Opinião

ITBI, integralização de bens no capital social, atividade empresarial e Tema 796-STF

Autor

  • Fernando César Delfino da Silva

    é advogado professor universitário pós-graduado em Direito Tributário com formação para o Magistério Superior em Direito Empresarial pela Universidade Anhanguera (Uniderp) e mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (Univem).

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9 de janeiro de 2024, 21h37

A tomada de decisão que leva à abertura de uma empresa deve levar em consideração, além dos aspectos comerciais e de viabilidade econômica do negócio a ser desenvolvido, a adequação e integralização do capital social da empresa.

Caberá ao proponente empresário, dentre outros, determinar a atividade empresarial a ser desenvolvida e o capital social da empresa, o qual será integralizado para início desta atividade.

A atividade empresarial e a integralização do capital da empresa não se destacam como requisito figurativo ou facultativo. São requisitos indispensáveis como pode se extrair dos incisos III e IV do artigo 968 do Código Civil.

Por óbvio, se imagina que a integralização do capital social da empresa seja realizada em dinheiro, pois a intenção de quem constitui uma empresa é desenvolver atividade organizada, produtiva geradora de riquezas.

No entanto, a legislação civil não determina a modalidade de integralização do capital se em dinheiro, bens móveis ou imóveis. Faz uma única vedação que é a integralização na modalidade de prestação de serviços como disciplinado no artigo 1.055 do Código Civil.

Nesse contexto, abre-se vasta possibilidade de integralização do capital social da empresa e, por vezes, esta integralização está sendo realizada por meio a transmissão de bens imóveis do sócio (pessoa física) para a empresa constituída por este a fim de cumprir com este requisito.

Como já vimos, não há óbice para esta modalidade de integralização do capital da empresa. No entanto, diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC sob o rito de repercussão geral — Tema 796 —, há interpretações extensivas sendo proferidas por municípios no sentido negar a não incidência e, via de consequência, de determinar a incidência do ITBI nos casos de integralização do capital da empresa por meio da transmissão de bens imóveis.

No entanto, conforme será demonstrado, a ratio decidendi utilizada como fundamento para o julgamento do referido R.E. não se aplica em grande parte das integralizações de capital por meio da transmissão de bens imóveis.

Atividade empresarial
Um dos pontos de debate é a questão atinente à atividade empresarial a ser desenvolvida pela empresa que terá o seu capital social integralizado por bens imóveis. Discute-se se a empresa for atividade de administração de bens, estaria prima facie excluída da não incidência do ITBI, simplesmente por constar como atividade empresarial, a atividade de administração de bens.

A resposta é não. Há a necessidade de comprovação da atividade preponderante por meio do ente municipal, ou seja, não é possível o indeferimento do direito à isenção/imunidade tributária, em razão de suposição de que, em razão da atividade primária ou secundária ser relacionada a atividade imobiliária, ela se efetivará no decorrer do tempo.

O artigo 37 do Código Tributário Nacional define o conceito de “atividade preponderante”:

Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.

1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.

O conceito de “atividade preponderante”, assim, envolve necessária aferição dos rendimentos da empresa, não cabendo ao município presumir sua existência com base unicamente no objeto social.

Observa-se, assim, que a imunidade é a regra, a qual só pode ser afastada quando a atividade empresarial preponderante for imobiliária, a qual deve ser efetivamente comprovada não pela atividade constante no contrato social, mas, em razão do exercício efetivo da atividade.

Ainda que se trate de empresa inativa, o Supremo Tribunal Federal já consignou que a inatividade não implica o afastamento da imunidade:

TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – ITBI. Sentença que julgou improcedente a ação. Apelo da autora. INTEGRALIZAÇÃO DE IMÓVEIS AO CAPITAL SOCIAL – IMUNIDADE NOS TERMOS DO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Pretensão de reconhecimento da imunidade do ITBI – Aplicabilidade do art. 37, § 1º, do Código Tributário Nacional – Incidência do tributo sujeita à aferição, pelo município, da atividade preponderante da sociedade – Precedentes desta C. Câmara – A imunidade é a regra, a qual só pode ser afastada quando a atividade empresarial preponderante for imobiliária – Tratando-se de empresa inativa, O C. Supremo Tribunal Federal já consignou que a inatividade não implica o afastamento da imunidade – O fato de a empresa estar inativa e, portanto, não auferir receitas no período a ser considerado para a aferição da imunidade, logicamente permite concluir que não houve atividade preponderantemente imobiliária, o que atrai a aplicação da norma imunizante – Precedentes deste E. Tribunal. No caso, os documentos constantes nos autos e a conclusão da perícia técnica demonstram que a impetrante permaneceu inativa durante o período a ser considerado para a aferição da imunidade, não exercendo, portanto, atividade imobiliária – Impetrante que faz jus à imunidade tributária – Reconhecida a nulidade dos autos de infração que deram origem às Certidões de Dívida Ativa nº 549.455-9/2019-1, nº 549.454-0/2019-7 e nº 549.453-2/2019-4 – Invertidos os ônus sucumbenciais. Sentença reformada – Recurso provido. (TJ-SP – AC: 10491812720198260053 SP 1049181-27.2019.8.26.0053, Relator: Eurípedes Faim, Data de Julgamento: 29/08/2022, 15ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 29/08/2022)

