Nulidade processual: ausência de intimação e vício transrescisório
11 de julho de 2024, 8h00
Uma das grandes problemáticas enfrentadas corriqueiramente pelos operadores do direito no processo do trabalho é a questão das nulidades. Nesse sentido, por vezes, depois do processo tramitar por um longo período, este pode vir a ser anulado em razão de um vício grave encontrado nos autos.
Dito isso, é sabido ser a advocacia indispensável à administração da justiça [1]. Neste contexto, questiona-se: o processo poderia ser anulado caso o advogado da parte não seja intimado para a prática de um ato processual? Quais seriam as consequências jurídicas dessa situação quando constatada no processo? A validade de citação pode ser considerada matéria de ordem pública? É possível a nulidade ser legitimada pelo decurso do tempo? E, mais, qual é o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre a matéria?
Por certo, muitas são as indagações envolvendo a nulidade por ausência de citação válida, até mesmo porque se trata não só de um assunto polêmico, como também de matéria muito debatida no âmbito da Justiça do Trabalho. Por isso, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo desta semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado, a Constituição Federal assegura em seu artigo 5º, inciso LV [3], o direito ao contraditório e a ampla defesa para os litigantes, em processo judicial ou administrativo, assim como para os acusados em geral. Lado outro, os artigos 794 a 798 da CLT [4] dispõem acerca das nulidades no processo do trabalho.
Lição de especialista
Acerca da temática, oportunos são os ensinamentos do Juiz do Trabalho e Professor, Doutor Mauro Schiavi [5]:
“Nulidade, segundo a melhor doutrina, é a privação dos efeitos de um ato jurídico. Na esfera processual, a nulidade acarreta perda do efeito de um ato processual, vale dizer: o ato processual não produzirá os seus efeitos pretendidos.
(…). É consenso na doutrina que as nulidades dos atos processuais podem ser absolutas, relativas, ou até mesmo o ato processual pode ser inexistente. De outro lado, há as chamadas irregularidades processuais, que são uma espécie de nulidade de menor potencial. São nulos os atos processuais quando violem normas de ordem pública e interesse social. O ato nulo não está sujeito à preclusão e pode ser declarado de ofício pelo juiz. São relativas as nulidades quando não violem normas de ordem pública. Dependem da iniciativa da parte, não podendo ser conhecidas de ofício.”
Vícios transrescisórios
Em observância aos citados ensinamentos doutrinários e à vista das normas jurídicas vigentes, pode-se afirmar, então, que um ato nulo não pode ser ratificado, tampouco não se tornará válido devido ao silêncio das partes ou ao decurso do tempo. Entrementes, há um amplo debate em torno dos chamados vícios transrescisórios, os quais resultam em nulidade absoluta do processo judicial e, por conseguinte, das decisões nele proferidas.
A nulidade absoluta que, conforme a doutrina, é conhecida e declarada de ofício, independentemente de procedimento especial, mesmo que incidentalmente, em qualquer grau de jurisdição, pode ser suscitada ainda que tenha ultrapassado o prazo estabelecido para a ação rescisória. Os estudos sobre o tema da transrescisiorariedade indicam sua aplicação quando ausentes os elementos da relação jurídica processual (querela nullitatis insanabilis — CPC, artigo 966, § 4º [6]), estando intimamente relacionada à própria existência da ação, na qual o vício em questão impede a formação do processo em si e, consequentemente, da coisa julgada propriamente dita.
À vista disso, vale lembrar que a nulidade absoluta, que se transforma em vício de rescindibilidade após o trânsito em julgado, atinge a estabilidade definitiva com o decurso do prazo de dois anos da ação rescisória, em fenômeno conhecido como “coisa julgada soberana”.
Contudo, existem nulidades tão importantes que eventual manutenção é algo absolutamente indesejado ao sistema jurídico, de sorte que surgem os chamados vícios transrescisórios, que, apesar de serem situados no plano da validade, não se convalidam com o tempo, podendo ser alegados a qualquer momento, como ocorre com o exemplo do vício ou a inexistência de citação.
