Opinião

Concurso de credores e penhoras preferenciais

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  • é advogado no escritório Reis Advogados pós-graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP) com especialização em Processo Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu).

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13 de julho de 2024, 7h05

A recuperação judicial de crédito é uma tarefa árdua, que demanda pesquisas patrimoniais, estratégias e resiliência, frente a crescente inadimplência e, diante de decisões judiciais desfavoráveis, sem a devida tecnicidade e hermenêutica. O cenário é deletério ao risco Brasil, encarecendo o crédito, em face de cenários de insegurança jurídica, sobre certos temas do contencioso judicial.

mindandi/Freepik

Nesse compasso, um tema bastante discutido nas contendas judiciais é o instituto da penhora no rosto dos autos, muito utilizado por credores trabalhistas e fiscais nos certames executivos dos credores singulares de seus demandados, onde não há coincidência de penhora.

Veja-se a seguinte casuística. O processo tramita há anos, na busca de bens passíveis para a garantia do débito, sem contar, os entraves, como as custas de avaliação e riscos e incertezas do leilão judicial, até que, finalmente, ocorre a alienação do bem e depósito do seu valor pelo arrematante nos autos.

Todavia, em ato contínuo, o credor é surpreendido com a entrada de um terceiro interessado, no processo, o credor preferencial (trabalhista ou fiscal) invocando o instituto da penhora no rosto dos autos da contenda singular.

Em decorrência desses pedido e sem atentar a hermenêutica, frisa-se, de forma precipitada, muitos credores renunciam ao crédito, em flagrante perda de oportunidade de recuperar o seu crédito.

Com efeito, para melhor compreensão dessa assertiva importante é necessário compreender o instituto da penhora no rosto dos autos e seu contexto processual, conforme veremos a seguir.

CPC

De início, cumpre frisar a mudança do texto da norma do artigo 860 do vigente Código de Processo Civil ao consignar que “a penhora que recair sobre ele será averbada, com destaque” em contraposição, ao contido no artigo 674, do revogado CPC de 1973: “averbar-se-á no rosto dos autos a penhora, que recair nele e na ação que lhe corresponder”.

De imediato, parece uma mudança sutil, para fins de eliminar prolixos, contudo, em verdade, veio para aperfeiçoar a sua tecnicidade e escopo jurídico no processo, qual seja, de não implicar em instauração de concurso de credores, pois representa expectativa de direitos e somente se satisfazem em caso de existência de saldo remanescente na contenda singular.

Não estamos discutindo a preferencialidade destes credores, que por óbvio são, mas apenas o momento da satisfação deles, ora condicionada à existência de saldo remanescente em favor do executado, ao final da execução. Havendo saldo e concorrendo o ora terceiro credor com outros pares, aí sim poderá invocar a sua preferência.

Chega-se a essa mens legis pelo fato da “penhora no rosto dos autos” tratar-se de penhora de saldo remanescente, após a satisfação do crédito pretendido na execução singular, momento no qual decidirá o juiz competente sobre a preferência de cada penhora em observância à ordem de preferência e ao princípio da anterioridade.

Em síntese: a mera anotação da penhora no rosto dos autos não implica na participação do concurso de credores!

Oportuno trazer a recente lição do relator Thiago de Siqueira, em matéria idêntica, por ocasião do julgamento do AI nº 2057840-94.2024.8.26.0000:

“Depreende-se, de tais elucidações que a penhora no rosto dos autos trata-se de penhora de saldo remanescente após a satisfação do crédito pretendido na execução singular, momento no qual decidirá o juiz competente sobre a preferência de cada penhora em observância à ordem de preferência e ao princípio da anterioridade.”

Cuja ementa, transcrevemos:

“Execução de título extrajudicial Decisão que rejeitou o pedido do ora agravante de levantamento dos valores penhorados em conta bancária da executada Penhora no rosto dos autos da execução de origem, ajuizada pelo banco agravado, em decorrência de crédito trabalhista pertencente ao agravante Ausência de concurso de credores De acordo com entendimento do C. STJ, na execução singular, só há concurso de credores quando há coincidência de penhora, ou seja, quando os credores penhoram o mesmo bem Inexistência de comprovação de penhora do mesmo bem. Não configuração de concurso de credores Crédito da execução de origem que deve ser satisfeito primeiro, para então discutir a preferência dos demais credores Decisão mantida Recurso improvido” (AI n. 2057840-94.2024.8.26.0000. Rel. Des. Thiago de Siqueira. 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgado em 03/05/2024).

