Opinião

Agravo em recurso especial julgado diretamente pelo colegiado no STJ

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  • é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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11 de janeiro de 2024, 17h16

No Superior Tribunal de Justiça, o relator não está autorizado a encaminhar o agravo em recurso especial diretamente ao órgão colegiado, sob risco de tornar o acórdão nulo de pleno direito, tornando-o inexistente no mundo jurídico desde o momento de sua prolação.

Assim, é essencial que, antes de submeter o recurso à apreciação da Turma, o AREsp seja primeiramente convertido em recurso especial. Isso proporciona a oportunidade para o advogado realizar sustentação oral e exercer os princípios da ampla defesa e do contraditório, de acordo com o disposto no artigo 5º, LV, da Constituição.

Alternativamente, o AREsp pode ser julgado em primeiro lugar, e se houver recurso interno (Agint) contra essa decisão singular, ele é então encaminhado para julgamento no órgão fracionário.

O julgamento colegiado de um recurso que, por natureza, deveria ser analisado monocraticamente, representa um erro grosseiro, que recai sobre o magistrado e não sobre a parte. É importante enfatizar que o recurso especial pode ser submetido a julgamento colegiado, enquanto o ARESp não possui essa mesma prerrogativa.

O agravo em recurso especial não possui um propósito em si mesmo, uma vez que sua função primordial é desbloquear o recurso especial.

A propósito:

“O instrumento processual denominado agravo em recurso especial (AREsp) possui como única finalidade no ordenamento jurídico pátrio ‘destrancar’ o recurso especial interposto e obstado na origem, mediante a impugnação aos fundamentos da decisão do tribunal a quo, que desautorizou a ‘subida’ do apelo nobre” [1].

Deveras, o artigo 253 do RISTJ estabelece de maneira clara e específica as circunstâncias em que o ministro relator pode proferir uma decisão monocrática para o julgamento simultâneo do agravo em recurso especial e do recurso especial. Veja-se:

“Art. 253. O agravo interposto de decisão que não admitiu o recurso especial obedecerá, no Tribunal de origem, às normas da legislação processual vigente.

Parágrafo único. Distribuído o agravo e ouvido, se necessário, o Ministério Público no prazo de cinco dias, o relator poderá:

I – não conhecer do agravo inadmissível, prejudicado ou daquele que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida;

II – conhecer do agravo para:

a) não conhecer do recurso especial inadmissível, prejudicado ou daquele que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida;

b) negar provimento ao recurso especial que for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema;

c) dar provimento ao recurso especial se o acórdão recorrido for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema.

d) determinar sua autuação como recurso especial quando não verificada qualquer das hipóteses previstas nas alíneas b e c, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo a esse recurso”.

Portanto, de acordo com o parágrafo único do artigo 253, inciso II, alínea d, do RISTJ, uma vez que o agravo em recurso especial tenha sido admitido, o recurso especial deve ser devidamente autuado e, posteriormente, apresentado para análise pelo colegiado do STJ, se for o caso.

Além disso, conforme exposto no artigo 1.042, §5º do CPC [2], é assegurada a sustentação oral no julgamento do agravo em conjunto com o recurso especial, o que revela que o colegiado poderá analisar o agravo e o recurso especial, e não somente o AREsp.

A situação fica ainda mais delicada quando por exemplo, no mesmo processo, há recurso especial de ambas as partes, sendo que um deles recebe o crivo positivo de admissibilidade no tribunal de origem, e o outro é inadmitido, com interposição de AREsp contra essa inadmissão.

A perplexidade se dá quando o relator, ciente de que o mérito do recurso especial inadmitido merece prosperar, leva o agravo para ser julgado diretamente na Turma, em vez de convertê-lo em REsp, julgando-o diretamente no colegiado e lhe dando provimento em prejuízo daquele que teve o seu recurso admitido (embora no mérito a parte não tenha razão).

Nesse contexto, uma questão que merece ser devidamente sopesada é a complexidade do direito vindicado. Isso, porque

“Em processos dessa complexidade jurídica e repercussão econômica, a prudência, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do due process, assegurados na Constituição, e os próprios limites formais estabelecidos em lei para as decisões monocráticas impõem o julgamento colegiado do Recurso Especial (arts. 5°, LIV e LV, da CF/1988)” [3].

A 3ª Turma do STJ, em acórdão de relatoria da ministra Nancy Andrigui, interpretando o artigo 1.042, do CPC c/c o artigo 253, do RISTJ, consignou que:

“não há previsão, no RISTJ, para a inclusão do agravo em recurso especial em pauta para julgamento colegiado. Verificando o Relator, após o conhecimento do agravo, que o julgamento simultâneo do recurso especial é inviável – por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses referidas nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do inciso II do parágrafo único do art. 253 do RISTJ -, lhe caberá determinar a autuação do agravo como recurso especial, consoante dispõe a alínea ‘d’ do referido dispositivo regimental”.

