Direito do Agronegócio

PIS/Cofins, produto agropecuário e o crédito presumido

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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26 de janeiro de 2024, 10h14

No setor do agronegócio, além dos créditos do regime não cumulativo de PIS/Cofins denominados de ordinários ou básicos (artigo 3º, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003), temos também o crédito presumido.

Isso porque, diante das peculiaridades existentes no setor e a necessidade de respeito à não cumulatividade, o legislador estabeleceu a previsão do crédito presumido, o qual tem como principal matriz legal o artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004, que preceitua:

“Art. 8º – As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.

§ 1º. O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições efetuadas de:

I – cerealista que exerça cumulativamente as atividades de limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal classificados nos códigos 09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, e 18.01, todos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM); (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013)

II – pessoa jurídica que exerça cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite in natura; e

III – pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária e cooperativa de produção agropecuária. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) (…)”

 

Neste artigo, nossas ponderações são a respeito da expressão “poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física” (artigo 8º, “caput”). E por sua vez, em conjunto com o § 1º, que amplia a possibilidade do crédito para cerealista quanto aos produtos “in natura” de origem vegetal, pessoa jurídica direcionada à venda do leite “in natura” e pessoa jurídica e cooperativa de produção agropecuária.

Que natureza há de ter o insumo adquirido pela “agroindústria” [1] para se gozar do direito ao crédito presumido do artigo 8º da Lei n. 10.925/2004?

O que diz a norma?
Interessante notar que a Instrução Normativa nº 2.121/2022, ao cuidar do Crédito Presumido (“Título II”), no Capítulo I – Dos Créditos Presumidos Relativa à Cadeia de Produtos Agropecuários em Geral, Seção I “Do Crédito Presumido”, em seu artigo 574, explicita:

“Art. 574. As pessoas jurídicas que exerçam atividade agroindustrial, inclusive as sociedades cooperativas, sujeitas ao regime de apuração não cumulativa, poderão descontar da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas em cada período de apuração, créditos presumidos calculados sobre o valor de aquisição dos produtos agropecuários utilizados como insumos na fabricação dos produtos relacionados nos arts. 560 e 561 (Lei nº 10.925, de 2004, art. 8º, com redação dada pela Lei nº 13.137, de 2015, art. 4º, e art. 15, com redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004, art. 29; Lei nº 12.058, de 2009, art. 37; Lei nº 12.350, de 2010, art. 57; e Lei nº 12.599, de 2012, art. 7º).”

Esse dispositivo parece dar o direcionamento ao mencionar que os créditos presumidos serão concedidos e “calculados sobre o valor de aquisição dos produtos agropecuários utilizados como insumos”. Tal expressão é reforçada no § 1º desse mesmo artigo da Instrução Normativa: “O desconto do crédito presumido de que trata o caput aplica-se somente nas aquisições ou recebimentos de produtos agropecuários efetuados de”.

Vale repetir: “produtos agropecuários”.

Visão do Fisco e o conceito de produto agropecuário
A interpretação do Fisco Federal, portanto, é no sentido de que os bens adquiridos como insumo que geram o crédito presumido do artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004 seriam aqueles reconhecidos como produtos agropecuários e comercializados pelas pessoas físicas e jurídicas citadas na legislação.

Spacca

Produtos agropecuários podem ser considerados aqueles que decorrem do exercício da atividade rural, notadamente, nos termos do artigo 2º, da Lei nº 8.023/90, agricultura, pecuária, extração ou exploração vegetal ou animal, exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais, bem como a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.

O emprego da legislação do imposto sobre a renda para a atividade rural parece dar um inicial direcionamento. Aliás, a Instrução Normativa nº 2.212/2022, expressamente, utiliza esta legislação em seu artigo 557:

“Art. 557. Para efeito do disposto neste Livro, entendem-se por (Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990, art. 2º, com redação dada pela Lei nº 9.250, de 1995, art. 17):
I – atividade agropecuária:
a) a agricultura;
b) a pecuária;
c) a extração e a exploração vegetal e animal;
d) a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais; e
e) a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação; e”

Industrializado ou não?
Outro direcionamento, numa interpretação da legislação em conjunto com a Instrução Normativa, seria analisar se o produto adquirido como insumo é industrializado ou não. Isto porque, se industrializado, nos termos da legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), não haveria produto agropecuário e, por conseguinte, crédito presumido (artigo. 8º, da Lei n. 10.925/2004).

Este é o posicionamento da Receita Federal:

“SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 105, DE 08 DE JULHO DE 2016

CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS EMENTA: CRÉDITO PRESUMIDO. SETOR AGROPECUÁRIO. INSUMOS INDUSTRIALIZADOS. IMPOSSIBILIDADE. (…). Não podem gerar créditos presumidos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins as aquisições de insumos industrializados, ou seja, vendidos por pessoas jurídicas que não exerçam atividade agropecuária ou não sejam cooperativas de produção agropecuária em relação a esses insumos.”

“SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 170, DE 31 DE MAIO DE 2019

CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS

EMENTA: NÃO CUMULATIVIDADE. ALÍQUOTA ZERO. VENDA COM SUSPENSÃO. CRÉDITO PRESUMIDO. INSUMOS AGROPECUÁRIOS. SORO DE LEITE FLUIDO.

As receitas de pessoa jurídica vendedora de soro de leite fluido não gozam da suspensão da Cofins prevista no art. 9º da Lei nº 10.925, de 2004, e, por conseguinte, os adquirentes de tal insumo não podem apurar o crédito presumido previsto no art. 8º do mesmo diploma legal, dado que a produção de soro de leite fluido não se constitui em atividade agropecuária, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.023, de 1990.

 

“SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 277, DE 26 DE SETEMBRO DE 2019

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins setor agropecuário. insumos. suspensão.

(…)As vendas de insumos industrializados não gozam de tratamento suspensivo da Cofins, nem dão direito, por conseguinte, à apuração do crédito presumido pelo adquirente.”

 

“SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 82, DE 26 DE JUNHO DE 2020

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins setor agropecuário. insumos. suspensão.

(…) As vendas de insumos industrializados não gozam de tratamento suspensivo da Cofins, nem dão direito, por conseguinte, à apuração do crédito presumido pelo adquirente.”

Conclusão
Portanto, os insumos que geram direito ao crédito presumido previsto no artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004, segundo posicionamento exposto da Receita Federal, seriam o produto agropecuário, isto é, aquele “in natura”, que não sofreu processo de industrialização.


[1] – Art. 557 da IN 2121/2022: “III – atividade agroindustrial, a atividade econômica de produção das mercadorias relacionadas nos arts. 560 e 561.”.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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