TST
O Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a emitir juízo de valor no que diz respeito à temática envolvendo a nulidade de citação, de modo que o entendimento que prevaleceu no caso concreto foi de que tal cenário revela um vício transrescisório [7]. Em seu voto, o ministro relator destacou:
“Cabe aqui destacar, a título de esclarecimento, que, por versar sobre questão de ordem pública – que admite o manejo da exceção de pré-executividade – não há como se constatar a alegada preclusão, pois a nulidade de citação, face a gravidade que lhe acompanha, caracteriza-se como vício transrescisório, que permite a desconstituição da sentença mesmo após o decurso do prazo previsto para o ajuizamento da ação rescisória. Ou seja, nem mesmo o trânsito em julgado da sentença de mérito é capaz de convalidar o defeito de citação.”
É cediço que a Súmula 427 do TST [8] preceitua que se houver pedido expresso no processo judicial trabalhista para que as intimações e/ou publicações sejam feitas exclusivamente em nome de um(a) determinado(a) patrono(a), caso isso não venha ocorrer no bojo de sua tramitação, poderá ser declarada a nulidade do processo, exceto se não for constatado prejuízo.
Em outro caso semelhante [9], a Corte Superior Trabalhista entendeu que o prejuízo que ensejou a decretação da nulidade ao caso concreto foi o fato de inexistir um representante legal da empresa na sessão de julgamento do recurso, que foi seguido pelo desprovimento do apelo naquela instância. Por conseguinte, nenhum outro procedimento foi realizado após a decisão, porquanto não houve intimação para o acompanhamento dos atos processuais.
Nesse diapasão, verifica-se que o entendimento do TST caminha no sentido de que a nulidade de citação constitui vício absoluto, que não permite a formação da coisa julgada material, tendo em vista que não se convalida com o decurso do tempo, e que a falta de citação válida pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, mesmo após o trânsito em julgado.
Conclusão
Em arremate, constata-se que a citação é pressuposto de validade da própria relação jurídica, de sorte que a sua falta ou irregularidade acarreta nulidade processual, haja vista as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Portanto, indiscutível que a ausência de citação configura nulidade absoluta, constituindo-se em matéria de ordem pública, não limitada ao prazo decadencial de dois da ação rescisória, por se constituir em vício transrescisório não sujeito à preclusão ou ao fenômeno coisa julgada.
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[1] CF, Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[3] CF, Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…). LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[4] CLT, Art. 794. Nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes. Art. 795 – As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos. § 1º – Deverá, entretanto, ser declarada ex officio a nulidade fundada em incompetência de foro. Nesse caso, serão considerados nulos os atos decisórios. § 2º – O juiz ou Tribunal que se julgar incompetente determinará, na mesma ocasião, que se faça remessa do processo, com urgência, à autoridade competente, fundamentando sua decisão. Art. 796 – A nulidade não será pronunciada: a) quando for possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato; b) quando argüida por quem lhe tiver dado causa. Art. 797 – O juiz ou Tribunal que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende. Art. 798 – A nulidade do ato não prejudicará senão os posteriores que dele dependam ou sejam conseqüência.
[5] Manual de Direito Processual do Trabalho – 17. Ed.rev. atual e ampl. – Salvador. Editora Juspodivum, 2021, página 509.
[6] CPC, Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (…). § 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.
[7] Disponível em https://jurisprudencia.tst.jus.br/?tipoJuris=SUM&orgao=TST&pesquisar=1#1d661d1ea654fffd4df53d1a2deac4fa. Acesso em 8.7.2024.
[8] INTIMAÇÃO. PLURALIDADE DE ADVOGADOS. PUBLICAÇÃO EM NOME DE ADVOGADO DIVERSO DAQUELE EXPRESSAMENTE INDICADO. NULIDADE. Havendo pedido expresso de que as intimações e publicações sejam realizadas exclusivamente em nome de determinado advogado, a comunicação em nome de outro profissional constituído nos autos é nula, salvo se constatada a inexistência de prejuízo.
[9] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1057&digitoTst=51&anoTst=2010&orgaoTst=5&tribunalTst=02&varaTst=0251&submit=Consultar. Acesso em 8.7.2024.
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