Opinião

Vedação ao crédito de IBS e CBS pelos adquirentes de planos de saúde

Autor

  • Frederico Menezes Breyner

    é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Mestre e doutorando em Direito Tributário (UFMG). Professor da Faculdade de Direito Milton Campos.

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14 de julho de 2024, 15h28

O artigo 156-A, §1º, VIII, da Constituição, estabeleceu um modelo de não-cumulatividade ampla para o IBS e para a CBS, com hipóteses limitadas de restrição aos créditos pelas aquisições de bens e serviços. Segundo o dispositivo, todas as operações com bens e serviços destinadas aos contribuintes geram créditos, e apenas duas exceções são previstas: operações destinadas a uso e consumo pessoal especificadas em lei complementar e hipóteses previstas na Carta Magna.

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Este artigo analisa uma dessas hipóteses previstas na Constituição, estabelecida pelo artigo 156, §6º, II, da Constituição. O dispositivo prevê a possibilidade de um regime específico de tributação para, dentre outras atividades, aquela com planos de assistência à saúde. De acordo com a alínea ‘a’ do dispositivo, a lei complementar institutiva desse regime específico tem autorização constitucional para alterar alíquotas, regras de creditamento, base de cálculo e afastar a aplicação da não-cumulatividade aos contratantes dos planos de assistência à saúde.

O PLP 68/2024, já na sua versão substitutiva decorrente da atividade do grupo de trabalho instalado na Câmara dos Deputados, estabelece uma base de cálculo com deduções específicas (artigo 229) e uma redução de 60% da alíquota do IBS e da CBS (artigo 230) para a atividade de planos de assistência à saúde. O artigo 231 do PLP 68/2024, por sua vez, veda o creditamento para os adquirentes de planos de saúde, constituindo o objeto deste artigo.

A questão jurídica envolvida nessa vedação vai além da existência de um suporte constitucional para tanto. Fosse este o único critério de validade da restrição, inexistiria espaço para discussão no âmbito do direito, pois o artigo 156-A, §6º, II, ‘a’, da Constituição atribui uma faculdade à lei complementar de assim fazê-lo.

Contudo, como já defendido em obra anterior, as normas tributárias podem ser veículos de restrição ou de promoção de direitos fundamentais sociais [1], principalmente em sua dimensão positiva que impõe ao poder público, além do dever de prover os bens e serviços necessários à sua fruição, também o dever de adotar medidas para facilitar o acesso a esses bens e serviços, quando fornecidos pela iniciativa privada.

E não há dúvidas de que a possibilidade de ser atendido por uma cobertura ofertada por um plano de saúde é um meio para se concretizar o direito fundamental à saúde. Estruturas jurídicas que tornem mais acessíveis esses serviços sem implicar regressividade tributária ou prestacional integram o âmbito do direito fundamental à saúde, em suas diversas manifestações.

Spacca

A vedação ao creditamento de IBS e CBS aumenta os custos para as empresas que contratam coberturas de planos de saúde destinados a seus trabalhadores, os chamados planos empresariais. As empresas podem suportar um ônus tributário adicional porque não poderão recuperar os créditos do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento do plano de saúde.

Isso pode aumentar os custos de se oferecer benefícios de saúde aos trabalhadores, o que pode importar em não renovação dos contratos, reduções na cobertura, ou na opção de repassar esses custos adicionais aos trabalhadores. Todas essas alternativas implicam restrições ao direito dos trabalhadores a serviços de saúde, pois poderá levar à ausência ou maior dificuldade de ter acesso a uma cobertura de serviços de saúde por parte dos trabalhadores que se utilizam dos empresariais.

Restrição ao direito à saúde

Portanto, inexistindo razões distributivas consistentes em reduzir a regressividade do sistema tributário, a opção manifestada pelo artigo 231 do PLP 68/2024 representa descumprimento do dever de facilitar o acesso aos bens e serviços necessários à concretização do direito à saúde.

A teor da literatura [2] e jurisprudência [3] na matéria, qualquer medida que possa ser visualizada como uma medida mais restritiva aos direitos sociais deve ser acompanhada de justificativa estatal apta a sustentá-la. Essa justificativa deve estar apoiada na melhoria da estrutura progressiva do sistema tributário (ou redução de sua regressividade) ou no aumento da eficácia de outros direitos sociais previstos no direito interno ou em normas internacionais. No presente caso, a vedação ao crédito, como visto, é mais restritiva do que a concessão do crédito. E a justificativa para tanto é exposta no item 159 da exposição de motivos da versão original do PLP 68/2024, consignando que os “beneficiários dos planos de saúde são pessoas físicas”.

A justificativa, bastante sucinta para um tema com tão relevante impacto, parece sustentar que se trata de serviço de consumo pessoal, reconduzindo a restrição à previsão do artigo 156-A, §1º, VIII, da Constituição. O motivo declinado, contudo, é simplista e adota uma ótica individual e incompleta.

Além de beneficiar individualmente o trabalhador que tem acesso ao plano de saúde, o acesso a planos de saúde empresariais complementa os esforços do sistema público de saúde, aliviando a pressão sobre o SUS e garantindo que mais pessoas tenham acesso a cuidados médicos. As empresas que fornecem planos de saúde aos seus funcionários desempenham um papel nesse sistema e contribuem para a saúde pública de forma geral.

Para além disso, a garantia de cobertura de cuidados de saúde é relevante para o próprio desempenho empresarial. O trabalhador coberto terá maior segurança social, o que lhe permitirá desenvolver sua atividade profissional com mais tranquilidade e confiança. A oferta de planos de saúde pelas empresas não é apenas um benefício específico para os funcionários; é uma medida estratégica para garantir a segurança e o bem-estar dos funcionários.

Trabalhadores saudáveis geralmente são mais produtivos, menos ausentes e mais satisfeitos com seu trabalho. Portanto, os planos de saúde são um investimento no capital humano da empresa, pois criam um local de trabalho mais competitivo e mais eficiente. Logo, não se justifica a visão individualista e parcial da exposição de motivos, pois não se trata de serviço de consumo pessoal.

Em conclusão, a favor do direito ao crédito apresentam-se o princípio da não-cumulatividade, o direito fundamental à saúde e um conceito de serviço de consumo pessoal mais afinado com a função social da empresa e com a própria inserção dos trabalhadores no mercado. Contra o direito ao crédito apenas uma interpretação individualista e parcial do conceito de serviço de consumo pessoal.

A faculdade para que a lei complementar escolha entre a vedação ou autorização do crédito nada diz a respeito com a substância e mérito da questão, é apenas uma regra formal de competência. Ainda há tempo de alterar o artigo 231 do PLP 68/2024. Caso contrário, espera-se que aqueles princípios sejam concretizados pela jurisprudência, em mais um evitável episódio de contencioso tributário.

 


[1] BREYNER, Frederico Menezes. Direito tributário e a positivação internacional dos direitos sociais. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 158 e seguintes.

[2] SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 453.

[3] COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS (CESCR). General comment nº 13: the right to education (article 13 of the Covenant). Document E/1992/23. 21th session, 1999, paragrafo 45.

Autores

  • é advogado tributarista (Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados), mestre, doutor, e pós-doutorado em Direito Tributário pela UFMG e professor da graduação e do mestrado acadêmico em direito da Faculdade de Direito Milton Campos.

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