Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito

ADI sobre Lei dos Motoristas reduzirá produtividade das empresas, diz advogado da JBS

 

29 de fevereiro de 2024, 17h00

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 5.322 pode fazer o Brasil retroceder no transporte rodoviário de cargas. Isso porque ela terá impactos econômicos negativos tanto no escoamento de produtos e na produtividade das empresas quanto nas condições de trabalho dos motoristas profissionais.

Para Nicoleit, decisão prejudica a produtividade, o trabalho dos motoristas e o meio ambiente

Essa análise é do advogado Sylvio Nicoleit, gerente jurídico do frigorífico JBS. Ele falou sobre o assunto em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, em que a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional sobre os temas mais relevantes da atualidade.

Ao julgar em agosto do ano passado a ADI proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Terrestres, o Supremo declarou a constitucionalidade de dispositivos da Lei Federal 13.103/2015, que regulamenta a profissão de motorista. Na decisão, foram validados pontos como as jornadas de trabalho de até 12 horas e a flexibilidade dos horários de início e final da jornada, assim como dos intervalos.

Por outro lado, o STF declarou a inconstitucionalidade do fracionamento do chamado “intervalo interjornada” (período de 11 horas entre as jornadas diárias de trabalho) e da possibilidade de descanso, com o veículo em movimento, de motorista profissional que atua em dupla. Além disso, a corte decidiu que o tempo de espera integra a jornada de trabalho.

Foram esses dispositivos julgados inconstitucionais os alvos das críticas feitas por Nicoleit. Segundo o gerente jurídico da JBS, o grande impacto produzido pela ADI 5.322 será a perda de produtividade do transporte rodoviário de cargas, que responde por 65% do transporte de mercadorias — algo que, na visão do advogado, torna o país refém desse tipo de serviço.

“Se nós seguirmos à risca, hoje, tudo o que a ADI 5.322 trouxe como inconstitucional, nós teremos uma perda de produtividade, a depender do setor, de 25% até 45%. Grosso modo, numa aritmética simples, teremos 30% de perda de produtividade”, disse Nicoleit.

Nesse cenário, uma queda de 30% na produtividade do escoamento da produção significa uma perda de 30% de produtividade da produção. Porque não adianta produzir se o resultado dessa atividade não puder ser entregue. E isso resulta também em redução de postos de trabalho, já que a empresa não precisará mais de determinados turnos de atividade, além de queda nas exportações.

Com as mudanças, uma empresa precisaria aumentar sua frota de caminhões em 30% para alcançar o nível de produtividade atual. É verdade que o aumento da frota levaria necessariamente a um acréscimo no contingente de trabalhadores, mas há dois problemas ligados a essa perspectiva.

“Essa frota não está disponível. Não há uma capacidade fabril de atingir esse 30% de forma imediata. Pelos cálculos da própria Confederação Nacional do Transporte, isso leva de 15 a 17 anos. E não há motoristas disponíveis para atingir essa produtividade. Ao contrário, nos últimos dez anos nós perdemos 20% dos nossos motoristas. É uma categoria que está envelhecendo, que está acabando — é um problema mundial. E, ainda, os nossos motoristas estão sendo levados para Portugal, para os Estados Unidos, pela força da moeda”, explicou Nicoleit.

Tais mudanças gerariam uma reação em cadeia que afetaria a economia em geral, a situação das estradas e o meio ambiente, segundo ele. Isso porque uma perda de produtividade de 30% levaria a um aumento do frete e, por consequência, à falta de escoamento. Cria-se inflação de custo com a inflação de demanda. E, com ampliação da frota, haveria 30% a mais de trânsito e o equivalente a isso em acidentes, além da mesma porcentagem a mais de CO² na atmosfera.

“O maior poluente do Brasil hoje é o modal rodoviário de cargas. Quer dizer, haverá um acréscimo de 30% no maior poluente. Ou seja, numa estimativa conservadora, isso é poluir o equivalente a uma Islândia. Numa estimativa não tão conservadora, é como poluir o equivalente ao que a Irlanda polui. É muito impacto.”

As condições de trabalho e a qualidade de vida dos motoristas também tendem a piorar. Pelas projeções de Nicoleit, os empregados passarão menos tempo com a família e mais tempo ociosos, parados em postos, sem produzir e mais expostos aos riscos nas estradas. E também ganharão menos, já que a remuneração nessa atividade é atrelada à quilometragem rodada.

Lá e cá

A comparação com outros países e seus arcabouços legais também sinaliza que a legislação brasileira retrocedeu com a ADI 5.322, na opinião do advogado. Ele usou como referência as leis da Europa, de países do Mercosul e dos Estados Unidos — que, entre os países do G7, é o que mais usa o modal rodoviário de cargas.

“Os Estados Unidos permitem o tempo de espera dissociado do tempo de direção. Permitem também o fracionamento do intervalo interjornada e acumulação do descanso semanal remunerado (DSR) e o descanso embarcado.”

Referência do Brasil em relação ao Direito Civil e ao Direito do Trabalho, a Europa e seu arcabouço legal também não preveem o tempo de espera como parte da jornada de trabalho.

“Lá, porém, existe uma jornada muito maior para que se tenha o tempo de espera dentro dela. Lá também é permitido o fracionamento do intervalo interjornada, a acumulação do descanso semanal remunerado e o descanso embarcado.”

Por fim, Nicoleit comparou o quadro brasileiro com os de Argentina, Uruguai e Chile, não apenas pelo fato de serem países associados ao Mercosul, mas por terem caminhoneiros que rodam nas estradas daqui. Segundo ele, os três países — à parte uma ou outra “idiossincrasia” — permitem tudo o que Brasil passou a proibir.

“A Argentina, por exemplo, não tem uma legislação específica, mas um convênio nacional — que seria uma grande convenção coletiva intersindical — em que sequer existe o tempo de jornada. O que há é uma mistura entre tempo de jornada e quilômetros rodados. Quanto ao intervalo interjornada, a convenção empodera o motorista, e ele decide sobre isso, respeitados alguns parâmetros mínimos.”

Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:

 

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