Opinião

Multa qualificada e retroatividade da lei mais benéfica

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11 de julho de 2024, 18h24

O STF (Supremo Tribunal Federal) retomará em 14 de agosto o julgamento que definirá os limites da multa qualificada aplicada em casos de sonegação, fraude ou conluio. Esse julgamento, que possui repercussão geral, poderá trazer mudanças significativas na aplicação das multas tributárias. O foco é determinar se a modulação de efeitos deve ser aplicada, considerando que a multa qualificada, anteriormente fixada em 150%, foi reduzida para 100% pela Lei 14.689/23.

Dias Toffoli 2024

Dias Toffoli é o relator do julgamento

O processo iniciou-se no plenário virtual, com dois votos favoráveis à redução da multa para 100%, podendo alcançar 150% em caso de reincidência. No entanto, com o pedido de destaque feito pelo ministro Flávio Dino, o julgamento será reiniciado na sessão presencial, zerando o placar e possibilitando a mudança de votos pelos ministros que já se pronunciaram.

O relator do caso, ministro Dias Toffoli, em seu voto inicial, adotou os parâmetros da Lei 14.689/23, que reduziu a multa qualificada para 100% a partir de 21 de setembro de 2023. Ele propôs que essa decisão produza efeitos a partir da data do julgamento de mérito da ação, beneficiando assim os entes federados ao não exigir a devolução dos valores cobrados acima de 100% anteriormente. A modulação também prevê a ressalva das ações judiciais e processos administrativos em andamento até a publicação da ata do julgamento.

Para compreender o impacto dessa decisão, é essencial distinguir entre multa e tributo. O artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN) define tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Já a multa é uma sanção imposta pelo descumprimento de normas tributárias, tendo caráter punitivo.

O princípio da retroatividade benéfica, consagrado no artigo 106 do CTN, estabelece que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito quando deixar de defini-lo como infração, ou quando comine a ele penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática. Este princípio está alinhado com o artigo 5º, inciso XL da Constituição, que determina que a lei penal retroage para beneficiar o réu.

Portanto, quando se trata de multas, que possuem natureza punitiva, o princípio da retroatividade benéfica deve ser aplicado. Isso implica que a redução da multa qualificada de 150% para 100% pela Lei 14.689/23 deve retroagir para beneficiar os contribuintes.

Spacca

Princípio da retroatividade benéfica

A proposta de modulação de efeitos feita pelo ministro Toffoli visa a evitar que os entes federados tenham que devolver os valores cobrados acima de 100% antes da promulgação da Lei 14.689/23. No entanto, essa modulação contraria o princípio da retroatividade benéfica, privilegiando potenciais impactos arrecadatórios ou econômicos, uma vez que as multas não se confundem com tributos e possuem natureza punitiva.

Não se discute que a modulação de efeitos pode ser utilizada para preservar a segurança jurídica e a confiança legítima, mas sua aplicação em casos de multas deve ser cuidadosamente analisada para não violar princípios constitucionais fundamentais de defesa dos contribuintes e, nesse contexto, a aplicação do princípio da retroatividade benéfica é imprescindível para garantir justiça e equidade no sistema tributário.

O julgamento do STF sobre os limites da multa qualificada traz à tona a necessidade de se observar a distinção entre multas e tributos e de aplicar corretamente os princípios constitucionais ao caso. A decisão de não modular os efeitos seria mais alinhada com o princípio da retroatividade benéfica, evitando que contribuintes sejam prejudicados por sanções mais severas estabelecidas em leis anteriores.

Ao analisar os efeitos da Lei 14.689/23, é crucial entender que as multas tributárias, por sua natureza punitiva, visam não apenas  à arrecadação, mas também à dissuasão de comportamentos ilícitos. Portanto, aplicar a retroatividade benéfica em relação às multas qualificadas garante que os contribuintes não sejam penalizados de maneira desproporcional e que o sistema tributário permaneça justo e equitativo. Contudo, ao não exigir a devolução dos valores cobrados acima de 100%, a proposta do ministro Toffoli parece privilegiar o interesse arrecadatório dos entes federados, conquanto a pretendida modulação seja incompatível com os princípios constitucionais e a legislação complementar vigente.

Em resumo, a discussão no STF sobre a multa qualificada e a retroatividade da lei mais benéfica vis-à-vis a possibilidade de modulação de efeitos não apenas destaca a importância de uma aplicação justa das normas tributárias, mas também ressalta a necessidade de um sistema que equilibre efetivamente a arrecadação com a proteção dos direitos dos contribuintes. A decisão final terá implicações significativas para a justiça fiscal no Brasil, sendo um marco importante na definição dos limites das sanções tributárias e no prestígio ao princípio da retroatividade benéfica em matéria punitiva.

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