Opinião

Preço do êxito: oportunidade para novatos ou vantagem para estabelecidos?

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2 de julho de 2024, 6h34

A cláusula quota litis, regulamentada pelo artigo 50 do Código de Ética e Disciplina (CED) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tem se tornado um tema de crescente debate no cenário jurídico brasileiro. Essa modalidade de contratação se apresenta como uma ferramenta potencial para ampliar o acesso à Justiça, mas também suscita profundas questões éticas e profissionais.

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Enquanto alguns a veem como um meio de democratizar a representação legal, outros a consideram uma prática que pode comprometer a integridade da advocacia, exacerbar desigualdades entre profissionais e distorcer a percepção pública do papel do advogado.

O artigo 50 do CED regulamenta a cláusula quota litis, uma modalidade de contratação de honorários advocatícios condicionados ao êxito da causa.

Segundo este dispositivo legal, ao adotar essa cláusula, o advogado vincula sua remuneração ao sucesso da demanda, recebendo honorários apenas se sua demanda for procedente, cujos valores devem ser necessariamente representados por pecúnia.

Além disso, estabelece um limite importante: a soma dos honorários contratuais e sucumbenciais não pode ultrapassar as vantagens obtidas pelo cliente na causa. Essa norma busca equilibrar os interesses do advogado e do cliente, permitindo a prática de honorários condicionados ao êxito, mas estabelecendo parâmetros para prevenir excessos.

A prática de honorários condicionados ao êxito não deve ser condenada categoricamente, pois, quando aplicada de forma ética e judiciosa, pode desempenhar um papel crucial no acesso à justiça. Essa modalidade é particularmente relevante para indivíduos que, de outra forma, não teriam condições financeiras de buscar representação legal.

O principal desafio reside na sua aplicação responsável, que deve equilibrar as necessidades dos clientes com a dignidade do trabalho advocatício. Neste contexto, o artigo 49 do CED oferece parâmetros equilibrados para a fixação de honorários, visando a manter a integridade profissional sem comprometer o acesso à Justiça.

Não obstante, a estipulação de honorários advocatícios condicionados ao êxito da demanda, coloquialmente denominada “pegar no êxito”, tem sido objeto de crescentes debates e reflexos no âmbito jurídico brasileiro. Essa modalidade de contratação, que vincula a remuneração do advogado ao sucesso da causa, encontra-se no cerne numa discussão ética e profissional que perpassa os fundamentos da prática advocatícia.

É imperioso reconhecer que os próprios advogados desempenham um papel crucial na disseminação e normalização da prática de honorários condicionados ao êxito. Muitos profissionais, pressionados por um mercado cada vez mais saturado e competitivo, recorrem a esta modalidade de contratação não apenas como uma forma de viabilizar o acesso à Justiça, mas como uma estratégia deliberada de captação de clientela e diferenciação no mercado.

Essa utilização da cláusula quota litis como ferramenta mercadológica suscita questões éticas profundas. Ao oferecerem seus serviços sem custo inicial, condicionando a remuneração ao sucesso da causa, alguns advogados criam uma aparente vantagem competitiva que pode ser interpretada como uma forma de concorrência desleal. Tal prática não apenas deprecia o valor intrínseco do trabalho advocatício, mas também pode induzir potenciais clientes a uma percepção distorcida do que constitui uma representação legal, adequada e justa.

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Ademais, a utilização desta prática como estratégia de marketing pode contribuir para uma erosão da confiança pública na advocacia como profissão. Ao transformar a relação advogado-cliente em uma transação puramente comercial, corre-se o risco de obscurecer o papel do advogado como defensor dos direitos e da justiça, reduzindo-o a mero prestador de serviços guiado exclusivamente pelo potencial de ganho financeiro.

A oferta indiscriminada de serviços “sem custo inicial” pode levar a uma espécie de leilão invertido, onde os profissionais competem não pela qualidade de seus serviços, mas pela disposição de assumir riscos financeiros maiores. Esse cenário potencialmente compromete a qualidade da representação legal, uma vez que pode incentivar a aceitação de causas sem a devida análise de mérito ou a dedicação de tempo e recursos insuficientes a casos menos promissores economicamente.

Desigualdade entre advogados

A prevalência da prática de honorários condicionados ao êxito no cenário jurídico brasileiro também revela uma faceta preocupante: a exacerbação da desigualdade entre advogados com diferentes níveis de recursos financeiros. Essa dinâmica, aparentemente democrática à primeira vista, na realidade favorece desproporcionalmente os profissionais e escritórios já estabelecidos, criando barreiras significativas para a ascensão de advogados em início de carreira ou com menores recursos.

Os escritórios de advocacia de grande porte e advogados com sólida situação financeira possuem uma vantagem competitiva substancial neste contexto. Sua capacidade de absorver os custos iniciais de processos e suportar longos períodos sem remuneração, permite-os aceitar uma quantidade maior de casos sob a modalidade de honorários condicionados ao êxito. Esta prática não apenas lhes proporciona uma carteira de clientes mais ampla, mas também aumenta suas chances de obter casos de alto valor e visibilidade.

Em contrapartida, advogados recém-formados ou profissionais autônomos com recursos limitados enfrentam desafios consideráveis. A necessidade de gerar receita imediata para cobrir despesas operacionais básicas muitas vezes os impede de aceitar casos sob a cláusula quota litis, especialmente aqueles que possam se estender por longos períodos. Esta limitação restringe significativamente sua capacidade de construir uma clientela e ganhar experiência em casos complexos ou de maior relevância.

Consequentemente, a pressão financeira pode forçar advogados menos estabelecidos a recorrer a trabalhos precários, como também aceitar acordos prematuros ou menos favoráveis, simplesmente para garantir alguma forma de remuneração. Essa situação não apenas prejudica potencialmente os interesses dos clientes, mas também limita o desenvolvimento profissional desses advogados, criando um ciclo vicioso de subvalorização e oportunidades restritas.

Ademais, é fundamental uma reflexão crítica por parte da comunidade jurídica sobre as implicações a longo prazo desta prática. A autorregulação profissional, por meio da Ordem dos Advogados do Brasil, desempenha um papel crucial neste contexto, no tocante ao cumprimento e a fiscalização das normas que versam o exercício profissional como um todo.

A busca por modelos alternativos de remuneração que equilibrem a necessidade de acesso à justiça com a sustentabilidade econômica da prática advocatícia para profissionais em diferentes estágios de carreira é essencial para a manutenção de um sistema jurídico diverso, dinâmico e justo.

Paralelamente, para mitigar esses efeitos e promover um ambiente mais equitativo na advocacia, é crucial que sejam desenvolvidas estratégias que apoiem advogados em início de carreira e profissionais com recursos limitados. Isso pode incluir programas de mentoria, acesso facilitado a recursos de pesquisa jurídica e iniciativas de networking que permitam a colaboração entre profissionais com diferentes níveis de experiência e recursos. Essas medidas, em conjunto, contribuiriam para nivelar o campo de atuação e promover uma advocacia mais diversa e inclusiva.

Em última análise, a promoção de um ambiente mais equitativo na advocacia não é apenas uma questão de justiça profissional, mas um imperativo para a saúde e eficácia do sistema jurídico como um todo. Somente através de um ecossistema legal diversificado e acessível podemos garantir uma representação adequada para todos os segmentos da sociedade e manter a integridade e a confiança no sistema de justiça.

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