Opinião

'A Força Normativa da Constituição', de Konrad Hessse

Autores

  • João Luiz Martins Teixeira Soares

    é advogado mestrando em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pelo Centro Universitário de Bauru (Ceub) — ITE/Bauru (SP) e pós-graduando em Direito Público Aplicado pela Escola Brasileira de Direito (Ebradi).

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  • Claudio José Amaral Bahia

    é professor do Centro Universitário de Bauru (Ceub) — ITE/Bauru (SP) doutor em Direito de Estado subárea Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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3 de julho de 2024, 21h44

“A Força Normativa da Constituição” de Konrad Hesse é uma obra essencial para a compreensão do papel e da eficácia das constituições em um contexto jurídico e político, importante texto para a compreensão acerca da eficácia das normas constitucionais e quais os fatores relevantes para que as referidas normas possam ter força normativa e não ficarem tão somente no papel, transcendendo o conceito da constituição enquanto “papel”, de Lassale.

 

De acordo com a tese fundamental de Ferdinand Lassalle, questões eminentemente constitucionais são questões políticas e não jurídicas, pois a Constituição de um país expressa as relações dominantes de poder como: poder militar, poder social, poder econômico e poder intelectual, sendo estes fatores determinantes na força ativa das leis e instituições, assim, os fatores reais de poder que forma a constituição real de um país, pois, para Lassalle, a Constituição jurídica que não expressar em seu bojo esses fatores de poder, será uma mera “folha de papel” sem qualquer efeito [1].

Desse modo, a Constituição escrita, para ter efeito, terá de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominante no país para que, assim, possa ter sucesso na sua eficácia e não se constituir meramente em um “pedaço de papel” cujos ideais não trazem efeitos na prática [2]. Tendo em vista que a Constituição é o conjunto máximo de leis de um país, pois é ela quem cria o Estado democrático de Direito e é em seu texto que estão presentes os princípios máximos e norteadores do ordenamento jurídico [3].

Assim, de acordo com Hesse, a pretensão de eficácia da Constituição não configura apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser, buscando a conformação com a realidade político e social, assim, a Constituição adquire força normativa na medida em que idealiza a sua pretensão de eficácia no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado [4].

Ou seja, a Constituição não pode construir o Estado de forma abstrata e teórica, alheia a realidade singular do presente, pois, se a Constituição ignorar a força das leis culturais, sociais, políticas e econômicas, a sua disciplina normativa não se concretizará e a Constituição ficará estéril.

Desse modo, o desenvolvimento da força normativa da Constituição depende do quanto o seu conteúdo corresponder à natureza singular do presente[5], conforme Hesse salienta:

(…) a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. As possibilidades, mas também os limites da força normativa da Constituição resultam da correlação entre ser (Sein) e dever ser (Sollen)[6].

Por fim, acerca das considerações feitas por Hesse no que cerne a força normativa da Constituição, conclui-se que a Constituição é um documento que deve ostentar força normativa suficiente para os fatores reais de poder, impulsionando um certo modelo comportamental. Há uma tensão permanente entre a Constituição e realidade. A realidade precisa ser conformada, levando em conta aquilo que a Constituição estabelece. Porém, não são todos os fatores da realidade que estão em consonância com a Constituição.

A norma constitucional não tem existência autônoma com relação a força condicionante da realidade. A pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização.

Spacca

Somente a Constituição que se vincule a uma situação histórica concreta e suas condicionantes pode se desenvolver. Ou seja, se uma Constituição não seguir a dimensão das leis culturais, sociais, políticas e econômicas, a sua disciplina e força normativa não se concretizam.

A força vital e a eficácia de uma Constituição só se concretizam se tentar se basear na natureza singular do presente, isto é, às tendências dominantes de seu tempo. Contudo, uma constituição deve se assentar nessa realidade a qual impondo tarefas, se transforma em força ativa na medida que essas tarefas são realizadas.

Norma constitucional associada à realidade

Assim, cumpre traçar algumas breves considerações no que tange o texto de Konrad Hesse. De início, cumpre destacar que a norma constitucional não tem existência autônoma com a relação à força condicionante da realidade. Isso porque, se a norma for contrária à realidade, perderá a sua eficácia, constituindo tão somente um limite hipotético extremo.

Assim, a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização, que deve encontrar um caminho entre o abandono da normatividade em favor do domínio das relações fáticas e a normatividade desprovida/despida de qualquer elemento da realidade, somente assim é que se consegue alcançar a eficácia da norma constitucional.

