Opinião

Lei 14.133/2021: DFD para contratações diretas nos municípios

Autor

  • Fulvio Machado Faria

    é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (2012) especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de São João Del Rei UFSJ (2018) especialista em Direito Público pela PUC Minas (2018) mestre em Direito do Estado pela USP (2021) revisor da Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais advogado e assessor nas áreas de Direito Público em especial Direito Administrativo e Eleitoral na região do Sul de Minas Gerais.

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9 de julho de 2024, 19h43

A Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) trouxe da administração federal duas experiências novas paras as licitações em geral, a saber: o documento de formalização de demanda (DFD) e plano de contratações anual (PCA); prevendo a nova lei de licitações o DFD como elemento orientador para o PCA, conforme dispõe o artigo 12, inciso VII.

O documento de formalização de demanda vem sendo adotado na administração federal, antes mesmo da lei de 2021, com o propósito de os vários órgãos da administração federal registrarem suas demandas e estas poderem ser aglutinadas e agregadas para aquisições em escala e padrões de qualidades semelhantes, conforme se evidenciar na consolidação dada no PCA, buscando, entre vários objetivos outros, a racionalização das contratações a fim de obter economia de escala, padronização de produtos e serviços e redução de custos processuais. Em âmbito federal, a operacionalização e formalização das demandas se dão no Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC).

Em geral os DFDs são as solicitações de contratação, em um exercício com efeitos para o próximo, dos vários órgãos da administração; e o PCA é a consolidação dessas solicitações agregando-as com objetos de mesma natureza, obtendo assim objetivos de eficiência nas compras públicas quando de sua realização. Os DFDs são atos e o PCA o processo de consolidação desses atos. Os DFDs são descentralizados visto virem de vários órgãos da administração enquanto o PCA tem a função de organizar e centralizar esses atos. O DFD é plural e o PCA, singular.

Contudo, ao trazer essas experiências para a nova lei geral de licitações, como norma geral em todos os entes federados, o legislador não trouxe a obrigatoriedade da elaboração do plano de contratações anual e, por consequência lógica, da elaboração dos documentos de formalização de demanda. É o que se infere do artigo 12, inciso VII quando utiliza da expressão “poderão, na forma de regulamento, elaborar”. A facultatividade é reforçada por outros dispositivos da nova lei, por exemplo, no artigo 18 quando utiliza da expressão “sempre que elaborado”, ou seja, deixando claro que é uma faculdade a elaboração do PCA.

O Tribunal de Contas da União, inclusive, no Acórdão nº 1.637/2021, em plenário, de relatoria do ministro Augusto Sherman, registrou o posicionamento sobre a facultatividade do PCA, embora o afirme como mecanismo de planejamento e eficiência nas compras públicas, nestes termos:

Ainda que o legislador não tenha previsto, ao menos de modo expresso, a obrigatoriedade de utilização do referido plano (art. 12, inciso VII), é forçoso reconhecer que se trata de mecanismo integralmente alinhado aos princípios expressos do planejamento e da eficiência (Lei 14.133/2021, art. 5º, caput) e, no tocante às compras, da responsabilidade fiscal (art. 40, inciso V, alínea “c”), além de fomentar a transparência das atividades logísticas do Estado (Lei 14.133/2021, art. 12, §1º).

Disso resulta que, nos municípios, o DFD é um documento que somente existirá quando for regulamentada a necessidade de elaboração do PCA.

Nessas condições, quando determinado município não regulamentar e não adotar o plano de contratações anual, estará dispensado também da elaboração dos documentos de formalização de demandas.

Porém, na redação do artigo 72, inciso I, da Lei 14.133/2021, por imprecisão técnica, é exigido, quando da instrução do processo de contratação direta, o documento de formalização de demanda, mesmo que não haja plano de contratações anual em âmbito local.

Conflito normativo

Aqui se está diante de aparente conflito normativo, que pode ser resolvido sobre qual sentido se dar para o DFD de que trata o artigo 72, inciso I.

