Opinião

Residência fiscal da pessoa física e apresentação da declaração de saída definitiva

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3 de julho de 2024, 15h27

De acordo com o documento “Comunidades Brasileiras no Exterior”, produzido pelo Itamaraty e publicado em agosto de 2023 [1], cerca de 4,5 milhões de brasileiros vivem no exterior. As motivações para a saída definitiva do Brasil podem ser diversas, tais como financeiras, culturais ou até mesmo tributárias. Independentemente do motivo, a Receita Federal impõe aos contribuintes nessa situação uma série de obrigações.

Para formalizar a saída fiscal do país, o contribuinte precisa entregar à Receita a chamada Comunicação de Saída Definitiva (CSD), nos termos do artigo 11-A da Instrução Normativa SRF nº 208/2002. Além da apresentação da CSD, o contribuinte também deve apresentar a chamada Declaração de Saída Definitiva (DSD).

A DSD é equivalente à declaração de ajuste anual e se refere ao período em que o contribuinte permaneceu no Brasil como residente fiscal. No momento da sua entrega, haverá a apuração do imposto devido pelo contribuinte mediante a utilização da tabela progressiva vigente, multiplicado pelo número de meses em que o contribuinte tenha permanecido na condição de residente no Brasil, no ano-calendário em questão, conforme § 3º do artigo 9º da IN nº 208/2002.

Apesar de exigir as referidas obrigações acessórias, a própria IN nº 208/2002 dispõe em seu artigo 3º, diversas hipóteses em que o contribuinte deverá ser considerado não residente fiscal no Brasil. Chamamos atenção para o inciso III, que fala na hipótese de não residência em caráter permanente no Brasil, e o inciso V, dispondo que devem ser considerados não residentes os brasileiros que fiquem ausentes do país por mais de 12 meses consecutivos.

 Diante desse contexto, pode haver uma dúvida por parte dos operadores do direito sobre qual momento um cidadão deve ser considerado não residente no Brasil para fins fiscais, considerando principalmente a subjetividade do conceito de ânimo definitivo.

De acordo com Alexandre Evaristo e Luís Flávio Neto, para os estrangeiros, o Brasil adota regras objetivas para a sua caracterização como residentes fiscais no País, previstas no artigo 12 da Lei nº 9.712/88, tais como a obtenção de visto e a permanência no Brasil por mais de 183 dias. Por outro lado, nos casos de residência fiscal aplicada aos nacionais, tais requisitos objetivos seriam secundários. Assim, o nacional que sair do país com ânimo definitivo, deveria ser considerado nesse momento não residente no País, bem como o nacional que retornar ao País com intuito de permanência, deverá, nesse momento, retomar sua condição de residente fiscal [2].

Do ponto de vista prático, basicamente, a relevância de definir se determinado contribuinte é (ou não) residente no Brasil, reside no fato de que, sendo ele residente, estará sujeito à tributação brasileira independentemente da fonte que o pagar rendimentos. Caso contrário, a tributação local só incidirá se os rendimentos forem originários no Brasil [3].

Nas situações em que os contribuintes se ausentem sem apresentar a CSD ou DSD,  não é incomum que as autoridades fiscais autuem os contribuintes sob a alegação de que a apresentação seria necessária para a caracterização da saída fiscal do contribuinte. Ou seja, sem o cumprimento dessas obrigações formais, o contribuinte deveria ter sua renda tributada no Brasil, independentemente de qual seja a fonte de pagamento.

Spacca

Esse posicionamento foi confirmado pela Receita Federal recentemente ao editar a Solução de Consulta nº 133/2024, vinculante no âmbito do fisco, em que foi manifestado o entendimento de que um servidor da própria administração pública em teletrabalho no exterior, ainda seria residente fiscal no Brasil por não ter entregado as declarações; e manter relação de trabalho no Brasil.

Diante desse posicionamento da autoridade fiscal, esse artigo se propõe a analisar a jurisprudência do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e se ele está convergente com o posicionamento da Receita.

Rendimento de imóveis

Em 2014, o Carf julgou o Acórdão nº 2801-003.405, tratando do rendimento de aluguéis de imóvel no Brasil recebidos por estrangeiro. Na ocasião, o autuado, embora estrangeiro, entregava Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) no Brasil entre os anos de 2000 e 2009, tendo, inclusive, se declarado domiciliado no estado do Rio de Janeiro do rendimento de aluguéis de imóvel no Brasil recebidos por estrangeiro.

O Carf entendeu, por unanimidade, que (considerando a ausência de provas de que o contribuinte era domiciliado no exterior e a apresentação regular das DIRPFs), o autuado deveria ser considerado residente no Brasil para fins fiscais.

No mesmo ano, a 1ª Turma Especial do Carf julgo o acórdão nº 2801-003.486 de forma favorável aos contribuintes.

No caso, o contribuinte teria recebido rendimento de fontes situadas no exterior, sem tributá-los no Brasil. Segundo a autoridade fiscal, o contribuinte não teria apresentado DSD, nem comprovado a ausência do Brasil pelo período de 12 meses consecutivos.

