Opinião

Inconstitucionalidade da tese sobre incompatibilidade do furto mediante repouso noturno com qualificadoras

Autor

  • é graduado em Direito pelo Centro de Ensino de Superior de Jataí (Cesut). Pós-graduado em Ciências Penais pela Rede Luiz Flávio Gomes. Pós-graduado em Gestão Municipal pela Unemat. Colunista do site Justiça e Polícia coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos. Ex-asssessor institucional da Polícia Judiciária Civil do estado de Mato Grosso. Ex-diretor adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado e atuando também na Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Barra do Garças (MT).

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10 de julho de 2024, 17h24

Recentemente, em sede de recursos especiais repetitivos (Tema 1.087), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento que a causa de aumento de pena pela prática de furto no período noturno (artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal) não incide na forma qualificada do crime (artigo 155, parágrafo 4º, do CP), argumentando a questão da topografia dos tipos.

TheDigitalWay/Pixabay

O furto mediante repouso noturno tem a razão de ser causa de aumento de pena por ser justamente um período que há diminuição da vigilância pelo titular ou responsável sobre a propriedade e posse (e para alguns até a detenção) da coisa alheia móvel.

Noutro vértice, o furto qualificado parte de uma gravidade ainda maior que o legislador visualizou, como se fosse um “plus”, partindo o preceito secundário para patamares mais gravosos no apenamento em abstrato desta conduta.

Assim, quis o legislador ordinário prescrever condutas com causa de aumento de pena e qualificada, sem vedar expressamente a aplicação simultânea (mens legis).

De mais a mais, em que pese não desconhecer o julgado em sede de recursos especiais repetitivos (Tema 1.087) pelo STJ que estabeleceu que a causa de aumento de pena pela prática de furto no período noturno (artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal) não incide na forma qualificada do crime (artigo 155, parágrafo 4º, do CP)[1], entendemos com todo respeito equivocado o posicionamento, por falta de razoabilidade e proporcionalidade, já que equipara como menos grave ou de igual gravidade, um fato de furto qualificado e com causa de aumento de pena ao mesmo tempo (com qualificadoras compatíveis), com um fato de furto apenas contendo a causa de aumento de pena, com as mesmas consequências.

Tese inconstitucional do STJ por ferir o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, além de vulnerar direitos constitucionais a segurança pública e direito à propriedade

Obviamente que o fato de furto qualificado e com causa de aumento de pena é mais grave, porém o STJ equivocadamente ignorou isso, dando o mesmo tratamento, ferindo princípios constitucionais caros ao Estado democrático de Direito como o direito à propriedade e à segurança pública (além da proporcionalidade e razoabilidade), criando uma proteção deficitária desses bens juridicamente tutelados.

Argumento centrado apenas de que o parágrafo 1º se refere à pena de furto simples, prevista no caput do artigo 155 do CP, e não à do furto qualificado, não parece adequada para rechaçar a aplicação simultânea dos dispositivos. Somado a isto, argumentar que a lei descreveu três parágrafos depois do parágrafo 1º a se referir à pena de furto simples, prevista no caput do artigo 155 do CP, e não à do furto qualificado, seria impensável o legislador inserir essa “técnica” ao parágrafo 1º do artigo 155 após a pena atribuída à forma qualificada do delito — o que não ocorreu.

Com todo respeito e deferência ao STJ, mas nesse ponto acaba por conferir nesse prisma um tratamento inadequado, ilegal por ignorar a vigência da lei e posicionamento inconstitucional por ferir o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, além de vulnerar direitos constitucionais a segurança pública e direito à propriedade.

Aliás, levar a cabo esse entendimento do STJ teríamos reflexos em outros tipos penais como homicídio, roubo dentre outros, caminhando-se para um verdadeiro laxismo e anomia penal.

Frisa-se que a indigitada decisão do STJ acima não possui efeito vinculante, razão pela qual motivadamente e justificadamente deve ser refutada.

O próprio Supremo Tribunal Federal comunga do posicionamento de que a causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática.

No que tange ao entendimento da possibilidade de convivência da causa de aumento de pena com as qualificadoras, desde que observadas as compatibilidades (o que se verifica “in casu”), o STF também endossa este entendimento que diverge da posição da Corte da Cidadania, senão vejamos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. ARTIGO 155, § 4 º, I, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO NO FURTO QUALIFICADO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REDISCUSSÃO DOS CRITÉRIOS DE DOSIMETRIA DA PENA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. REITERAÇÃO DAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática. Precedente: HC 130.952, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 20/2/2017; RHC 172.782, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 22/8/2019. 2. A dosimetria da pena, bem como os critérios subjetivos considerados pelos órgãos inferiores para a sua realização, são insindicáveis na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual diverso […] [grifos nossos].

Das considerações finais

Por derradeiro, notamos que o STJ conferiu um tratamento inadequado, ilegal por ignorar a vigência da lei e posicionamento inconstitucional por ferir o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, além de vulnerar direitos constitucionais a segurança pública e direito à propriedade.

Ademais, a fim de demonstrar o equívoco do STJ, o próprio STF comunga do posicionamento de que a causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática.

Desta forma, aguarda-se que o tema em sede de repetitivo seja revisto pelo STJ, com a justiça sendo restabelecida, para se evitar o verdadeiro laxismo e anomia penal.

 


[1] O ministro apontou que o parágrafo 1º se refere à pena de furto simples, prevista no caput do artigo 155 do CP, e não à do furto qualificado, descrita três parágrafos depois.

Segundo Noronha, para que fosse considerada aplicável essa majorante no furto qualificado, o legislador deveria ter inserido o parágrafo 1º do artigo 155 após a pena atribuída à forma qualificada do delito – o que não ocorreu.

Autores

  • é pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (Unisul), pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e pela Universidade Aberta do Brasil, com extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas, colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos, ex-diretor adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso, ex-assessor institucional da Polícia Civil de Mato Grosso, ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, delegado de polícia no estado de Mato Grosso e atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco).

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