Confira-se (porque importante) a ementa do respectivo precedente:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA. JULGAMENTO CONJUNTO DO AGRAVO E DO RECURSO ESPECIAL INADMITIDO NA ORIGEM. HIPÓTESE NÃO AMPARADA PELO ART. 253, PARÁGRAFO ÚNICO, DO RISTJ. SUSTENTAÇÃO ORAL. FACULDADE CIRCUNSCRITA AO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.042, § 5º, DO CPC/2015.

  1. Cuida-se de agravo interno que, em preliminar, alega a nulidade da decisão unipessoal agravada, ao argumento de que o agravo em recurso especial não comportava julgamento unipessoal, na esteira do disposto no art. 253 do RISTJ, e que, por ter havido o exame conjunto do apelo nobre, deveria lhe ter sido oportunizada a sustentação oral, conforme prevê o art. 1.042, § 5º, do CPC/15.
  2. O art. 1.042, § 5º, do CPC/2015 encerra em si três preceitos normativos distintos: (i) em primeiro lugar, traz autorização legal genérica para o julgamento conjunto do agravo e do recurso especial ou extraordinário que se pretende destrancar; (ii) ratifica o cabimento da sustentação oral no julgamento do recurso especial ou extraordinário, ainda que julgado simultaneamente ao agravo; (iii) estabelece que, de todo modo, esse julgamento conjunto deve observar as disposições do regimento interno do Tribunal respectivo.
  3. Nesta Corte, a forma de processamento do agravo em recurso especial é regulamentada no art. 253 do RISTJ, que estabelece diversas hipóteses em que, na esfera monocrática, haverá o julgamento conjunto do agravo e do recurso especial.
  4. Não há previsão, no RISTJ, para a inclusão do agravo em recurso especial em pauta para julgamento colegiado.
  5. Verificando o Relator, após o conhecimento do agravo, que o julgamento simultâneo do recurso especial é inviável – por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses referidas nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do inciso II do parágrafo único do art. 253 do RISTJ -, lhe caberá determinar a autuação do agravo como recurso especial, consoante dispõe a alínea “d” do referido dispositivo regimental.
  6. Nesta última hipótese, o direito de sustentação oral das partes restará preservado por ocasião do julgamento do recurso especial.
  7. Agravo interno conhecido e provido, para a conversão do tipo recursal” [4].

Apesar desse entendimento, uma simples pesquisa de jurisprudência do STJ com os termos aresp.clas. não quinta não sexta revela que, entre as Turmas de Direito Público e de Direito Privado é possível encontrar, nada mais nada menos que 1.326 AREsps julgados diretamente pelo órgão colegiado. Aqui excluiu-se os AREsps em matéria penal.

Desta feita, diante da nulidade de pleno direito do julgado nessas circunstâncias, defendemos que a parte não pode sair prejudicada por erro que não deu causa, de sorte que, se eventual agravo interno for interposto no prazo de 15 dias contra o julgamento colegiado, excepcionalmente ele deverá ser conhecido e provido, não havendo se falar em erro grosseiro na espécie, sob pena de violação ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal, norma de direito fundamental hierarquicamente superior à norma processual infraconstitucional.

É de se pensar a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória nessas hipóteses, desde que obedecidos os preceitos legais acerca da medida extrema.

Não se pode falar em erro grosseiro da parte, visto que de acordo com o princípio da paridade de armas, é tanto incumbência da parte apresentar o recurso apropriado quanto do magistrado resolver a disputa por meio dos meios processuais adequados. Isso se alinha particularmente com os princípios de boa-fé processual, cooperação e a necessidade de evitar surpresas no processo legal.

Sob esse enfoque, confira-se:

“[…] 1. O Novo Código de Processo Civil trouxe várias inovações, entre elas um sistema cooperativo processual – norteado pelo princípio da boa-fé objetiva -, no qual todos os sujeitos (juízes, partes e seus advogados) possuem responsabilidades na construção do resultado final do litígio, sendo certo que praticamente todos os processos devem ser pautados, inclusive aqueles com pedido de vista que não forem levados a julgamento na sessão subsequente, nos termos do art. 940, §§ 1º e 2º, do CPC/2015. 2. O objetivo de tais mudanças é dar maior transparência aos atos processuais, garantindo a todos o direito de participação na construção da prestação jurisdicional, a fim de evitar a surpresa na formação das decisões (princípio da não surpresa). 3. Os princípios da cooperação e da boa-fé objetiva devem ser observados pelas partes, pelos respectivos advogados e pelos julgadores. […] 6. Recurso provido para anular o julgamento dos agravos regimentais realizado na sessão do dia 19/04/2016” [5].

Não pode, por exemplo, o magistrado decidir por despacho (que é irrecorrível) aquilo que deve ser decidido por sentença, e após isso, prejudicar a parte quando da interposição de recurso contra tal expediente. Deveras, “a diversidade das classes processuais se revela, em verdade, na formalidade para seu efetivo conhecimento, uma vez que os óbices recursais são inúmeros[6].

Nesse sentido:

“[…] 6. Ocorre que, no caso dos autos, não obstante a decisão atacada não tenha posto fim ao processo, o próprio juiz singular nomeou o provimento jurisdicional de sentença e, ainda, discorreu acerca das consequências de eventual interposição de agravo de instrumento e de apelação, dando a entender ser necessária a interposição de dois recursos para atacar integralmente o decisum.

