Consultor Jurídico

Eu fui ao Gilmarpalloza

3 de julho de 2024, 9h20

Por Bruno Rodrigues de Lima

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Todo mundo conhece a história do pombo enxadrista. Diante de um lance humano — digamos que uma subida de torre ou o salto de um cavalo —, o pombo responde derrubando as peças do tabuleiro que desconhece. Jogando a cabeça para frente e para trás e bicando plástico como se fosse milho, o pombo ainda sai de peito estufado e arrulha vitória. Tudo bem. O que esperar mesmo de um pombo enxadrista?

Reprodução

Já faz algum tempo que o colunista Conrado Hübner Mendes, da Folha de S.Paulo, tem vagueado com seu inconfundível head-bobbing por sobre o tabuleiro do judiciário brasileiro. É verdade que esta nossa “Babel judiciária”, para falar com Luiz Gama, se assemelha à definição do campeão mundial de xadrez, Mikhail Tal, para o qual o jogo milenar é uma floresta escura em que 2 + 2 somam 5 e de onde apenas um dos contendores escapa com vida.

No tão ilógico quão obscuro cipoal judicial do Brasil, 2 + 2 também dá em número ímpar e quem sai dele vivo costuma ser os Hübner — branco, rico, privilegiado há gerações — de sempre. Mas deixemos de sociologia para lá. Falemos de direito — e de produção de conhecimento jurídico.

Na semana passada, ocorreu o XII Fórum Jurídico de Lisboa, promovido por instituições como o IDP, a FGV e a Universidade de Lisboa. O Fórum deu o que falar e a Folha de S.Paulo deitou-lhe o malho, inclusive o apelidando muito jocosamente de Gilmarpalloza.

Eu fui ao fórum — ou, se quiserem, ao Gilmarpalloza —, e recomendo. Não é em todo lugar (e certamente não é nas Arcadas) que se encontra tamanha pluralidade de ideias em debate: em uma mesa, Aloizio Mercadante (BNDES) e José Berenguer (XP); em outra, o criminólogo negro Felipe Freitas e o legislador criminal branco Ciro Nogueira, cuja oposição ideológica faria Mercadante e Berenguer parecerem irmãos.

Lisboa sediou não só um evento político e jurídico de primeira importância, como também um evento histórico. No futuro, historiadores, enxadristas que são, se ocuparão deste Fórum, e não de coisa de pombo. Ou, em outros termos, se ocuparão dos jantares, e não de migalhas.

Porque é de jantares, Conrado, que se faz o direito. Recentemente, Conrado, o partido neonazista Alternative für Deutschland entrou no tribunal constitucional alemão exigindo a declaração de suspeição de vários juízes porque eles frequentaram alguns jantares com a então primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, semanas antes de decidirem uma matéria relativa aos interesses do governo alemão.

O tribunal não só entendeu que jantares entre políticos e juízes é parte constitutiva da tradição jurídica como até mesmo é bem-vindo encontros desta natureza (Bundesverfassungsgericht, 2 BvE 4/20, 2 BvE 5/20).

No fundo, Conrado e a AfD são muito parecidos: detestam o que não sabem jogar, o xadrez, esta metonímia para o direito.

Gostemos ou não de Gilmar, mas reconheçamos — pombas! — que ele joga o direito feito um Kasparov. Gostemos ou não de Kakay, mas vejamos antes o quanto de Capablanca há nele, ou o quanto de Botvinic está em Dino. Todos preparadíssimos para dizer o que é o direito. Já Conrado, amigo leitor, este ainda está cru. Cruu… cruuu…