Declarar pobreza não é suficiente para Justiça gratuita, afirma desembargadora do TJ de São Paulo
5 de julho de 2024, 21h18
A mera declaração de hipossuficiência — quando a parte afirma no processo que não tem condições de arcar com as custas judiciais — não é suficiente para que magistrados concedam o benefício da Justiça gratuita. A exceção se dá no âmbito da assistência judiciária, em que há uma triagem que já delineia quem pode e quem não pode ter gratuidade como jurisdicionado.
Essa explicação é da desembargadora Débora Vanessa Caús Brandão, recém-empossada na 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. A magistrada citou questão pertinente ao tribunal, que julga centenas desses pedidos e lida com uma série de problemas nesse âmbito, em especial as dificuldades de traçar concretamente uma linha entre quem pode e quem não pode utilizar a Justiça gratuita.
“Não adianta só aquela declaração de hipossuficiência para a Justiça gratuita”, disse Débora Brandão durante o 1º Congresso de Assistência Judiciária da OAB-SP, nesta sexta-feira (5/7). “Junte os extratos bancários, o Imposto de Renda do ano, se é pessoa jurídica tragam os balancetes. Eu estou contando porque estou ali e estou vendo. E a gente ainda tem aquela ideia de que a declaração é presunção absoluta do que era suficiente”, disse a magistrada.
“São coisas que eu queria muito que tivessem me falado enquanto eu era advogada, porque só descobri isso nos quatro meses em que estou no tribunal. Sabem o assunto que eu mais recebo? Gratuidade.”
Despesas altíssimas
Ela citou casos em que as partes têm boas rendas, de cerca de cinco ou seis salários mínimos mensais, por exemplo, mas têm despesas médicas altíssimas, o que faz com que se enquadrem em possíveis beneficiários da Justiça gratuita. “Mostre suas contas básicas do mês e não há possibilidade de um juiz indeferir um pedido desses.”
Débora, que foi empossada há quatro meses no TJ-SP em vaga do quinto constitucional destinada à advocacia, afirma que há diferenças entre hipossuficiência e falta de liquidez. A primeira configura pobreza no sentido estrito da palavra, enquanto a segunda tem relação com, por exemplo, não poder transformar seus bens em dinheiro rapidamente, como no caso de imóveis em que a titularidade é dividida. “Em um caso desses, a Justiça gratuita não vai ser deferida.”
Para a desembargadora, o convênio entre a OAB e a Defensoria Pública, o motor da assistência judiciária, é o “pulmão da advocacia”. “É uma força que faz trazer comida, paga aluguel e, portanto, é um exercício de dignidade e cidadania para a casa dos advogados.”
Direito de Família
Além da magistrada, o evento reuniu advogados, defensores públicos e membros de comissões da OAB-SP, além da presidente da entidade, Patricia Vanzolini. Questões de Direito de Família, que envolvem crianças e adolescentes (pensão, alimentos, divórcio, escolas etc.), foram muito citadas pelos palestrantes, tendo em vista que se trata de uma matéria sensível e que, na maior parte das vezes, ultrapassa as questões jurídicas.
Neste ano, a assistência judiciária oferecida em São Paulo fez mais de 115 mil atendimentos para pessoas que têm algum direito a ajuizar ação. Outras 143 mil pessoas foram orientadas pelos profissionais, ainda que não possam entrar com ações relativas aos seus questionamentos.
“Nós temos no estado 1,4 mil advogados e advogadas trabalhando em prol da assistência judiciária”, disse o presidente da Comissão de Assistência Judiciária da OAB-SP, Francisco Jorge Andreotti Neto, que também participou do evento. “Sete mil horas do tempo da advocacia são despendidas exclusivamente para realização da triagem.”
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!