Reflexões Trabalhistas

Validade do pedido de demissão quando a mulher não sabia que estava grávida

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12 de julho de 2024, 8h00

Não é novidade que a Constituição garante à empregada gestante o direito à estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos exatos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

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O objetivo da estabilidade provisória é proteger a mãe e o nascituro (conforme também determina o artigo 227 da CF), conferindo à trabalhadora grávida condições básicas de subsistência durante a gestação e nos primeiros meses de vida da criança, com a manutenção do emprego e a impossibilidade de dispensa, salvo em caso da prática de falta grave.

Sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou seu entendimento no sentido de que o fato de o empregador desconhecer a gravidez não afasta o direito à estabilidade (Súmula nº 244 do TST, inciso I); que o direito à reintegração da gestante só é possível durante o período de estabilidade (Súmula nº 244 do TST, inciso II); e que é irrelevante que o contrato seja por tempo determinado, pois uma vez comprovada a gestação, o direito à estabilidade prevalece (Súmula nº 244 do TST, inciso III).

Desconhecimento da gravidez pela profissional

A questão que pretendemos abordar no presente artigo, entretanto, diz respeito ao desconhecimento da gravidez pela trabalhadora que pede demissão. Neste caso, o pedido de demissão seria válido ou haveria renúncia à estabilidade provisória? Quais seriam os direitos da gestante que descobre a gravidez apenas após a rescisão do contrato de trabalho provocada por sua própria iniciativa?

Verificamos que os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), em várias oportunidades, já decidiram pela validade do pedido de demissão da empregada grávida, por entender que teria havido renúncia à estabilidade provisória. Neste sentido, vale destacar as seguintes decisões:

“RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. PEDIDO DE DEMISSÃO. VALIDADE. ESTABILIDADE GESTANTE NÃO CONFIGURADA. Hipótese em que o término do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa da autora, em razão da constatação da ocorrência de pedido de demissão válido, situação que revela a renúncia à estabilidade provisória da gestante assegurada no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT de 1988. Recurso não provido.” (TRT-13 – Recurso Ordinário Trabalhista: 00002129020245130002, data de julgamento: 2/7/2024, 1ª Turma, data de publicação: 5/7/2024)

“PEDIDO DE DEMISSÃO. NULIDADE. NÃO CARACTERIZADA. Formalizado o pedido de demissão de próprio punho e assinado pela empregada, não sendo comprovado qualquer vício de consentimento na sua elaboração, não há falar em nulidade, cabendo o afastamento da estabilidade provisória, pela renúncia expressa. Recurso ordinário da reclamada provido.” (TRT-2 – RORSum: 10000472020245020491, relator: Maria Cristina Christianini Trentini, 17ª Turma)

“GESTANTE. GARANTIA DE EMPREGO. PEDIDO DE DEMISSÃO. VALIDADE. As disposições contidas no art. 10, II, b, do ADCT, que proíbem a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, não se aplicam à hipótese dos autos, uma vez que o pedido de rescisão contratual partiu da reclamante, não restando comprovado vício de consentimento.” (TRT-3 – ROT: 0010776-26.2023.5.03.0008, relator: André Schmidt de Brito, 9ª Turma)

De fato, o artigo 10, II, “b”, do ADCT protege a empregada gestante e o nascituro da dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas não lhe garante direito à estabilidade provisória caso esta decida, livremente, pela resilição do contrato de trabalho.

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Deste modo, se não houver provas de vício de vontade que confira nulidade ao pedido de demissão, em princípio, este deve ser considerado válido.

Vício de consentimento

O desconhecimento do estado gravídico pela empregada não pode ser considerado vício de consentimento e, portanto, capaz de macular o pedido de demissão. Os vícios de consentimento referem-se à divergência entre a vontade real da parte e a vontade manifestada, ou seja, é a desconformidade entre a vontade e a declaração do agente.

Conforme determina o Código Civil, são cinco as modalidades de vício de consentimento: o erro ou a ignorância (artigo 138); o dolo (artigo 145); a coação (artigo 151); o estado de perigo (artigo 156); e, a lesão (artigo 157).