Por outro lado, o Carf entendeu que o autuado teria comprovado ser residente nos Estados Unidos da América na época da apuração do débito. Visto que o contribuinte teria apresentado: green card; passaporte americano; e certificado de naturalização, emitido pelo governo americano. Além disso, o autuado possuía título eleitoral nos EUA; contribuía para a previdência social naquele país, possuía seguro saúde privado, bem como seu filho estava matriculado em escola nos EUA.

Nesse contexto, foi dado provimento ao recurso do contribuinte, por unanimidade, já que o conjunto probatório acostado aos autos era suficiente para demonstrar a não residência fiscal no Brasil na época dos fatos geradores.

O Carf voltou a analisar a matéria nos acórdãos nº 2301-007.136, julgado em 2020, bem como nos acórdãos nºs 2201-004.451 e 2201-004.452, em 2018, e pelo acórdão nº 2401-006.138, julgado em 2019.

Nos acórdãos nºs 2401-006.138, 2201-004.451 e 2201-004.452, o Carf, em linha com os acórdãos aqui já discutidos, entendeu que caberia ao contribuinte comprovar a sua condição de não residente quando não apresentada a CSD e a DSD.

Nesses casos, dois aspectos relevantes chamam a atenção: a apresentação da DIRPF pelo contribuinte foi suficiente para demonstrar o ânimo de permanência no País e a residência fiscal no Brasil; e a comprovação de que residia em outro país não é suficiente para caracterizar a não residência no Brasil, visto ser possível a chamada “dupla residência”, em linha com o artigo 4º de vários acordos de bitributação, aplicável quando os dois estados consideram o indivíduo contribuinte em sua jurisdição.

Para o Carf, precisaria o contribuinte ter comprovado a ausência do País pelo período de 12 meses consecutivos.

Por outro lado, no acórdão nº 2301-007.136 de 2020, o Carf analisou a tributação de rendimentos auferidos no exterior por contribuinte que alegava ser residente fiscal em Portugal. Nessa oportunidade, o Tribunal entendeu de forma um pouco diferente do que costumava fazer nos acórdãos aqui analisados. Para o Carf, nesse caso, o contribuinte só atingiria a condição de não residente se “cumprir o dever acessório de comunicar a saída definitiva à Administração Tributária”.

Além disso, o Carf entendeu que o “centro de interesses vitais” do contribuinte continuava sendo o Brasil, considerando a entrega da DIRPF e a manutenção de imóveis no País.

Esse posicionamento é preocupante para os contribuintes, considerando ser comum a saída definitiva do Brasil, sem a apresentação da DSD e da CSD, mas com o ânimo de permanência no exterior, tendo como centro de interesses vitais em países diferentes do Brasil.

Carf no Japão

Mais recentemente, o Carf analisou a matéria nos acórdãos nºs 2003-006.401; 2003-006.243; e 2003-006.242, todos de 2024.

Nos acórdãos nºs 2003-006.243 e 2003-006.242, o Carf anulou autuação que cobrava IRPF sobre rendimentos recebidos pelo contribuinte no Japão durante período de residência no exterior.

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Os elementos levados em consideração pelo tribunal foram: cópias do passaporte que comprovaram ausência superior a 12 meses; e autorização de residência permanente no Japão. Nesse caso, a falta de entrega da DSD e CSD não foram relevantes para desconsiderar a saída fiscal do contribuinte.

No acórdão nº 2003-006.401, discute-se auto de infração em que o fisco cobra o IRPF sobre pensão alimentícia recebida pelo contribuinte enquanto residente na Alemanha.

A contribuinte defendia que, por residir na Alemanha, o IRPF deveria ter sido recolhido na fonte pelo ex-marido, portanto, não poderia ser cobrado conforme as regras aplicáveis aos residentes no Brasil.

O Carf decidiu desfavoravelmente a contribuinte, sendo que os seguintes motivos parecem ter pesado na decisão: entrega regular da DIRPF com indicação de endereço no Rio de Janeiro; falta de entrega da DSD e CSD; falta de comprovação da não residência durante o ano de fiscalização (2005). No caso, a contribuinte apenas juntou o passaporte referente a período anterior (1991 a 2001).

Diante de todo o exposto, é possível perceber que o Carf vem dando importância exagerada ao cumprimento dos requisitos objetivos (ou seja, entrega da DSD, CSD, ou ausência do País por 12 meses consecutivos), em detrimento do requisito subjetivo atrelado ao ânimo de permanência no exterior por parte do contribuinte.

Por essa razão, é importante observar os prazos para a devida entrega da DSD e CSD na hipótese de saída definitiva do País. Caso isso não ocorra, é preciso atenção do contribuinte na obtenção dos elementos que provem o ânimo de saída definitiva, não sendo possível demonstrar as formalidades exigidas, o contribuinte poderá ter dificuldade para comprovar não ser residente fiscal no Brasil em discussões junto ao Conselho.

 


[2] NETO, Luís Flávio, PINTO, Alexandre Evaristo. Carf analisa tributação pelo Imposto de Renda e dupla residência fiscal in SCHOUERI, Luís Eduardo. Residência fiscal da pessoa física, in Revista de Direito Tributário Atual n. 28. São Paulo: IBDT/Dialética, 2012, p. 163.

[3] SCHOEURI, Luís Eduardo. Residência Fiscal da Pessoa Física. Revista de Direito Tributário Atual. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2012, p. 162.

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