7. Diante desse cenário, assim como decidiu o Tribunal de origem, o princípio da unirrecorribilidade há de ser mitigado no caso específico dos autos, porquanto a decisão proferida, além de causar tumulto processual, claramente induziu o recorrente a erro, o que afasta a ocorrência de erro grosseiro e de má-fé, propiciando o conhecimento da apelação e, por conseguinte, a análise da matéria nela impugnada. Precedentes: EAREsp 230.380/RN, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, DJe 11/10/2017; AgRg no AREsp 228.816/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 10/05/2016; REsp 1.104.451/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15/08/2011; REsp 898.115/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 21/05/2007. […] 9. Agravos das empresas Voith Hidro e Alstom Brasil conhecidos, para dar parcial provimento aos recursos especiais, tão somente para que os autos retornem ao Tribunal de origem, para que seja julgada a apelação na parte em que foi considerada prejudicada (prescrição)” [7].

Ressalte-se, que os princípios do contraditório, da ampla defesa, e do devido processo legal autorizam a mitigação da preclusão pro judicato, e o rejulgamento do recurso, de sorte que a nova decisão, agora nos moldes da Lei e do Regimento Interno do STJ, não importa “em preclusão, notadamente para o magistrado, quanto a matérias cognoscíveis de ofício, no caso, por inobservância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal[8].

Além disso, a realização de julgamento colegiado do agravo em recurso especial também contraria o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal, que estabelece que “A parte que não provocou o erro cometido pelo Tribunal e teve, no mínimo, seu direito de recorrer prejudicado devido à condução incorreta do processo não deve arcar com as consequências desse ato[9].

São inúmeros os julgados do próprio STJ, que justificam a interposição equivocada de recurso quando o jurisdicionado foi induzido a erro pelo magistrado, conforme se verifica:

“[…] 2. Ainda que equivocado o despacho que concede prazo maior para oferecimento de embargos, tem entendido esta Corte que não pode o jurisdicionado responder por erro induzido pelo magistrado. Precedentes. (REsp 720.063/ES, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/3/2005, DJ 20/3/2006, p. 246). Agravo regimental improvido” [10].

“[…] 2. Segundo a jurisprudência desta Corte, é possível relevar o equívoco na interposição do recurso quando o jurisdicionado for induzido a erro pelo magistrado, aplicando-se o princípio da fungibilidade recursal. Precedentes. 2.1. Uma vez que o magistrado de piso proferiu decisão intitulada “sentença”, fazendo referência até mesmo ao “trânsito em julgado” do ato jurisdicional, é cabível admitir o recurso de apelação como o competente agravo de instrumento. 3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para conhecer do agravo e, de plano, dar provimento ao recurso especial” [11].

Diante do exposto, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é imperativo que o relator não conduza o agravo em recurso especial diretamente ao órgão colegiado, uma vez que isso acarretaria a nulidade do julgamento, tornando-o sem efeito no mundo jurídico desde sua prolação.

Em vez disso, é essencial que o AREsp seja previamente convertido em recurso especial, permitindo, somente após essa conversão, que o recurso seja submetido à análise da Turma, garantindo a oportunidade para o advogado realizar sustentação oral e exercer plenamente o princípio da ampla defesa e do contraditório, conforme preconiza o artigo 5º, LV, da Constituição Federal.

 


[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt nos EDcl no AREsp 349.577/RS, rel. ministro MARCO BUZZI, 4ª TURMA, DJe 26/10/2017.

[2] Brasil. Código de Processo Civil. Art. 1.042, §5º: “O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral, observando-se, ainda, o disposto no regimento interno do tribunal respectivo”.

[3] Brasil. STJ. EDcl no AgRg no AREsp 150.035/DF, rel. ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, DJe 2/2/2017.

[4] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 735.697/RJ, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª TURMA, DJe 24/4/2018.

[5] Brasil. STJ. EDcl no AgRg no REsp 1394902/MA, rel. ministro GURGEL DE FARIA, 1ª TURMA, DJe 18/10/2016.

[6] Brasil. STJ. AgRg no HC 434.403/PE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, 5ª TURMA, DJe 30/5/2018.

[7] Brasil. STJ. AREsp 1021394/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, 1ª TURMA, DJe 14/5/2019.

[8] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1401473/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, 1ª TURMA, DJe 3/12/2019.

[9] STJ. RMS 11.959/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, 3ª TURMA, DJ 11/11/2002, p. 208.

[10] Brasil. STJ. AgRg no REsp 1468956/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª TURMA, DJe 13/10/2014.

[11] Brasil. STJ. EDcl no AgInt no AREsp 1593214/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, 4ª TURMA, DJe 16/12/2020.

Autores

  • é mestre em Regulação e Políticas Públicas (UnB, conceito Capes 6), especialista em Direito Público, graduado em Direito e Segurança da Informação, ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal (Copen-DF), servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência), advogado licenciado e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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