Opinião

Necessidade de prazo razoável entre um leilão judicial e outro

Autor

  • Leonis de Oliveira Queiroz

    é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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16 de fevereiro de 2024, 16h17

No contexto do processo civil, os leilões judiciais desempenham um papel indispensável na concretização da justiça ao permitirem a efetivação da penhora e a subsequente alienação de bens como forma de garantir a satisfação dos créditos reconhecidos judicialmente.

Tais leilões, regulados pelos artigos 730, 879 a 903 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), representam um momento singular, no qual se materializam os princípios da publicidade, da igualdade de oportunidades e da ampla participação das partes interessadas.

O leilão judicial pode ser compreendido como um procedimento legalmente estabelecido pelo qual os bens penhorados são oferecidos à venda pública, permitindo que terceiros interessados possam adquiri-los mediante o maior lance, com o objetivo de viabilizar a satisfação do crédito exequendo.

É uma medida de expropriação coercitiva, em que a alienação dos bens se dá em decorrência de uma decisão judicial, visando garantir a efetividade da execução.

Nesse sentido, o leilão judicial representa não apenas um instrumento de realização do direito do credor, mas também um mecanismo de preservação do devido processo legal, assegurando que o devedor seja regularmente intimado e que todas as formalidades legais sejam cumpridas, de modo a garantir a transparência e a lisura do procedimento.

Além disso, os leilões judiciais desempenham um papel relevante na dinâmica econômica, possibilitando a circulação de bens e a reentrada destes no mercado, o que pode contribuir para a revitalização de atividades produtivas e o incremento da atividade econômica. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

O propósito do leilão para alienação de bens do devedor é auferir o maior preço para satisfação dos créditos, respeitando o princípio da menor onerosidade do devedor e a desejável efetividade para o credor. Para tanto, o regime expropriatório estabelece regras e parâmetros a serem observados, erigindo pilares e balizas que sustentam e delimitam a medida extrema” [1]

Em suma, o leilão judicial representa um instrumento jurídico de grande importância no âmbito do processo civil, atuando como uma ponte entre a execução de uma decisão judicial e a efetivação dos direitos dos credores, ao mesmo tempo em que garante a observância dos princípios fundamentais do devido processo legal e da proteção dos direitos das partes envolvidas.

Procedimento, participantes e lances
A penhora de imóveis, como modalidade de expropriação, segue o disposto no artigo 835, V, do CPC/2015, sendo o procedimento subsequente delineado da seguinte forma:

  • Confecção do auto de penhora, conforme estabelecido no artigo 838 do CPC/2015, contendo informações essenciais sobre a penhora realizada.
  • Intimação do executado, nos termos do artigo 841 do CPC/2015, com observância das disposições aplicáveis a casos de casamento.
  • Averbação da penhora junto à matrícula do imóvel, conforme o artigo 844 do CPC/2015.
  • Avaliação do bem, conforme previsto no artigo 870 do CPC/2015, realizada por perito nomeado pelo juiz.
  • Intimação das partes para manifestação sobre a avaliação.
  • Início dos atos de expropriação do bem, incluindo a realização do leilão judicial.

Pode ser realizado de forma presencial ou eletrônica, conforme disposto no artigo 879, II, do CPC/2015. Para tanto, devem ser seguidos os seguintes passos:

  • Indicação de responsável pelo leilão, podendo ser corretor ou leiloeiro público credenciado perante o órgão judiciário, conforme o artigo 880 do CPC/2015.
  • Fixação de prazo pelo juiz para realização do leilão, bem como definição de preço mínimo, condições de pagamento, forma de publicidade e comissão do leiloeiro, conforme estabelecido no artigo 880, § 1º, do CPC/2015.
  • Publicação do edital de leilão, nos termos do artigo 886 do CPC/2015, contendo informações essenciais sobre o bem e o procedimento do leilão.
  • Intimação das partes interessadas, conforme o artigo 889 do CPC/2015, incluindo o executado, coproprietários, titulares de direitos sobre o imóvel, credores e outros.

Qualquer pessoa pode participar do leilão, exceto aquelas expressamente vedadas pelo artigo 890 do CPC/2015, como tutores, curadores, juízes, servidores públicos, entre outros.

Não serão aceitos lances que ofereçam preço vil, conforme o disposto no artigo 891 do CPC/2015. Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz no edital de leilão. Ademais, “Caracteriza-se preço vil quando a arrematação não alcançar, ao menos, a metade do valor da avaliação[2].

