Direito Eleitoral

Propaganda lícita e ilícita no período de pré-campanha eleitoral

Autor

  • Francieli de Campos

    é advogada presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral. Membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-RS.

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15 de julho de 2024, 16h22

A evolução do sistema legal que rege os atos fora do período entre 16 de agosto e a data da eleição não impede que surjam dúvidas acerca do que é ou não permitido na propaganda eleitoral no espaço de tempo denominado como pré-campanha. Nesse contexto, é fundamental compreender as mudanças legislativas ao longo do tempo para garantir a conformidade com as regras eleitorais.

Historicamente, o sistema legal eleitoral passou por diversas transformações, refletindo as mudanças sociais, políticas e tecnológicas. Com a diminuição do tempo de campanha, de 90 para 45 dias (em uma tentativa de reduzir o custo da campanha), a chamada “pré-campanha” tem ocupado um espaço cada vez maior nos debates legislativos e jurisprudenciais. No REsp nº 0600227-31/PE, o relator, ministro Edson Fachin, faz um longo e completo histórico da evolução da legislação sobre este novo período eleitoral, sendo recomendada a leitura.

No sistema democrático, de troca de ideias e opiniões, há uma óbvia necessidade de permanência do debate entre eleitores e futuros candidatos, de forma a garantir que, no dia da eleição, a escolha dos representantes será embasada em informações sólidas e bem fundamentadas. Logo, o debate não pode ficar restrito ao curtíssimo período de 45 dias.

Lógica da regra

Para uma melhor compreensão do que o pré-candidato (aquele sujeito que quer disputar um cargo eletivo, está registrado em um partido, mas ainda não foi escolhido em convenção) pode ou não fazer, necessário se faz uma leitura não só da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/07), mas também da Resolução nº 23.610/19 do TSE. Dispõe o artigo 3º- A:

“Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Parágrafo único. O pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução ‘vote em’, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)”

Uma leitura atenta deste artigo, conjugada com a análise do artigo 3º da mesma resolução nos traz algumas conclusões. Vejamos.

Poderá sofrer multa o candidato que divulgar propaganda antes de 16 de agosto (artigo 2º da Resolução) com pedido explícito de voto – com a definição do parágrafo único – ou que, mesmo que não contenha pedido explícito de voto, esteja disposta em local vedado ou por meio, forma ou, ainda, instrumento proscrito no período de campanha. Mas o que isso quer dizer?

Costumo dizer que para entender o Direito Eleitoral e seus meandros, é necessário usar a lógica. Por que não pode haver pedido de voto no período de pré-campanha? Porque não há candidato, não há escolha do partido político, não há aprovação por convenção partidária.

Recentemente, a justiça eleitoral na cidade de São Paulo, condenou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL) ao pagamento de multa, no valor de R$ 20 mil e R$ 15 mil, respectivamente, pela realização de propaganda eleitoral antecipada [1]. O que ocorreu neste caso: em evento promovido no Dia do Trabalho (1º de maio), o presidente Lula teria pedido aos participantes, na presença de Guilherme Boulos, que votassem no pré-candidato para prefeito de São Paulo nas próximas eleições. Disse o presidente: “(…) se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo(…)”, “(…) tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo (…)”.

Típico caso de pedido explícito de voto.

Vedações

Mas o que motiva a criação desse artigo não é a análise de pedidos de voto de forma explícita, como o do caso referido, ou definição das “palavras mágicas” que entram no contexto do parágrafo único do artigo 3º-A, novidade destas eleições municipais. Vamos analisar o segundo trecho do caput: “(…) ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha”.

Para entendermos os locais vedados para propaganda de campanha eleitoral, precisamos ficar atentos ao que lecionam os artigos 37 da Lei das Eleições e 19 (vedação de propaganda em bens de uso comum, árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios), 20 (vedação em bens públicos ou particulares, explicitando as exceções), 22 (conteúdos não tolerados) e 26 (vedação de outdoors) da resolução que trata da propaganda:

Da leitura desses artigos, já podemos ter uma noção do que trata o artigo 3º-A, já referido. Necessário ainda, nos atentarmos para o artigo 28 da resolução (de longa redação), que traz diversas vedações de propaganda:

“Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV):

(…)

IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por:

  1. candidatas, candidatos, partidos políticos, federações ou coligações, desde que não contratem disparos em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J ); ou
  2. pessoa natural, vedada:
  3. a contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J);
  4. a remuneração, a monetização ou a concessão de outra vantagem econômica como retribuição à pessoa titular do canal ou perfil, paga pelas(os) beneficiárias(os) da propaganda ou por terceiros.

