Consensualidade na administração pública: diálogo, eficiência e segurança jurídica
12 de julho de 2024, 15h14
A gestão de conflitos pode gerar consideráveis impactos sociais e econômicos, não só pela necessidade de adequação das soluções ao caso concreto, bem como pelo timing correto. O estudo dos métodos adequados de resolução de conflitos faz parte de uma das linhas de pesquisa do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Justiça, [1] sob a coordenação do ministro Luis Felipe Salomão, que vem se debruçando sobre a solução de conflitos, incluindo as opções intermediadas pela tecnologia.
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Desde a sua fundação, a FGV Justiça desenvolveu as pesquisas “Especialização e consensualidade na recuperação de empresas”; [2] “Online dispute resolution: um estudo à luz da resolução nº 358 do CNJ”; [3] “Plataformas de e-commerce no Brasil”; [4] “Dispute board nos contratos de infraestrutura: análise das decisões dos tribunais”; [5] e “Ações anulatórias de sentença arbitral em números: como decidem os tribunais de justiça e o STJ?” [6]
Atualmente, a FGV Justiça desenvolve a pesquisa “Consensualidade no âmbito do TCU”, que tem o intuito de analisar o processo de solução consensual instituído pelo TCU.
Dentre as modificações operadas no âmbito da administração pública, podemos apontar o incentivo às práticas de consensuais, por meio de uma Justiça negociada, com menos formalidades e mais eficácia, e um novo modelo de administração pública, com a transição da verticalização para um modelo horizontal, que reconhece o administrado como um sujeito ativo na dinâmica da governança pública. [7]
Nesse contexto, foi criada a Câmara de Mediação do Tribunal de Contas da União, com o objetivo de permitir a institucionalização de um ambiente de diálogo entre público e privado, sob a orientação do interesse público primário, da eficiência e da segurança jurídica. [8]
O processo de solução consensual instituído pelo TCU é um mecanismo para solucionar controvérsias relevantes e prevenir conflitos relacionados a órgãos e entidades da administração pública federal, em conformidade com o disposto no artigo 26 da Lindb (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que prevê a celebração de compromisso pelo poder público.
Para viabilizar o processo de solução consensual no TCU, foi criada a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) em dezembro de 2022, com suas competências definidas pela Instrução Normativa (IN) 91/2022, alterada pela IN 92/2023, e com o objetivo de contribuir para a efetividade das políticas públicas e a segurança jurídica de soluções construídas de modo colaborativo [9] e célere com a sociedade e os entes públicos e privados que tenham relação direta com o objeto da controvérsia. Essa normativa foi inspirada no princípio da eficiência, incluído na Constituição Federal do Brasil somente com a Emenda Constitucional 19/1998.
A pesquisa “Consensualidade no TCU” analisou os casos submetidos à apreciação da SecexConsenso e teve os seguintes objetivos específicos: mapear e analisar os procedimentos adotados pela SecexConsenso; identificar e examinar os principais desafios, barreiras e obstáculos enfrentados na concretização da cultura do consensualismo no âmbito da administração pública; investigar as estratégias de maior eficiência na autocomposição entre o Poder concedente, as agências regulatórias e as empresas para a resolução de conflitos; consolidar os dados sobre os casos que já tramitaram e os que estão em tramitação na SecexConsenso; analisar a natureza jurídica da decisão tomada pelo TCU.
Os casos dizem respeito às áreas aeroportuária, ferroviária, de telecomunicações e de energia. Trata-se de mediações técnicas, que contam com a participação dos atores implicados no conflito, sob a intervenção do Ministério Público e a vigilância do Tribunal de Contas da União.
Quesitos
A pesquisa identificou os seguintes quesitos em cada um desses processos: ano da decisão do plenário, nome do julgador, tipo de concessão ou contrato, agência reguladora, verificação da existência de litígio prévio, inadimplência do Estado e/ou da concessionária, aspectos da autocomposição, concessões da União e da concessionária, riscos assumidos pela União e pela concessionária.