Conforme o julgado antes citado, “O Código de Processo Civil de 2015 promoveu alterações substanciais acerca da sistemática expropriatória, estabelecendo que o Magistrado da execução, de início, estabelecerá o preço mínimo para leilão judicial, as condições de pagamento e as garantias que poderão ser prestadas pelo arrematante, nos termos art. 885 do CPC/2015”.

Ressalta-se que “A jurisprudência desta Corte flexibiliza o conceito legal de preço vil em hipóteses específicas e reconhece a possibilidade de, diante das peculiaridades da situação em concreto, admitir a arrematação em valor menor ao equivalente a cinquenta por cento da avaliação do bem, sem caracterizar preço vil[3].

O pagamento da arrematação deve ser efetuado imediatamente, salvo disposição diversa no edital de leilão, conforme previsto no artigo 892 do CPC/2015. É possível, ainda, formular proposta de pagamento parcelado, nos termos do artigo 895 do CPC/2015, lembrando que “a depender das peculiaridades da hipótese e de sua situação negocial, mormente quando inexistirem outros interessados, é possível a apresentação de proposta de pagamento em prestações após o início da segunda hasta pública, desde que respeitados o limite mínimo de preço, a garantia necessária e o princípio de boa-fé”.

Atenta-se, ainda, que “A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, em leilão judicial, a proposta de pagamento à vista sempre terá preferência sobre as propostas de pagamento parcelado, ainda que o valor oferecido seja inferior, já que o pagamento à vista satisfará imediatamente a dívida. Exegese do art. 895, § 7º, do Código de Processo Civil[4].

Para imóveis de incapaz, o preço mínimo de arrematação é de 80% do valor da avaliação, conforme exceção prevista no artigo 896 do CPC/2015.

O leilão é considerado concluído após a assinatura do auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, conforme o artigo 903 do CPC/2015. Ressalta-se que a arrematação pode ser invalidada, considerada ineficaz ou resolvida em casos específicos, conforme previsão legal. A propósito:

“(…)

  1. A teor do art. 903 do CPC/2015, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos, bem como a invalidação da arrematação quando realizada por preço vil ou com outro vício.

  2. Ainda a teor do artigo 903, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada ao próprio juízo no prazo de 10 dias ou por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário.

  3. Agravo interno não provido” [5]

Apesar da indicação de leilão judicial do bem penhorado no processo de execução, é viável que o exequente e o executado, por mútuo consentimento, estabeleçam a alienação do bem de maneira diferente e solicitem a anulação do leilão, desde que não prejudiquem o terceiro arrematante, não cabendo ao magistrado analisar a conveniência do acordo. Nesse sentido:

“(…)

  1. Não obstante a designação, no processo de execução, de leilão judicial do bem penhorado, é possível que as partes, em comum acordo, pactuem a alienação do bem de forma diversa e requeiram o cancelamento do leilão, diante da possibilidade de solução consensual do conflito a qualquer tempo, da autonomia da vontade das partes, bem como do direito do exequente de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva, previsto expressamente no art. 775 do CPC/2015, ressalvados eventuais direitos de terceiros.

  2. Sendo requerida pelas partes, a homologação judicial do acordo formulado entre elas é medida que se impõe, não cabendo ao Juízo avaliar a sua conveniência, mas tão somente averiguar eventual ausência de requisitos formais para a homologação, irregularidade ou nulidade.

  3. No entanto, a realização de acordo sobre o bem objeto de leilão em curso, objetivando o seu cancelamento, tem o evidente potencial de prejudicar eventual arrematante, de modo que tal atitude, nesse momento processual, viola a boa-fé processual (art. 5º do CPC/2015).

  4. Em homenagem à segurança jurídica e estabilidade dos leilões judiciais, ao dever de boa-fé processual das partes, ainda que realizada de forma consensual entre exequente, executado e terceiro adquirente, a alienação particular do imóvel objeto de leilão judicial em andamento, embora seja válida entre eles, é ineficaz em relação ao arrematante, que, de boa-fé, ofertou o lance vencedor, tempestivo e em conformidade com as regras do edital” [6].

Intervalo mínimo entre os leilões
E se o primeiro leilão restar frustrado? Qual seria o melhor momento para se levar a efeito o segundo leilão presencial? Seria viável realizá-lo no mesmo dia?