Todavia, entende o TST que, ainda que não tenha havido vício de vontade e mesmo que a empregada não detenha conhecimento de seu estado gravídico à época em que solicitar sua demissão, será nulo o pedido pois remanesce a necessidade de assistência sindical para a sua validade, conforme determina o artigo 500 da CLT:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.”

Aliás, esse é o entendimento consagrado pelo TST, para quem o referido dispositivo continua em plena vigência e se aplica a todas as modalidades de garantia provisória de emprego, e não exclusivamente às hipóteses da antiga estabilidade decenal. Nesse sentido são as seguintes ementas:

“RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA Nº 244, III, DO TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Esta Corte, adotando a teoria da responsabilidade objetiva, considera que a garantia constitucional prevista no art. 10, II, b, do ADCT é norma de ordem pública, irrenunciável, pois objetiva a proteção à maternidade e ao nascituro. 2. Dessa forma, interpretando o art. 500 da CLT, a jurisprudência firmou o entendimento de que é inválido o pedido de demissão sem assistência sindical da empregada gestante, independente da duração do contrato de trabalho ou da ciência do estado gestacional pelo empregador, uma vez que a validade do pedido de dispensa de empregada gestante está condicionada à homologação prevista no referido dispositivo. 3. Ademais, nos termos da Súmula nº 244, III, do TST, a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. 4. Nessa esteira, a jurisprudência desta Corte Superior permanece firme no sentido de que o fato de a trabalhadora ter sido admitida no regime do contrato de experiência não afasta o direito à estabilidade provisória prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tendo em vista que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 10, II,”b”, do ADCT exige apenas a anterioridade à dispensa imotivada. Precedentes. 5. A Corte de origem, ao afastar o direito à estabilidade provisória da reclamante, decidiu em desacordo com a jurisprudência desta Corte Superior. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR-10627-50.2021.5.18.0083, 3ª Turma, relator ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 26/3/2024).

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, a discussão acerca da validade do pedido de demissão firmado pela empregada gestante, sem homologação do sindicado da categoria, detém transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Transcendência reconhecida. Predomina nesta Corte o entendimento de que a assistência sindical é imprescindível nos casos de pedido de demissão de trabalhadora detentora da estabilidade provisória da gestante, ainda que haja desconhecimento da gravidez no momento do pedido. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR: 1001370-39.2019.5.02.0005, relator: Augusto Cesar Leite de Carvalho, data de julgamento: 11/6/2024, 6ª Turma, data de publicação: 14/6/2024)

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ARGUIDA EM CONTRAMINUTA. A reclamante, em contraminuta, argui a preliminar de não conhecimento do agravo de instrumento, sob o argumento de não ter atendido aos requisitos da Súmula nº 422, I, do TST. Diante da efetiva fundamentação do agravo de instrumento, não há incidência desse verbete. Preliminar rejeitada. ESTABILIDADE DA GESTANTE. RESCISÃO CONTRATUAL POR INICIATIVA PRÓPRIA. DESCONHECIMENTO DA GRAVIDEZ, À ÉPOCA DO PEDIDO DE DISPENSA. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SINDICAL OU DA AUTORIDADE COMPETENTE. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. Esta Corte tem firme entendimento no sentido de que o pedido de demissão da empregada gestante, ainda que desconhecido seu estado gravídico, sem assistência sindical ou da autoridade competente, não acarreta renúncia à estabilidade provisória, analogicamente nos termos do art. 500 da CLT. Como a decisão monocrática foi proferida em consonância com a mencionada jurisprudência pacificada por esta Corte, deve ser confirmada a negativa de seguimento do agravo de instrumento. Agravo interno a que se nega provimento, com incidência de multa.” (TST – Ag-AIRR: 00000125420235140111, relator: Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, data de julgamento: 26/6/2024, 6ª Turma, data de publicação: 28/6/2024)

Portanto, comprovado que a empregada estava grávida quando formalizou pedido de demissão, com ou sem conhecimento da própria gravidez, a rescisão contratual só será válida se houver assistência do sindicato da categoria ou autoridade competente, nos exatos termos da legislação trabalhista vigente.

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