Opinião

Impactos do fim da concessão de benefícios fiscais na reforma tributária

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2 de julho de 2024, 17h26

A reforma tributária é motivada por diversos problemas enfrentados pelo sistema tributário brasileiro, incluindo o excesso de obrigações acessórias, a complexidade na distribuição de competências tributárias e a alta carga tributária.

A Emenda Constitucional nº 132/2023, publicada em 21 de dezembro de 2023, trouxe mudanças importantes para o fim da guerra fiscal no Brasil. Entre as principais mudanças estão:

  • a extinção dos benefícios fiscais concedidos pelos estados, exceto para os casos previstos na própria Constituição, visando a uniformizar a tributação e reduzir a competição desleal entre os Estados;
  • a definição de alíquotas pela União no caso da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelos estados e municípios para o Imposto sobre bens e serviços (IBS);
  • a adoção da tributação no destino, ou seja, os tributos passarão a ser exigidos no destino, nos estados e municípios onde os produtos e serviços são consumidos, e não mais na origem, onde estão localizadas as empresas.

Para compreender o impacto dessas mudanças, é importante entender o contexto da criação dos benefícios fiscais até o surgimento da guerra fiscal no Brasil.

O artigo 170 da Constituição estabelece como princípio essencial a redução das desigualdades regionais. Nesse prisma, o Estado adota a criação de políticas públicas a fim de modelar a estrutura e os comportamentos econômicos da sociedade para reduzir as desigualdades regionais.

Ao contrário das políticas públicas que são adotadas para um o público-alvo específico, aquele que se encontra em patamar de desigualdade, os benefícios fiscais são concedidos pelos entes federados para as empresas, sob justificativa que tais renúncias de receita reduziram as desigualdades regionais.

Nesse contexto, na década de 1950, houve um crescimento econômico significativo na região Sudeste devido à concentração de indústrias multinacionais, o que levou estados e municípios de outras regiões a buscar medidas para atrair investimentos e aumentar a arrecadação. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) tornou-se um instrumento central nessa disputa, com estados oferecendo reduções e isenções do imposto.

Para regular essa prática, foi sancionada pelo presidente da República a Lei Complementar nº 24/75, criando o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), responsável por deliberar sobre concessões e revogações de benefícios fiscais.

Embora o Confaz tenha alcançado algum sucesso em promover a coordenação fiscal e a transparência, enfrenta desafios contínuos devido à:

  • evasão de regras com Estados contornando decisões e implementando benefícios fiscais indiretamente ou por meio de programas temporários;
  • desigualdades regionais, onde estados mais pobres alegam precisar de liberdade para oferecer incentivos e competir com estados mais ricos;
  • complexidade burocrática, pois a exigência de unanimidade nas decisões torna o processo de aprovação de benefícios fiscais lento e ineficiente.

Primeiros impactos da EC nº 132/2023

Com a Emenda Constitucional nº 132/2023, os estados perderão a capacidade de utilizar benefícios fiscais como instrumento de atração de empresas, aumento de arrecadação e redução das desigualdades regionais. Para minimizar essa perda, foi proposto o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) que, segundo Fernando Appy, será mais eficiente para promover o desenvolvimento socioeconômico dos estados sem depender de incentivos fiscais, e assim, banir a guerra fiscal.

O FNDR pretende promover o desenvolvimento socioeconômico dos estados de forma mais eficiente e equitativa, substituindo os antigos benefícios fiscais por investimentos diretos em infraestrutura e outras áreas prioritárias.

No entanto, a resposta inicial dos estados ao fim dos benefícios fiscais tem sido o aumento exacerbado das alíquotas do ICMS para compensar a futura perda de arrecadação. Isso pode criar um novo cenário de guerra fiscal, mesmo antes da plena implementação da reforma tributária.

Reorganização logística e impactos regionais

 A determinação da tributação no destino obrigará as empresas a rearranjarem suas redes logísticas, aumentando a concentração das operações nas regiões Sul e Sudeste, que possuem melhor infraestrutura e proximidade com os mercados consumidores. Esse movimento já está resultando na locação de galpões nessas regiões, com as empresas focando na variação de preços, demanda por bens e agilidade na entrega, ao invés de considerar a carga tributária como parâmetro.

Atualmente, o Brasil apresenta uma distribuição econômica e logística relativamente equilibrada entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Essa configuração reflete a localização estratégica de várias atividades econômicas e a concessão de benefícios fiscais que influenciaram a decisão de localização das empresas.

No estado de Goiás há uma concentração significativa de distribuidoras de medicamentos. Esse fenômeno é amplamente atribuído aos benefícios fiscais de ICMS concedidos pelo estado, que tornaram a região um polo atraente para empresas do setor farmacêutico.

Já Santa Catarina se destaca pela concentração de empresas especializadas no desembaraço aduaneiro. Embora o Porto de Santos possua melhor infraestrutura, muitas empresas optam por operar em Santa Catarina devido à concessão de benefícios portuários que resultam em uma redução de impostos. Esses incentivos fiscais tornam os portos catarinenses uma escolha econômica e vantajosa para muitas empresas.

Rodovia Fernão Dias, na divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais

Na cidade de Extrema (MG), observa-se uma elevada concentração de centros de distribuição. Essa escolha é motivada tanto pela oferta de redução do ICMS quanto pela proximidade com o Estado de São Paulo, um dos maiores mercados consumidores do País. A localização estratégica e os incentivos fiscais oferecidos tornam Extrema um local ideal para a instalação de operações logísticas.

Nesse sentido, a distribuição econômica e logística no Brasil é fortemente influenciada por benefícios fiscais regionais. Estados como Goiás, Santa Catarina e Minas Gerais têm utilizado incentivos fiscais para atrair empresas, fomentar o desenvolvimento econômico local e aumentar a arrecadação.

Com a reforma tributária e o fim desses benefícios, a vantagem fiscal dessas regiões diminuirá potencialmente, resultando em uma redistribuição das empresas para áreas com melhor infraestrutura e proximidade aos mercados consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro, o que pode impactar significativamente a estrutura logística e econômica do país, exacerbando as desigualdades regionais.

Essa mudança pode afetar negativamente a arrecadação e a geração de empregos em regiões mais afastadas do Brasil. Portanto, é urgente reavaliarmos os impactos tributários regionais da reforma para mitigarmos possíveis desequilíbrios econômicos.

Conclusão

A reforma tributária representa uma tentativa de modernizar e simplificar o sistema tributário brasileiro, tornando-o mais justo e eficiente. No entanto, seus impactos serão amplamente sentidos por empresas e Estados que precisarão se adaptar a um novo cenário competitivo. Enquanto a uniformização tributária, o fim dos benefícios fiscais e a redução da guerra fiscal são objetivos louváveis, a transição exigirá planejamento cuidadoso para garantir que os tributos apurados sejam distribuídos de forma equitativa e que as desigualdades regionais não sejam exacerbadas.

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