Opinião

Vulnerabilidade da inversão do ônus da prova no processo ambiental

Autores

  • é advogado sócio da Lobo e Vaz Advogados Associados graduado também em Contabilidade pela USJ/Estácio pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro e Estudos Tributário) especialista em Direito Processual Civil pelo Cesusc/Esmesc e cursando pós-graduação em Direito Ambiental na Cesusc.

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  • é advogada juíza leiga na comarca do continente (Florianópolis) professora universitária doutoranda em Ciência Jurídica pela Università degli Studi di Perugia (Itália) e pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) mestre em Ciência Jurídica pela Widener University Delaware Law School (EUA) e pela Univali.

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  • é advogado mestre e doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pós-doutor e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Vale do Itajaí e professor visitante da Widener University-Delaware Law School (EUA) e da Universidad de Alicante (Espanha).

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9 de julho de 2024, 15h24

No âmbito do Direito Ambiental, não é novidade para os juristas e profissionais da área a existência de institutos de proteção ao meio ambiente em detrimento do direito e do interesse das empresas e pessoas físicas.

Gustavo Lima/STJ

Vamos buscar aqui analisar o previsto na Súmula 618 do Superior Tribunal de Justiça, a qual possui a seguinte redação: “Direito Ambiental – Dano ambiental. A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.

Segundo julgamento paradigma da 2ª Turma do STJ [1], a inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplica-se universalmente a todas as ações civis públicas e não apenas nas relações de consumo. Isso tem como base o brocardo in dubio pro natura, que justifica a transferência do ônus para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa, que deve comprovar a segurança de seu empreendimento.

Dessa forma, os argumentos lançados pelo Superior Tribunal de Justiça evidenciam que, no Direito brasileiro, mesmo diante do chamado “ônus dinâmico da prova”, a distribuição da carga probatória somente é afastada da regra geral (artigo 373 do Código de Processo Civil — autor deve constituir o seu direito e o réu apresentar fatos impeditivos, extintivos ou modificativos) quando presentes requisitos legais “substantivos”, pré-determinados, sob pena de exigirmos a “probatio diabólica”.

Portanto, não basta, para a inversão desse encargo processual, a simples argumentação de conflito aparente de normas entre o interesse do particular — como o muito utilizado Direito da Precaução na esfera ambiental, sem que exista acervo processual uníssono para fundamentar a culpabilidade.

Verossimilhança ou vulnerabilidade

Para aplicar a inversão do ônus da prova, é necessário que estejam presentes requisitos legais pré-determinados, conforme previsto nos artigos do CDC e da Lei de Ação Civil Pública [2].

Abastecendo-nos de criticar a conjugação do artigo 6º do CDC (disposição presente no Título I desta lei) com o artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública (possibilita a aplicação das previsões do Título III do CDC), o fato é que, para inversão do ônus da prova, fundamentado nesses artigos, é necessária a verossimilhança das alegações ou a vulnerabilidade de uma das partes.

– Vulnerabilidade: no contexto ambiental, o Ministério Público, principal legitimado para a defesa do meio ambiente, não pode ser considerado vulnerável devido ao vasto aparato organizacional e processual à sua disposição para satisfazer seu múnus público e encargo probatório nos procedimentos que for parte.

Portanto, considerando a capacidade processual das partes envolvidas em demandas ambientais, impertinente caracterizar o Ministério Público como vulnerável, para fundamentar a aplicação da inversão do ônus da prova.

Aliás, a prática demonstra que se há uma parte hipossuficiente em demandas ambientais, esta é aquela adicionada no polo passivo. Isso porque somente um percentual pequeno de empresas tem poderio econômico suficiente para fazer frente aos instrumentos processuais colocados à disposição do Ministério Público. Ainda, muitas vezes a atuação do Parquet se assemelha a um assédio judicial, exigindo defesa, laudos e estudos socioambientais custosos.

– Verossimilhança: de acordo com a definição de Rosemiro Pereira Leal [3], verossimilhança exige um “instrumento de prova já existente nos autos e perpassado pelo contraditório”, não sendo suficiente uma simples cogitação de possibilidade.

Ora, esclarecido que verossimilhança (em sua definição processual) necessita de “instrumento de prova já existente nos autos e perpassados pelo contraditório” para dar supedâneo às “conclusões verossímeis” e seus efeitos jurídicos, e não decorre de mera cogitação de possibilidade ou probabilidade, fica claro que para correta aplicação do disposto na Súmula 618 do STJ é necessário a presença dessa base de prova para concessão da inversão do ônus da prova.

Conclusão

Assim, muito embora a proteção do meio ambiente seja um importante dever constitucional não só para poder público, mas também de toda coletividade (artigo 225, da CRFB/88), a utilização dos institutos e procedimentos para a persecução desse objetivo deve respeitar o Estado Democrático de Direito (Constituição e normas infraconstitucionais), sob pena de serem legitimadas odiosas arbitrariedades contra empresas e pessoas.

 


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Recurso Especial 883.656/RS. […] 2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.

[…]

  1. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).
  2. Como corolário do princípio in dubio pro natura, “Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução” (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar “que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva” (REsp 1.060.753/SP, rel. min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 14.12.2009).
  3. 7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo. Relator: Min. Herman Benjamin, 28 de fevereiro de 2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=895689&num_registro=200601451399&data=20120228&formato=PDF. Acesso em: 12 mai. 2024.

[2] Art. 6º, VIII, do CDC “A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

Art. 21 da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública): “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

[3] LEAL, Rosemiro Pereira. Antecipação de Tutela: Verossimilhança e Inequivocidade na Tutela

Antecipada em Processo Civil. Revista SÍNTESE de Direito Civil & Processual Civil, Porto Alegre, v. 1, n.2, Doutrinas p. 17, nov/dez. 1999. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDC_02_17.pdf. Acesso em: 12 mai. 2024

 

Autores

  • é advogado, sócio da Lobo e Vaz Advogados Associados, graduado também em Contabilidade pela USJ/Estácio, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro e Estudos Tributário), especialista em Direito Processual Civil pelo Cesusc/Esmesc e cursando pós-graduação em Direito Ambiental na Cesusc.

  • é advogada, juíza leiga na comarca do continente (Florianópolis), professora universitária, doutoranda em Ciência Jurídica pela Università degli Studi di Perugia (Itália) e pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), mestre em Ciência Jurídica pela Widener University, Delaware Law School (EUA) e pela Univali.

  • é advogado, mestre e doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, pós-doutor e docente permanente do programa de pós-graduação em Ciência Jurídica da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), ex-presidente da Comissão do Meio Ambiente da OAB-SC, membro das Comissões de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros–IAB, membro das Comissões de Bioética e de Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de SC-Iasc e membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB e professor visitante da Widener University — Delaware Law School (EUA) e da Universidad de Alicante (Espanha).

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