/mod_resource/content/0/008_delgado%20jus%20variandi.pdf. Acesso em: 15 jul. 2024.
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª edição. São Paulo. LTr, 2017.
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