No texto, é feita uma diferenciação entre “Constituição real” e “Constituição jurídica”, sendo que, embora sejam termos condicionantes, não dependem um do outro, isso porque, enquanto a Constituição real remete ao conceito introduzido por Ferdinand Lassalle, que representa as relações de poder efetivas dentro de uma sociedade, sendo formada, portanto, pelos fatores reais e efetivos do poder que governam um país, como as forças militares, econômicas, sociais e intelectuais, a constituição jurídica tem uma força normativa própria, capaz de influenciar e até modificar a Constituição real.

Assim, embora a Constituição jurídica deva estar alinhada com a realidade social e política para ser eficaz, ela também possui a capacidade de moldar essa realidade, promovendo mudanças e orientando o desenvolvimento da sociedade de acordo com princípios normativos, sendo a sua pretensão de eficácia o elemento autônomo no campo de forças da qual resulta a realidade do estado.

Daí o motivo de serem condicionantes, ou melhor, interdependes, uma vez que a Constituição real e a Constituição jurídica são interdependentes; a eficácia da Constituição jurídica não está restrita apenas à sua conformidade com as relações de poder existentes, mas também ao seu potencial normativo para influenciar e reformar essas relações.

Diante disso, a partir das ideias de Wilhelm von Humboldt (trazidas por Hesse), pode-se concluir que somente a Constituição que se vincule a uma situação histórica concreta e suas condicionantes (com uma ordenação jurídica orientada pela razão) pode se desenvolver. Logo, a Constituição jurídica não deve constituir o Estado de forma abstrata e teórica, mas deve seguir a direção das “leis” culturais, sociais, políticas e econômicas para que a sua força normativa possa se concretizar.

Assim, a força vital e a eficácia de uma constituição só se concretizar se tentarem basear-se na natureza singular do presente, isto é, nas tendências dominantes de seu tempo, porém, não deve apenas se adaptar à realidade do presente e se tornar uma força passiva, mas se assentar nessa realidade e passar a ser a força ativa, a qual, impondo tarefas, se transforma em força ativa na medida em que essas tarefas são realizadas.

Destarte, cumpre trazer os pressupostos que permitem à constituição desenvolver a sua força normativa, de acordo com Konrad Hesse:

  • a) O conteúdo normativo deve lograr-se na natureza singular do presente, incorporando o estado espiritual de seu tempo, assegurando-lhe o apoio da consciência geral.
  • b) O desenvolvimento da força normativa depende não só do conteúdo, mas de sua práxis. A vontade da constituição deve ser preservada, mesmo que isso resulte na renúncia de alguns benefícios e vantagens em favor da preservação de um princípio constitucional, bem como, fortalecer o respeito à constituição, sendo que, frequentes revisões e reformas constitucionais abalam a confiança e a força normativa da Constituição.

 


[1] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes.

[2] “A primeira impressão que se tem acerca da obra A essência da Constituição, de Ferdinand Lassalle, é que a tese por ele defendida é praticamente perfeita. Isso porque, ao se realizar uma análise sociológica da Constituição, verificar-se-ia que a Lei Maior de um determinado país só seria realmente eficaz se refletisse os ´fatores de poder´ desse determinado país. Em outras palavras, a Constituição só surtiria efeito se estivesse de acordo com os interesses da classe dominante, de acordo com a vontade de quem de fato comanda o país, em concordância absoluta com os chamados ´fatores de poder´. E os ´fatores de poder´ são formados pela burguesia, aristocracia, banqueiros, exército ou quem quer que possua alguma relação com o poder em determinada região. Sem tais fatores, a Constituição não possuiria nenhuma eficácia. (VAINER, Bruno Zilberman. In A força normativa da constituição como garantidora da segurança jurídica: uma análise das obras de Konrad Hesse e de Ferdinand Lassalle. Revista Brasileira de Direito Constitucional n. 10, julho/dezembro 2007. Página 91).

[3] Karl Marx define a Constituição como a superestrutura que define as regras da infra-estrutura da sociedade (VAINER, Bruno Zilberman. In A força normativa da constituição como garantidora da segurança jurídica: uma análise das obras de Konrad Hesse e de Ferdinand Lassalle. Revista Brasileira de Direito Constitucional n. 10, julho/dezembro 2007. Página 97.

[4] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

[5] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

[6] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

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