Roubo de propriedade alheia

Imprensa processa chatbots alimentados por textos com direitos autorais

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1 de janeiro de 2024, 9h44

O jornal The New York Times abriu o caminho, nos EUA, para inúmeros órgãos de imprensa que pretendem reclamar, na justiça, proteção a seus trabalhos criativos, que são usados por grandes empresas de tecnologia artificial, para treinar seus chatbots — sem remuneração e sem pedido de permissão de uso.

Por violação de seus Direitos autorais, o jornal moveu uma ação em um tribunal federal de Manhatan, New York, contra a OpenAI, criadora do ChatGPT, e a Microsoft, que tem 49% de participação acionária da OpenAI e criou o Bing Chat.

O NY Times alega que as duas empresas “usaram milhões de seus artigos, protegidos por direitos autorais, para construir suas tecnologias que, agora, se tornaram extremamente lucrativas e passaram a competir diretamente com seus próprios serviços”, escreveram os advogados do jornal em sua petição.

“Durante meses o NY Times tentou chegar a um acordo negociado com as rés, de acordo com sua história de trabalhar produtivamente com as grandes plataformas de tecnologia, permitindo o uso de seu conteúdo em novos produtos digitais (incluindo produtos noticiosos desenvolvidos pela Meta, Google e Apple), em troca de um valor justo por seu conteúdo. Mas, no caso das rés, as negociações não levaram a uma resolução”.

“Publicamente, a rés insistem que sua conduta é protegida pelo ‘uso justo’ (fair use)” — um  conceito da lei de direitos autorais, que permite o uso de trabalhos alheios se forem substancialmente transformados. A justificativa seria a de que o uso, sem licença, de conteúdo protegido por direitos autorais serve a um propósito transformativo. “Mas não há nada de transformativo, nem de uso justo, em copiar conteúdo do NY Times”.

“A lei não permite esse tipo de violação sistemática e competitiva que as rés vêm cometendo. Esta ação tem o objetivo de responsabilizá-las pelos bilhões de dólares em danos reais e legais que elas devem, por copiar e usar ilegalmente o trabalho unicamente valioso do NY times”, diz a petição.

Em uma declaração, a OpenAI afirmou que respeita os direitos de criadores de conteúdo e que está comprometida a trabalhar com eles “para se assegurar que se beneficiem da tecnologia de IA e dos novos modelos de receita”. Disse que as conversações com o NY Times têm sido produtivas e que se surpreendeu com o processo contra ela.

Juristas disseram ao Washington Post que o NY Times — e outras publicações que vierem a processar as rés – terão alta probabilidade de vencer na justiça, se provarem que as violações de direitos autorais se devem a reproduções diretas de seu trabalho protegido, em vez de transformações de informações que coletam na internet.

Isso é o que as ferramentas de IA, tais como o ChatGPT e o Bing Chat fazem. Seus “grandes modelos de linguagem” (LLMs — large language models) ingerem enormes quantidades de texto, copiados da internet, para aprender as conexões entre palavras e conceitos. E, então, desenvolvem a capacidade de predizer que palavra usar em seguida, em uma sentença, o que lhes permite imitar a fala e a escrita humana, explica o Washington Post.

“Atualmente, as empresas OpenAI, Microsoft e Google vêm se recusando a revelar o que entra em seus modelos mais novos. Mas LLMs anteriores mostraram que são incluídas grandes quantidades de conteúdo de organizações noticiosas e de livros”, diz o jornal.

Rick Allen, cofundador da Nautilus Productions, empresa de filmagens e produções, e operador do grupo Artists Against Copyright Infringement no Facebook, disse que modelos de IA generativa não funcionam sem a contribuição de criadores de conteúdo.

Mas as empresas de tecnologia devem observar as regras fundamentais de direitos autorais, tais como: “número 1, não roube; número 2, se o conteúdo não é seu, peça permissão para usá-lo; número 3, se você precisa desses dados ou dessas informações, pague por eles, como todos os outros fazem. Essa é uma maneira estabelecida de se fazer negócios, mas as empresas de IA a ignoram”.

Desde agosto, pelo menos 583 organizações jornalísticas, incluindo o NY Times, o Washington Post e a Reuters, instalaram bloqueadores em seus websites, para impedir que as empresas de tecnologia continuem “roubando” seu material noticioso, para alimentar seus chatbots.

O Washington Post está acompanhando de perto a ação movida pelo NY Times, para então seguir o mesmo caminho. Uma decisão tomada pelos tribunais federais, nessa ação que deverá chegar à Suprema Corte, irá definir o futuro desenvolvimento dos produtos de IA, diz o Yahoo!finance.

O NY Times prevê que o uso dessa tecnologia também apresenta uma “crise existencial” para as organizações jornalísticas, que vêm lutando para encontrar maneiras de substituir receitas que, antes, geravam através de seus lucrativos produtos impressos.

As versões eletrônicas dos jornais, bem como das publicações eletrônicas, que dependem de anúncios para gerar receitas, também estão sendo ameaçadas pelos chatbots. Além disso, mais de um terço do tráfego no website do NY Times vem de buscas orgânicas. E há um risco de queda das receitas baseadas em busca, também por causa dos chatbots.

O número de jornalistas nas redações declinou em mais de 25%, entre 2008 e 2020, de acordo com pesquisas do Pew Research Center.

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