Aqui, defendemos a necessidade de interstício mínimo e adequado entre os leilões de bens penhorados conforme a melhor exegese teleológica que o artigo 886, V, do CPC/2015 merece ter. Eis o teor desse dispositivo legal:

“Art. 886. O leilão será precedido de publicação de edital, que conterá:

(…) V – a indicação de local, dia e hora de segundo leilão presencial, para a hipótese de não haver interessado no primeiro.”

A previsão de local, dia e hora do segundo leilão leva a crer que o legislador não quis que a hasta pública se realizasse no mesmo dia, sendo que, diante dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não foi necessário ter apontado “dia diferente” na letra da lei, sendo certo que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” [7].

A interpretação teleológica, que busca entender a norma com base em sua finalidade ou objetivo, é essencial para garantir que o direito seja aplicado de maneira justa e eficaz.

Portanto, é preciso bastante cautela. Quando o magistrado se vale do poder geral de cautela para designar prazo razoável para o segundo leilão, isso não implica substituição da função do legislador.

Constitui-se, em verdade, no instrumento que se destina a conferir eficácia final à satisfação da execução, e encontra-se em consonância com a própria razão de existir do procedimento da hasta pública, a fim de zelar pelos interesses de todos os sujeitos processuais envolvidos.

No caso do artigo 886, V, do CPC/2015, a finalidade do procedimento de alienação de bens penhorados é clara: possibilitar a satisfação do crédito exequendo através do maior lance possível, que se aproxime do valor real do bem, enquanto se garante um maior número de licitantes, menor onerosidade para o executado e máxima efetividade do leilão, além de prevenir fraudes e má-fé de quem tem interesse escuso de que o segundo leilão aconteça horas após o primeiro a fim de beneficiar alguém em específico.

Nesse contexto, a realização do segundo leilão presencial no mesmo dia do primeiro, sem observância de um interstício adequado entre os eventos, não parece estar em consonância com a finalidade do procedimento.

Um interstício adequado entre os leilões é necessário para garantir a máxima publicidade do evento, permitindo que um número maior de potenciais licitantes tenha conhecimento e tempo hábil para se organizar e participar do processo.

Além disso, a imposição de um prazo razoável entre os leilões contribui para aumentar a competitividade entre os licitantes, o que pode resultar em lances mais vantajosos para o credor.

Ademais, essa medida também protege os interesses do devedor, assegurando que ele tenha a oportunidade de alienar seus bens da forma mais favorável possível, evitando prejuízos desnecessários.

É importante ressaltar que a garantia da menor onerosidade possível para o devedor é um princípio fundamental do direito processual civil.

Nesse sentido, a imposição de um prazo razoável entre os leilões contribui para assegurar que o devedor tenha a oportunidade de alienar seus bens da forma mais vantajosa possível, evitando prejuízos desnecessários.

Considerando os objetivos do procedimento de alienação de bens penhorados, bem como os princípios fundamentais do direito processual civil, não se recomenda que o segundo leilão do bem penhorado seja realizado no mesmo dia que o primeiro.

É necessário haver um prazo razoável entre um e outro, de pelo menos, cinco dias. A celeridade da execução não pode ser utilizada como escudo para sacrificar o interesse público consignado no objetivo do procedimento processual do leilão judicial.

É imperativo que se estabeleça um interstício mínimo entre os leilões, a fim de garantir a máxima publicidade, competitividade e efetividade do procedimento, em consonância com o disposto no artigo 886, V, do CPC/2015.

A observância desse requisito é essencial para a proteção dos direitos das partes envolvidas e para a adequada realização da justiça.

 


[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.909.299/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 14/3/2023

[2] Brasil. STJ. AgInt nos EDcl no REsp n. 1.931.921/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 25/11/2021.

[3] Brasil. STJ. REsp n. 2.039.253/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023.

[4] Brasil. STJ. AgInt no REsp n. 2.014.520/MS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 30/11/2023.

[5] Brasil. STJ. AgInt no REsp n. 1.825.351/SC, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 3/5/2021, DJe de 5/5/2021.

[6] Brasil. STJ. REsp n. 1.997.722/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022.

[7] Brasil. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Art. 5º.

Autores

  • é mestre em Regulação e Políticas Públicas (UnB, conceito Capes 6), especialista em Direito Público, graduado em Direito e Segurança da Informação, ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal (Copen-DF), servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência), advogado licenciado e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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