Nos sete casos analisados, em quatro houve a participação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em dois, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e em 1, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O montante estimado envolvendo as demandas submetidas à SecexConsenso é da ordem de 220 bilhões de reais e impacta setores regulados importantes para o desenvolvimento econômico. [10] A maioria dos casos trata de matéria judicializada, [11] nos quais soluções adequadas se revelam difíceis e com desdobramentos não desejados.
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A mediação técnica realizada está inserida num arranjo institucional que confere uma dinâmica apropriada e transparente, com a atuação de um auditor da SecexConsenso e de outro da área especializada correspondente. A atuação do TCU, na esteira do consensualismo, objetiva o aumento do diálogo, da eficiência e da economicidade do Estado por meio do diálogo entre o setor privado e a administração pública federal e descontroi a ideia, que antes engessava as engrenagens públicas, da impossibilidade de consenso em razão da indisponibilidade do interesse público.
Trata-se de mais uma iniciativa por parte da administração pública de consolidação da via consensual, na mesma esteira da Lei 13.140/2015 que já admitia a mediação pelo Poder Público, bem como de práticas consensuais já instituídas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Em que pese a suspensão temporária das atividades da SecexConsenso determinada no início de julho pelo ministro Bruno Dantas, em razão do Decreto 12.091/2024, que cria a “Rede Federal de Mediação e Negociação (Resolve)”, com o objetivo de avaliar repercussões nos processos em curso na Corte, as experiências já implementadas revelam o rompimento com a verticalidade do direito administrativo clássico, bem como a total compatibilidade do consensualismo com o princípio da indisponibilidade do interesse público. [12]
O estudo, com publicação prevista para setembro de 2024, tem a proposta de contribuir para o monitoramento do impacto dessas decisões consensuais, em particular, nesses processos de alta complexidade e repercussão econômico-social, bem como para o desenvolvimento da dogmática relacionada à matéria no âmbito do direito administrativo brasileiro. [13]
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[1] https://ciapj.fgv.br
[2] https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_recuperacaodeempresas_2ed.pdf
[3] https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_odr.pdf
[4] https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ecommerce.pdf
[5] https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_disputeboard.pdf
[6] https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/estudo_arbitragem_acoes_anulatorias.pdf
[7] DANTAS, Bruno; ZYLMER, Benjamin. “Consensualismo é inevitável na solução de conflitos”. O Estado de São Paulo, 21 jun. 2014, p. A-4.
[8] Idem.
[9] Cf. Em debate com especialistas, TCU aborda transformação no controle externo e inovações na lei de licitações. Portal TCU, 01 jun. 2024. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/em-debate-com-especialistas-tcu-aborda-transformacao-no-controle-externo-e-inovacoes-na-lei-de-licitacoes.htm. Acesso em: 11 jul. 2024.
[10] DANTAS, Bruno. Bruno Dantas: Um ano de SecexConsenso e a mediação técnica no TCU. Correio Braziliense, 01 fev. 2024. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2024/02/6796046-bruno-dantas-um-ano-de-secexconsenso-e-a-meditacao-tecnica-no-tcu.html. Acesso em: 12 jul 2024.
[11] Idem.
[12] DANTAS, Bruno. Consensualismo, eficiência e pluralismo administrativo: um estudo sobre a adoção da mediação pelo TCU. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 22, n. 127, jun./set. 2020. p. 265.
[13] Bruno Dantas e Benjamin Zymler destacam que a atuação da SecexConsenso reflete uma postura pró-ativa do TCU, alinhada aos melhores parâmetros do direito administrativo internacional, no sentido de desenvolver um “circuito republicano de negociação, com a participação dos principais representantes dos atores implicados, e com atenta intervenção do Ministério Público”.
Cf. DANTAS, Bruno; ZYLMER, Benjamin. “Consensualismo é inevitável na solução de conflitos”. O Estado de São Paulo, 21 jun. 2014.
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