Assim, se faz necessária a efetiva observação do disposto no artigo 37 do CTN, cabendo à municipalidade o exercício da fiscalização para apurar se a empresa está efetivamente ou não exercendo a atividade preponderante que se caracteriza como fato gerador da obrigação tributária ao recolhimento do ITBI.

RE 796.376/SC-Tema 796
A tese lançada no julgamento do RE 796.376/SC — Tema 796 tem no caso concreto o fato de que o valor dos imóveis utilizados para a integralização do capital social da empresa eram superiores ao capital social da empresa, sendo segregado em duas partes.

A primeira, cumprindo com o requisito legal, foi utilizada para integralizar o capital social da empresa. A segunda, reconhecida como saldo positivo do valor atribuído aos imóveis, foi utilizada para incremento da conta de reserva de capital que compõe o patrimônio líquido da empresa, ou seja, destinação diversa da integralização do capital social.

E, assim foi definida a tese: “a imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Ou seja, os bens imóveis utilizados para integralizar o capital social da empresa, subscrito no contrato social, deverá ter o valor idêntico ao valor do capital social da empresa, demonstrando a utilização integral daquele bem na integralização

No entanto, outra questão, não abordada no julgamento do R.E. 796.376/SC — Tema 796 e de suma importância está diretamente relacionada ao valor dos imóveis utilizados na integralização do capital social da empresa.

Valor dos imóveis
A legislação vigente permite que o proprietário de um imóvel (pessoa física) integralize em pagamento do capital social da empresa seu imóvel, levando-se em conta o valor constante na declaração de imposto de rendas conforme disciplina o artigo 23 da Lei nº 9.249/95:

Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.

1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.

2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.

A clareza de entendimento descrita na Lei nº 9.249/95 demonstra que o legislador pátrio permite a indicação do valor pelo valor constante da respectiva declaração de bens.

Assim, o sócio, ao cumprir a obrigação e efetivar o pagamento do capital social da empresa, estará imune do recolhimento do ITBI, bem como imune ao ganho de capital sobre o bem imóvel integralizado.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL – IMUNIDADE PLENA – ART. 23 DA LEI 9.249/95 – NÃO OCORRÊNCIA DE RESERVA DE CAPITAL – RE 796.376/SC – RECURSO PROVIDO. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado (art. 23 da Lei 9.249/95). O legislador constituinte jamais condicionou a imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da Carta Magna, à conferência de bens ao capital de pessoa jurídica pelo valor de mercado. “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. (Tema 796). A limitação se dá com relação, apenas, ao que exceder o limite do capital integralizado, sendo que o STF, na ocasião, não decidiu que o valor dos bens integralizados deveriam ser os de mercado. (TJ-MS – AI: 14027585420238120000 Bataguassu, Relator: Des. Ary Raghiant Neto, Data de Julgamento: 22/05/2023, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/05/2023) (grifo nosso)

Neste sentido os preceitos descritos no artigo 23 da Lei nº 9.249/95 servem de baliza para a atribuição de valor dos bens imóveis quando utilizados na integralização do capital da empresa.

Conclusão
Denota-se que a incidência ou não do ITBI nos casos de integralização de bens no capital social da empresa não está submetido à discricionariedade ou interpretação da Fazenda municipal.

Há critérios a serem observados e que estão legitimamente disciplinados na legislação vigente, de modo que a utilização destes parâmetros serve de baliza para a efetiva aplicação da norma o que beneficia a abertura de empresas e impede a oneração indevida delas.

Assim, cabe ao município curvar-se a regra prevista na segunda parte do §1º e o §2º do artigo 37 do CTN no que diz respeito à atividade empresarial, bem como, seguir a regra prevista na Lei nº 9.249/95, acatando o valor de integralização correspondente ao valor constante da declaração de bens, uma vez que se trata de previsão legal inserida e vigente em nosso ordenamento jurídico.

 

Referências
Código Civil – Lei 10.406/2002
Código Tributário Nacional
Constituição Federal do Brasil 1988
Supremo Tribunal Federal
Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Autores

  • é advogado, professor universitário, pós-graduado em Direito Tributário com formação para o Magistério Superior em Direito Empresarial pela Universidade Anhanguera (Uniderp) e mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (Univem).

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