Opinião

O Instituto dos Advogados de São Paulo e a Revolução Esquecida de 1924

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9 de julho de 2024, 7h07

O ano era 1924. O Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) então era conhecido como Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo (Ioasp). Comemorava, ele, seus 50 anos. Meio século de vida. Muitas glórias havidas. No entanto, dois anos após a Revolta do Forte de Copacabana (momento no qual militares tenentistas buscaram derrotar o governo federal), irrompeu, agora na pauliceia, o que veio a ser conhecida como a Revolução Esquecida de 1924.

Arquivo Público do Estado de SP

Foi no dia 5 de julho daquele ano que as tropas, comandadas por Isidoro Dias Lopes — general reformado do Exército —, tomaram de assalto as ruas da capital paulista. Outros líderes militares (como o major Miguel Costa; o capitão Joaquim Távora; e os tenentes Juarez Távora, Eduardo Gomes, João Cabanas e Filinto Müller) também lá estavam. Conquistada a cidade, o presidente do estado, Carlos Campos, fugiu, possibilitando que os rebeldes ocupassem a sede do governo. O objetivo final, no entanto, era que a revolta se alastrasse, acabando por depor, no Rio de Janeiro, o presidente da República, Arthur Bernardes.

A resposta do governo federal não tardou. Nos dias que se seguiram houve forte ataque e bombardeio sobre a capital, gerando pânico a todos. Deram-se saques e assaltos, o que, de outra mão, segundo o então membro do instituto, Aureliano Leite, fez surgir simpatia por certa parte da população mais humilde. Heróis se destacaram, muitos, hoje, nomes de ruas. Histórias se firmaram, como a do valente que se sacrificou, ao se amarrar ao badalo do sino do Mosteiro de São Bento — então elétrico, em uma cidade que estava sem energia —, para, assim, forçando o contrapeso, fazer soar o sino com o intuito de avisar a todos sobre um dos bombardeios que se aproximava. Ao todo, cerca de 1.500 edificações foram destruídas. Os hospitais, dizia-se, não davam conta de tantos feridos. Para além disso, o abastecimento de água e luz foi prejudicado. Na Estação da Luz, os trens saíam lotados de passageiros, os quais buscavam fuga rumo ao interior do estado. Trincheiras foram erguidas e o medo corria pelas ruas.

Canhões desde o Campo de Marte atacaram o Palácio dos Campos Elísios, sede do governo. O Liceu Coração de Jesus foi, também, vítima de agressão, com vítimas várias. Ainda se veem, hoje, marcas dos tiros na chaminé da primeira usina de força da capital, junto do conhecido Quartel da Luz. Deram-se, ainda, disparos na região da Praça da Sé, na Liberdade, no Cemitério do Araçá e na Escola Politécnica, conforme relatam tantos livros, como é o caso de Sob Metralha (histórico da Revolta de São Paulo, de 5 de julho de 1924), de Cyro Costa e Eurico de Goes, ou São Paulo deve ser destruída: a história do bombardeio à capital paulista na Revolta de 1924, de Moacir Assunção.

Flores, panfletos e mais bombas

Foi, aliás, naqueles dias que a primeira aviadora de São Paulo, Anésia Pinheiro Machado — que tirara seu brevê em 1922 — fez, também, história. Próxima dos revoltosos, voava, então, sobre as tropas legalistas, e também sobre o encouraçado Minas Gerais (deslocado que fora a Santos), jogando flores e panfletos com a frase: “e se fosse uma bomba”?

Renato Silveira, presidente do Iasp

De todo modo, as bombas continuaram vindo. De se lembrar que também os bairros do Brás e Luz, depois das bombas, tiveram incêndios e mortes. O mesmo se deu na Mooca e Belenzinho. Naqueles absurdos eventos que só ocorrem em guerras, apesar de buscar acertar a Praça da República, se errou o alvo e se acertaram o Viaduto Santa Ifigênia, Largo São Bento e Largo do Paissandu. Ao fim e ao cabo, boa parte da cidade foi bombardeada, dos bairros humildes a Higienópolis, sendo contabilizados, pela prefeitura, 503 mortos e 4.846 feridos. O maior bombardeio da América Latina, teria sido dito por alguém.

Negociação e fuga

Não só a população civil, mas Estado e a Justiça foram, também, atingidos pela destruição, como o incêndio que arrasou o Fórum Criminal de São Paulo, na Praça João Mendes. No meio do caos, Macedo Soares, membro do Ioasp e presidente da Associação Comercial de São Paulo entabulou negociação entre rebeldes e legalistas. Conseguiu ele o compromisso de Isidoro Dias Lopes de não mais usar sua artilharia, contanto que os legalistas fizessem o mesmo. Junto com o prefeito e com o arcebispo metropolitano, tentou por todos os meios interromper a agressão. Entretanto, o presidente do estado, consultado por Arthur Bernardes, teria dito que “São Paulo prefere ver destruída sua bela capital antes do que destruída a legalidade no Brasil”.

Infrutíferos os esforços, acabou-se, derradeiramente, por ter a fuga em massa dos revoltosos, após pouco mais de 20 dias. Foi assim que cerca de 3.000 tenentes abandonaram São Paulo rumo ao interior. Vagaram, então, por meses, até aportar no Paraná, onde, em 1925, se juntaram a outros militares rebelados e liderados por Luís Carlos Prestes, dando início à conhecida Coluna Miguel Costa Prestes, depois, Coluna Prestes. O resto é história.

O processo e o instituto

De todo modo, passado o confronto, o então procurador criminal da República em São Paulo ofereceu denúncia (no que seria conhecido como “o Processo da Rebelião”) contra Isidoro Dias Lopes, e mais 700 pessoas. A acusação: tentativa de destruição da Constituição Política da República ou da forma de governo estabelecida (artigo 107, Código Penal de 1890).

O juiz federal encarregado, Washington de Oliveira, oficiou, em especial, ao presidente do Ioasp, Francisco Morato (recorde-se, a Ordem dos Advogados ainda não existia), para que este indicasse os advogados que pudessem exercer o que seria a curadoria dos réus ausentes. E assim foi feito. Mais de 300 eram os réus, sendo então representados por membros do instituto.

Elogios vários foram feitos, e que se encontram na seção de memórias do Iasp. O juiz federal mencionou “a beleza moral desse gesto em que se reflete a imagem ética daquele nobilíssimo Instituto, honrando a classe dos cultores do direito e a civilização de São Paulo”. O procurador criminal da República, Carlos Costa, por sua vez, pontuou que “a assistência dos mais eminentes advogados do foro paulista não somente emprestou grande relevo ao processo como também o cerceou de uma auréola de impecável respeitabilidade”.

Chama acesa

Cem anos se passaram. Muitos desses detalhes foram, em parte, e por muitos, esquecidos. O Instituto dos Advogados, hoje, se aproxima da comemoração de seus 150 anos. Continua ele, contudo, com seu original espírito altaneiro e defensor da Justiça, como o fez há cem anos passados. Mostra-se balizado, acima de tudo, pela democracia, pelo processo justo e correto, rejeitando qualquer forma de violência. Por esses, e tantos outros motivos, a Revolução de 1924 deve ser sempre recordada pelos de São Paulo e do Brasil, pois muitas de suas lições, mesmo de cidadania, ainda são de rigor. E o Iasp, bem como tantas outras entidades da sociedade civil, estará sempre a postos para não deixar o tempo obliviar o presente e manter, assim, em seu sesquicentenário, acesa a chama de sua missão, muitas vezes mais ilustre que agradável.

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