Na prática da administração pública municipal, é comum todos os processos licitatórios ou de contratação direta vir com a requisição do objeto com contornos gerais do objeto a ser contratado, sua necessidade para administração, seus requisitos etc.

Na prática é o próprio DFD da administração federal, porém com a temporalidade muito próxima da realização da licitação e não associado obrigatoriamente a um plano de contratações anual. Isso decorre da própria estrutura dessa administração pública que na grande maioria conta com estruturas administrativas mais simplificadas, com poucos níveis hierárquicos e pouca descentralização administrativa. É comum em administrações com um pouco mais de complexidade na sua estrutura e melhor planejamento inclusive agrupar as requisições para licitar os objetos de mesma natureza em uma licitação apenas.

Assim, nesse cenário e da não regulamentação local, o DFD de que o artigo 72, inciso I, estará propriamente contido dentro da própria requisição do órgão solicitante do objeto a ser contratado. Contribui para essa conclusão o próprio sentido que a administração federal dá para os elementos que devem conter o DFD, conforme disposto no Decreto Federal 10.947/2022, no artigo 2º, inciso IV e no artigo 8º, in verbis:

Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se: IV – documento de formalização de demanda – documento que fundamenta o plano de contratações anual, em que a área requisitante evidencia e detalha a necessidade de contratação;”

Art. 8º  Para elaboração do plano de contratações anual, o requisitante preencherá o documento de formalização de demanda no PGC com as seguintes informações: I – justificativa da necessidade da contratação; II – descrição sucinta do objeto; III – quantidade a ser contratada, quando couber, considerada a expectativa de consumo anual; IV – estimativa preliminar do valor da contratação, por meio de procedimento simplificado, de acordo com as orientações da Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia; V – indicação da data pretendida para a conclusão da contratação, a fim de não gerar prejuízos ou descontinuidade das atividades do órgão ou da entidade; VI – grau de prioridade da compra ou da contratação em baixo, médio ou alto, de acordo com a metodologia estabelecida pelo órgão ou pela entidade contratante; VII – indicação de vinculação ou dependência com o objeto de outro documento de formalização de demanda para a sua execução, com vistas a determinar a sequência em que as contratações serão realizadas; e VIII – nome da área requisitante ou técnica com a identificação do responsável.”

Ora, na requisição do setor para a abertura de processo de licitação ou contratação direta, exatamente se evidencia e detalha a necessidade de contratação e neste documento de solicitação minimante contará com elementos que possibilite o setor responsável pelas licitações e compras diretas o encaminhamento e continuidade da demanda do setor requisitante, elementos esses no sentido dos do artigo 8º do Decreto Federal 10.947/2022.

Na prática, portanto, os elementos que devem conter o DFD já vêm contidos dentro das requisições da área solicitante da contratação.

Dessa forma, pode-se resolver este aparente conflito normativo do artigo 72, inciso I, da Lei 14.133/2021 quando a administração não adotar compulsoriamente o plano de contratações anual em âmbito local, com a incorporação do DFD da contratação direta dentro da requisição de contratação da área solicitante.

Logo, para cumprimento do artigo 72, inciso I, da Lei 14.133/2021, acaso haja regulamentação do DFD na respectiva repartição, será necessário conter na requisição da contratação os elementos do DFD conforme regulamento do setor ou sua cópia anexada à requisição ou na ausência de regulamentação local que contenha ao menos em proximidade os elementos do DFD desenhado em âmbito federal com a compreensão de sua aplicação na respectiva repartição (aplicação hermenêutica da Lindb).

Autores

  • é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (2012), especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de São João Del Rei UFSJ (2018), especialista em Direito Público pela PUC Minas (2018), mestre em Direito do Estado pela USP (2021), revisor da Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, advogado e assessor nas áreas de Direito Público, em especial Direito Administrativo e Eleitoral, na região do Sul de Minas Gerais.

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