Direito Civil Atual

Diferenças entre o representante comercial e o agente (parte 1)

Autores

  • William Galle Dietrich

    é advogado doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) como bolsista Capes/Proex membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDpro) e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

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  • Abrahan Lincoln Dorea Silva

    é advogado e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco) com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université de Lyon ex-bolsista da Fapesp e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

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1 de janeiro de 2024, 10h44

1. O problema
Não é incomum que, no Direito brasileiro, as figuras do representante comercial e do agente sejam tratadas como sinônimos. Ao primeiro, é reservada uma lei específica (4.886/65); ao segundo, tem-se, no Código Civil, um capítulo localizado dentro do título das várias espécies de contrato, no qual é definido em conjunto com o contrato de distribuição.

ConJur

Em ambos os casos a legislação fixa o conceito dos negócios jurídicos. No caso da representação comercial, o artigo 1º da lei 4.886/65 define que “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”. Com relação ao agente, o artigo 710 do CC conceitua que “pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada”.

Vê-se, pelos artigos mencionados, que o representante é (1) pessoa natural ou jurídica que, (2) em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas (3) realiza a mediação para a realização de negócios mercantis. Já o agente é (1) uma pessoa que assume (2) em caráter não eventual (3) a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios.

De fato, os tipos contratuais possuem conceitos muito similares. São tão similares que Arnaldo Rizzardo, por exemplo, os trata como sinônimos. Ao abordar o contrato de agência, equipara os termos: “pelo contrato de agência ou representação comercial, um dos contratantes se obriga, em troca de uma retribuição, a promover habitualmente a realização de operações mercantis, por conta do outro contratante, agenciando pedidos para este, em determinada região” [1]. O autor afirma, assim, que “as expressões ‘agência’ e ‘representação comercial’, embora só a primeira utilizada pelo Código Civil, envolvem idêntico conteúdo, e são empregadas indistintamente com a mesma ideia” [2].

Se Arnaldo Rizzardo está correto, há uma importante questão a ser solucionada no que se refere às antinomias entre as leis. Um exemplo claro nesse sentido: a lei de representação comercial prevê, em seu artigo 34, a necessidade de uma concessão de um aviso prévio de 30 dias para a denúncia­­; já o artigo 720, CC, prevê um aviso prévio de 90 dias [3].

O problema que surge, portanto, pode ser colocado em duas perguntas: (1) existe uma diferenciação entre agenciamento e representação comercial? (2) se a resposta à pergunta anterior é positiva, como podem ser compatibilizadas as disposições do Código Civil e da Lei 4.886/1965?

Esta coluna procurará responder a esses questionamentos.

Dividida em duas partes, a coluna trata, nesta primeira, de apresentar o problema e de fazer um estudo histórico nas leis referenciadas para a melhor compreensão do seu contexto e os debates envolvendo os tipos contratuais; na segunda, apresentará o status da Dogmática e da Jurisprudência sobre a diferenciação dos tipos contratuais apresentando, em sua conclusão, uma resposta às perguntas acima estabelecidas.

2. O aspecto histórico: surgimento da lei de representação e o capítulo do agenciamento no Código Civil
Recentemente publicou-se, na Revista de Direito Civil Contemporâneo, análise do REsp 1.831.947/PR na qual se fez uma abordagem histórica da Lei 4.886/65 [4]. Com efeito, a exposição de motivos da lei expressa que “o exercício da representação comercial autônoma, de há muito vem sendo objeto, por parte dos representantes comerciais, de reivindicações no sentido de lhes ser assegurada, por lei, uma série de garantias” [5]. Essa afirmação, na exposição de motivos, se deu pelo fato de que a Lei de Representação Comercial surgiu em uma situação histórica que demandava a criação de uma figura jurídica adequada a essa espécie de relação. Isso porque as opções legislativas então existentes não resolviam adequadamente o problema da representação comercial. De um lado, havia o Código Civil de 1916, que oferecia um tipo contratual com pouca adequação e débil em garantias e proteções à parte contratada, a saber, o contrato de locação de serviços (artigo 1.216 e seguintes); de outro, havia a opção por uma legislação muito protetiva e pouco flexível como a CLT. A demanda por uma legislação intermediária fomentou, pois, a necessidade da regulamentação da relação de representação comercial buscando um equilíbrio entre “as garantias proporcionadas a uns e a liberdade de ação indispensável a assegurar, ao processo de comercialização, índices satisfatórios de produtividade” [6].