A propósito da existência de concurso de credores em execução, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu-se adotando o seguinte entendimento:

“Em execução por quantia certa, há dois sistemas: a execução concursal ou universal e a execução singular. A primeira pressupõe insolvência, regida pelo princípio da par conditio creditorum, que nivela todos os credores e, consequentemente, credores de mesma categoria submetem-se a um concurso de credores. Já na execução singular vigora o princípio prior in tempore, potior in jure (primeiro no tempo, primeiro no direito), ou seja, o princípio da ordem das prelações da penhora. O credor que penhorou em primeiro lugar recebe seu crédito antes do credor que penhorou em segundo, e assim sucessivamente. Quanto ao direito de preferência, a lei processual civil estabelece que a prioridade é por data de penhora: quem primeiro penhorou tem a preferência, não importando as datas de ajuizamento das ações. Assim, na execução singular, só há concurso de credores quando há coincidência de penhora, ou seja, quando os credores penhoram o mesmo bem. Isso é o que está no art. 612, que estabelece a preferência, cuja interpretação deve ser feita considerando-se os arts. 709, 710 e 711. Embora o inciso II do art. 709 do Código de Processo Civil de 1973 preveja que, antes de entregar o dinheiro ao credor, verificar-se-á se não há uma preferência ou um privilégio, estas só existirão se o credor dessa condição, que pode ser o trabalhista ou o fiscal, penhorar o bem. Depois de alienado o bem na execução, o fisco ou o credor trabalhista que não efetivaram a penhora não podem exercitar o seu direito de privilégio” (REsp 1.278.545-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, por unanimidade, julgado em 2/8/2016, DJe 16/11/2016).

Cabe aqui, para fins de exegese, a hermenêutica dos seguintes artigos:

“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Parágrafo único. Recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, cada exequente conservará o seu título de preferência”

“Art. 905. O juiz autorizará que o exequente levante, até a satisfação integral de seu crédito, o dinheiro depositado para segurar o juízo ou o produto dos bens alienados, bem como do faturamento de empresa ou de outros frutos e rendimentos de coisas ou empresas penhoradas, quando:

I – a execução for movida só a benefício do exequente singular, a quem, por força da penhora, cabe o direito de preferência sobre os bens penhorados e alienados”

“Art. 907. Pago ao exequente o principal, os juros, as custas e os honorários, a importância que sobrar será restituída ao executado”

“Art. 908. Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências.”

Levando em consideração esses aspectos podemos erigir as seguintes notas conclusivas, sobre a penhora no rosto dos autos:

  • (i) A penhora no rosto dos autos, quando não há coincidência de penhora, não implica em instauração de concurso de credores;
  • (ii) Portanto, não acarreta em preferência no crédito da execução de origem;
  • (iii) Não se trata de medida expropriatória imediata, e, sim, mera expectativa de recebimento de bem economicamente aferível;
  • (iv) Está condicionada à existência de saldo remanescente em favor do executado, ao final da execução;
  • (v) Havendo saldo e concorrendo o terceiro credor com outros pares, aí sim poderá invocar a sua preferência.

Em face desta celeuma não está aqui se cogitando de haver uma antinomia, tampouco se fazer lobby em favor de determinado setor/segmento da atividade econômica.

Spacca

Defendemos a necessidade de se interpretar a lei de forma lógica e sistemática, com o escopo de garantir a própria unidade, coerência e coesão do ordenamento jurídico e, consequentemente, a tão almejada segurança jurídica, na casuística desse instituto nas execuções singulares, garantindo a efetividade da execução, sem desrespeitar os direitos das partes envolvidas.

Norberto Bobbio [1] apresenta os pressupostos do ordenamento jurídico: único, coerente e completo, capaz de superar todas as antinomias e lacunas verificáveis, sem perder a autonomia.

Com efeito, e, realçando-se a importância da hermenêutica na aplicação do Direito, a mens legis aqui defendida quanto ao tema é oriunda de uma interpretação lógica e sistemática do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, leciona Maximiliano: [2]

“O processo Lógico propriamente dito consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Pretende do simples estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, obter a interpretação correta.”

“Consiste o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.

Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as consequentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma.”

Depreende-se, de tais elucidações que a penhora no rosto dos autos trata-se de penhora de saldo remanescente após a satisfação do crédito pretendido na execução singular, momento no qual decidirá o juiz competente sobre a preferência de cada penhora em observância à ordem de preferência e ao princípio da anterioridade.

 


[1] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999, p. 22; PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito, 2008.

[2] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Editora forense, 17ª edição. Pág. 123 e 128.

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  • é advogado no escritório Reis Advogados, pós-graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com especialização em Processo Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu).

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