SEM PERMISSÃO

Polícia paulista estabelece balizas para revista pessoal de suspeitos e invasão de domicílio

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16 de julho de 2024, 18h53

Uma recomendação assinada pelo delegado-geral de Polícia de São Paulo, Artur José Dian, apresentou às forças policiais do estado as balizas que elas devem seguir ao fazer a abordagem de pessoas e ao invadir seus imóveis.

Recomendação buscou orientar policiais de São Paulo e evitar nulidade das provas produzidas por eles

O documento, noticiado inicialmente pela Ponte Jornalismo, foi publicado na última quinta-feira (11/7) com o objetivo de delimitar os termos “justa causa”, “fundadas razões” e “fundada suspeita”, que autorizam a Polícia Militar a atuar nessas hipóteses.

A recomendação parte da premissa de que a violação de direitos individuais deve ser feita de maneira responsável e justificada, mas inclui hipóteses vetadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça ou, ao menos, altamente contestadas.

Revista pessoal

No caso da justa causa para a revista pessoal de pessoas na rua, o documento autoriza que seja feita quando for motivada por denúncia anônima conjugada com outros fatores, como a visualização de que o suspeito está com algum volume escondido sob as vestes.

O uso da denúncia anônima, porém, é absolutamente descartado como justificativa por policiais, conforme julgamentos do Supremo e do STJ.

A corte superior, que tem vasta jurisprudência sobre o tema, vem exigindo que a justificativa seja mais ampla do que a mera intuição policial ou abordagem de rotina. O objetivo é retirar o fator subjetivo da abordagem, para que suas razões sejam mais concretas.

Nesse ponto, a recomendação afirma que a fundada suspeita para a abordagem deve ser feita a partir do “conjunto comportamental” do suspeito, pela “experiência profissional e na capacidade de percepção adquirida pelo policial na constância da sua atividade”.

É isso o que vai possibilitar a “identificação de condutas e situações concretas (nunca subjetivas) que justificam a abordagem e a busca”, segundo o documento.

As hipóteses de justa causa para abordagem pessoal vêm sendo amplamente debatidas há anos no STJ. Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, recentemente a tendência é de mais flexibilidade a favor da atuação policial.

Invasão de domicílio

Já sobre a entrada em domicílio sem autorização judicial ou consentimento válido do morador, a recomendação feita em São Paulo é para que ela não ocorra a partir de denúncia anônima ou da mera entrada do morador no imóvel ao ver a viatura.

Por outro lado, quando essas situações estiverem conjugadas — denúncia anônima e fuga para o imóvel —, o documento entende que há fundadas razões para a atuação policial.

Esse ponto ainda está sob debate. A jurisprudência do STJ é vasta em dizer que esse cenário não indica que há flagrante delito dentro da residência. Ainda assim, essa jurisprudência vem passando por transformações graças à forma como o Supremo vem tratando o tema.

Há na corte uma corrente, puxada pelo ministro Alexandre de Moraes, que entende que a invasão de domicílio é válida nessas condições. E embora ela não tenha obtido maioria no Plenário ainda, já vem influenciando tribunais e juízes, como mostrou a ConJur.

Outro ponto de conflito jurisprudencial abordado no documento do delegado-geral de Polícia de São Paulo é a invasão motivada por denúncia anônima aliada a um forte odor de maconha nas proximidades da residência. A conclusão é de que a medida é válida.

O STJ, no entanto, vem analisando esses casos a partir da verossimilhança do que é alegado pelo policial. Como não há como saber de onde vem o cheiro, é preciso analisar se a situação encontrada seria passível de, realmente, gerar o odor sentido fora da residência.

Por fim, a recomendação diz que há justa causa para invasão de domicílio quando motivada pela fuga do suspeito para dentro da casa após dispensar drogas ou quando avistado aparentemente entregando-as. Esses são pontos de contestação das defesas frequentemente acatados no STF e no STJ.

Grupo de trabalho

A recomendação paulista não obriga os policiais a seguirem suas balizas. Ela foi produzida a partir de um estudo de um grupo de trabalho interinstitucional sediado no gabinete do procurador-geral de Justiça de São Paulo. Participaram do grupo representantes do Ministério Público de São Paulo, das Polícias Civil e Militar e do Poder Judiciário.

A motivação do trabalho foi exatamente a existência de decisões dos tribunais superiores apontando violações de direitos fundamentais nas abordagens policiais e nas buscas domiciliares ou veiculares.

Elas tornaram “necessária a definição de diretrizes ou parâmetros para balizar essas diligências, evitando prejuízo a atividade preventiva e repressiva de segurança pública”, segundo a portaria de instalação do grupo de trabalho.

A portaria ainda cita “a necessidade de se aprimorar o entendimento do que seja ‘fundada suspeita’, a qual deverá ser aferida a partir de parâmetros razoáveis e elementos suficientes para justificar uma abordagem ou busca, de modo a evitar nulidade das provas obtidas”.

Clique aqui para ler a recomendação

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