Essa necessidade deriva da natureza das relações de representação. Conforme já se sustentou, “a análise das relações de representação comercial revela que, em sua natureza mesma, há uma predisposição de fragilidade do representante em face do representado. Isso porque é natural que uma empresa representada tenha muitos representantes; o contrário, contudo, não o é” [7].

Dessa forma, a Lei de Representação Comercial buscou ser uma alternativa intermediária à inexistência de proteção ao representante se submetido ao contrato de locação de serviços do Código Civil de 1916 e, também, uma opção mais moderada à regulação hipertrófica da CLT. Ou seja, buscando equiparar a originária assimetria entre representantes e representados, a lei veio como uma alternativa menos rígida do que a opção fornecida pela CLT.

Ao observar-se os artigos do Código Civil que tratam do agenciamento, vê-se a existência de referência a uma “lei especial”. O artigo 718, afirma, por exemplo, que “se a dispensa se der sem culpa do agente, terá ele direito à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial”. Já o artigo 721 sustenta que “Aplicam-se ao contrato de agência e distribuição, no que couber, as regras concernentes ao mandato e à comissão e as constantes de lei especial”. A questão é: a qual “lei especial” se refere o Código Civil? A alguma lei já existente na época de sua publicação — como a lei de representação — ou a alguma lei vindoura?

A resposta está contida na exposição de motivos ao Anteprojeto de Código Civil escrita por Miguel Reale em 16 de janeiro de 1975, como Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil. Ao abordar a sistematização do Direito das Obrigações realizada por Agostinho Alvim, Miguel Reale destaca alguns pontos fundamentais do Anteprojeto consolidado, dentre eles o contrato de agência e distribuição. Conforme explica, houve “reformulação do contrato de agência e distribuição para atender à lei especial que disciplina a matéria sob o título impróprio de ‘representação comercial’ [8].

Com isso, a lei especial a que se refere o Código Civil é a Lei nº 4.886/1965, que regula o contrato de representação comercial. Com efeito, na visão do legislador de 2002, o contrato de agência parece ser sugerido como sinônimo do contrato de representação comercial, havendo, na utilização da nomenclatura de “agência”, uma correção terminológica. Em outros termos, a distinção de nomenclatura se deveu, em verdade, a uma correção do termo “representação comercial” pelo termo “agência” que, conforme Miguel Reale, seria o nomen iuris adequado para o tipo contratual.

Na próxima coluna, serão sistematizadas as posições da Dogmática e da jurisprudência sobre eventual distinção ou aproximação entre os contratos de agência e representação comercial, bem como se tratará de apresentar uma conclusão para as perguntas que este estudo indicou.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

 


[1] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 2019. p. 729.

[2] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 2019. p. 729.

[3] Arnaldo Rizzardo, por entender que não existe diferença entre agencia e representação comercial, afirma que o art. 720, CC ampliou o prazo do aviso prévio: “´´E o que se encontra no art. 34 da Lei 4.886, observando-se que, no que diz com o prazo, houve a alteração pelo art. 720 do Código Civil” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 2019. p. 736).

[4] RAATZ, Igor; DIETRICH, William Galle. Resp n. 1.831.947/PR: a cláusula de 1/12 do representante comercial e os elementos histórico, sistemático e gramatical. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 33, p. 409–446, out./dez. 2022.

[5] Projeto nº 3.350/65 — Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0yxu1x8kj7ld7u0e1trfhq0sx9551620.node0?codteor=1194993&filename=Dossie+-PL+3350/1965>. Acesso em 21 abr. 2022.

[6] Projeto nº 3.350/65 — Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0yxu1x8kj7ld7u0e1trfhq0sx9551620.node0?codteor=1194993&filename=Dossie+-PL+3350/1965>. Acesso em 21 abr. 2022.

[7] RAATZ, Igor; DIETRICH, William Galle. Resp n. 1.831.947/PR: a cláusula de 1/12 do representante comercial e os elementos histórico, sistemático e gramatical. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 33, p. 409–446, out./dez. 2022. p. 416.

[8] REALE, Miguel. Exposição de motivos do supervisor da comissão revisora e elaboradora do Código Civil. Novo Código Civil: Exposição de Motivos e Texto Sancionado. 2.ed. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Secretaria de Edições Técnicas, 2005. p. 44.

Autores

  • é advogado, professor na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp), doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDpro) e da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

  • é advogado e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), com dupla graduação em Direito pela USP e pela Université de Lyon, ex-bolsista da Fapesp e membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo.

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