(…)

§2º Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuária ou usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 2º).

§3º É vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 3º).
(…)

§7º-A. O impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa.

§7º-B. É vedada a priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet que:

I – promova propaganda negativa;

II – utilize como palavra-chave nome, sigla, alcunha ou apelido de partido, federação, coligação, candidata ou candidato adversário, mesmo com a finalidade de promover propaganda positiva do responsável pelo impulsionamento;

III – ou difunda dados falsos, notícias fraudulentas ou fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, ainda que benéficas à usuária ou a usuário responsável pelo impulsionamento.” (Grifos do colunista)

Na sequência, ainda, o artigo 29 dispõe ser vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e ser vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet em sítios de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos; ou oficiais ou hospedados por órgãos ou por entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

No rádio e televisão é vedada qualquer propaganda paga, estando permitido apenas o horário eleitoral gratuito, conforme dispõe o artigo 48 da norma já citada.

Temos, então, um panorama do que não é admitido na propaganda, seja na pré-campanha ou após o dia 16 de agosto. Esses artigos citados, combinados com o 3º-A, nos dizem que, se algum desses meios vedados forem utilizados, mesmo que não haja pedido explícito de voto, haverá propaganda antecipada ilícita, passível de multa.

Meios permitidos

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fazendo o raciocínio do sistema como um todo, podemos entender que os meios de propaganda permitidos na campanha, como anúncio na imprensa escrita, realização de carreata e uso de jingle, por exemplo, estão permitidos no período de pré-campanha.

Assim tem se posicionado o Tribunal Superior Eleitoral, que já decidiu [2] que “além da ausência de pedido explícito de votos, a realização de carreata e a divulgação de jingle de campanha não são vedadas no período eleitoral. Ademais, inexiste mácula ao princípio de isonomia entre os candidatos. Desse modo, não se verifica a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada”.

Ainda, há que se atentar para o conteúdo do artigo 3º-C da resolução referida, que trata das regras de transparência quando utilizadas tecnologias digitais em período de pré-campanha, tema que já foi analisado em outro artigo publicado aqui no ConJur [3]. Não se pode desconsiderar, também, a evidente vedação a conteúdos notoriamente inverídicos e gravemente descontextualizados.

Análise maximizadora

Analisando caso concreto de alegação de propaganda antecipada ilícita [4], o TSE assentou que a análise das permissões legislativas para a pré-campanha “deve-se dar de forma sempre maximizadora, sob pena de criação de um modelo eleitoral em que o prazo oficial de campanha é excessivamente curto e no qual não há margem razoável de apresentação de futuros postulantes em período anterior, com claro comprometimento da competitividade eleitoral e da renovação política”.

Importante referir, ainda que não seja objeto deste artigo, que os gastos decorrentes da propaganda aqui tratada deverão observar os parâmetros adotados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, podemos concluir que a velha e inesquecível lição de que o acessório, que seria a propaganda antecipada, segue a sorte do principal, a propaganda durante o período eleitoral [5]: se uma determinada forma de propaganda eleitoral é vedada na campanha eleitoral, também o é na pré-campanha. O que vale, obviamente, também para as permissões.

 


[1] https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Junho/presidente-lula-e-boulos-sao-condenados-ao-pagamento-de-multa-por-propaganda-eleitoral-antecipada#:~:text=O%20juiz%20da%202%C2%AA%20Zona,mil%2C%20respectivamente%2C%20pela%20realiza%C3%A7%C3%A3o%20de (acesso em 14/7/2024, 19h30)

[2] AgR-REspEl nº 060007302, rel. min. Luis Felipe Salomão, DJe de 1/9/2021

[3] https://www.conjur.com.br/2024-abr-22/tse-nao-regulamentou-o-uso-da-inteligencia-artificial-apenas-na-campanha/ (acesso em 14/7/2024, 22h17).

[4] Representação 060068143/DF, relator(a) min. Maria Claudia Bucchianeri, Acórdão de 28/10/2022, publicado em Sessão 403, data 28/10/2022.

[5] Recurso Eleitoral 060005340/RN, relator(a) des. José Carlos Dantas Teixeira de Souza, Acórdão de 08/3/2022, publicado no Diário de justiça eletrônico, data 11/3/2022, pag. 04/05

Autores

  • é advogada, presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e membro consultora da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB.

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