Opinião

Aparência de serviço público dos contratos de arrendamento portuário

Autor

  • Janson Hackbarth de Oliveira Matos

    é advogado criminalista especialista em Direito Processual Penal pós-graduando em Tribunal do Júri membro do Clube Meta Jurídico de comissões temáticas de ciências criminais da OAB/SC e redator de artigos jurídicos.

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7 de fevereiro de 2024, 11h21

Este artigo busca tratar, sem almejar a exaustão do assunto, da concepção dos contratos de arrendamento portuários como prática de serviço público, incidindo suas particularidades, principalmente no tocante à responsabilização objetiva do arrendatário.

O artigo 21, inciso XII, alínea “f” da Constituição estabelece como sendo de competência da União explorar, direta ou indiretamente — mediante autorização, concessão e permissão — os portos marítimos, fluviais e lacustres.

Claudio Neves/Portos do Paraná
porto portuários trabalhadores Para Carvalho Filho [1] (2016), o serviço público pode ser entendido como exercício da atividade estatal, quer seja pelo próprio Estado ou por meio de seus delegados, regulados pelo direito público, com o objetivo de satisfazer as necessidades primárias e secundárias da sociedade.

Di Pietro, nesta tangente, também elucida nesse sentido:

[…] é  o  Estado,  por  meio  da  lei,  que  escolhe  quais  as  atividades  que,  em  determinado momento,   são   consideradas   serviços   públicos;   no   direito   brasileiro,   a   própria Constituição faz essa indicação nos artigos 21, incisos X, XI, XII, XV e XXIII, e 25, §2º, alterados, respectivamente, pelas Emendas Constitucionais 8 e 5, de 1995; isto exclui a possibilidade de distinguir, mediante critérios objetivos, o serviço público da atividade privada; esta permanecerá como tal enquanto o Estado não a assumir como própria. (DI PIETRO, 2014, p. 106)

Quanto ao tema, leciona Celso Antonio Bandeira de Mello:

A Carta Magna do País já indica. expressamente, alguns serviços antecipadamente propostos como da alçada do Poder Público federal. Serão, pois. obrigatoriamente serviços públicos (obviamente quando volvidos à satisfação da coletividade em geral) os arrolados como de competência das entidades públicas.” (Curso de Direito Administrativo, 14′ edição, São Paulo, Malheiros, 2002, página 612)

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho:

Existem serviços públicos por inerência. assim entendidos aqueles cuja caracterização deriva (explícita ou implicitamente) da Constituição. Ao discriminar competências dos diversos entes federados ou ao estabelecer atribuições do Estado, a Carta qualifica certos serviços como públicos. O artigo 21. por exemplo. contém diversas previsões acerca de serviços públicos (incisos X. XI e Xll). Quanto aos serviços públicos por inerência, não há margem de opção para a legislação infraconstitucional. Sua estruturação far-se-á segundo regime de direito público. pois tal foi imposto pelo legislador constitucional.” (Concessões de Serviços Públicos, São Paulo, Dialética, 1997).

Convém ressaltar ainda, que quanto ao arrendamento portuário, trata-se de execução de atividade que integra a exploração do porto, de modo que incide a previsão constitucional do artigo 21, inciso XII, alínea ‘f’.

Dessa forma, ao realizar-se o arrendamento de terminais e/ou instalações portuária, é facultado ao arrendatário tornar-se operador portuário e executar suas funções típicas, inclusive para terceiros, desde que não seja prejudicial à prestação de serviços regulares.

Além disso, as cláusulas do contrato de arrendamento, constantes do artigo 4º da antiga Lei dos Portos (Lei n.º 8.630/1993), possuíam disposições típicas da concessão de serviços públicos, tal como a reversão dos bens e das metas de qualidade e padrões de serviço.

Do citado, portanto, verifica-se que, apesar da novel trazida pela Lei nº 14.047/2020 à Lei nº 12.815/2013 (artigo 5-C) no tocante às cláusulas essenciais aos contratos de arrendamento (não constando, por exemplo, a reversão e o modo de análise de verificação do padrão de serviço, previstos no artigo 5º, inciso III e VIII, no tocante aos contratos de concessão), a existência de tais cláusulas no contrato de arrendamento garantem a característica de serviço público, de modo que deve-se aplicar o regime jurídico da administração pública, também, ao particular — como o respeito aos princípios previstos no artigo 37 da Carta Magna, por exemplo.

Isto porque, das alterações legislativas, verifica-se do artigo 57 da Lei 12.815 no tocante à prorrogação dos contratos de arrendamento firmados sob a égide da Lei nº 8.630/1993. A preocupação do presente artigo é tratar de cláusulas de contratos de arrendamento que estabeleciam — e estabelecem, visto que, quando prorrogados, não é incomum a renovação dos dispositivos contratuais — obrigações ao arrendatário que equalizavam às das concessões.

Nesse passo, verifica-se que, do julgamento do Recurso Especial nº 1.849.984/SP, julgado em 29 de agosto de 2023, restou mais uma vez fixada a tese de que a concessionária de serviço público, por tratar-se de prestadora desse tipo de serviço, possui responsabilidade objetiva:

A recorrente — por se tratar de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público (concessionária de serviço público) — possui responsabilidade objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, nos termos do que dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Desta feita, o ponto que buscamos tratar é da equiparação das atividades do arrendatário portuário à prática de serviço público quando firmado contrato cujas cláusulas se equiparam às da concessionária, de modo que sua responsabilidade, a fim de preservar a supremacia do interesse público, eis que explora atividade prevista no artigo 21, inciso XII, da Constituição.

Para confirmar o exposto, cita-se trecho do acórdão paradigma proferido no julgamento do Recurso Especial n.º 506.099/MT, de Rel. do Min. Castro Filho, julgado em 16 de dezembro de 2003:

(…)

trata-se, indiscutivelmente, de responsabilidade objetiva. Ademais, é uníssono o entendimento que cabe ao concessionário de serviço público executar em seu nome e por sua conta e risco as obras e os serviços que lhe foram concedidos, assumindo a inteira responsabilidade pelas conseqüências que seus atos, comissivos ou omissivos, causarem aos usuários e a terceiros em geral. Essa responsabilidade tem repercussão na esfera civil, uma vez que impõe a obrigação de reparar o dano. Pode provir da lei, do ato ilícito ou da inexecução de contrato.

Outra não é a dicção da legislação, conforme se verifica no artigo 1º do Decreto nº 98.335/89, que alterou o Decreto nº 41.019/57, que regulamenta os serviços de energia elétrica, aqui transcrito no que interessa:

Art. 1º (…) O concessionário de serviços públicos de eletricidade é obrigado a fornecer energia elétrica, nos pontos de entrega, pelas tarifas aprovadas, nas condições estipuladas neste Capítulo (…), aos consumidores de caráter permanente localizados dentro dos limites das zonas concedidas respectivas, sempre que as instalações elétricas das unidades de consumo, destinadas ao recebimento e à utilização de energia, satisfaçam condições técnicas de segurança, proteção e operação adequadas.”

Destarte, cumpria à concessionária, já que fornecia energia elétrica para a região e recebia pela prestação do serviço, fiscalizar, de maneira cuidadosa, as instalações elétricas do local.

Segundo opinião dominante na doutrina e na jurisprudência, a responsabilidade civil do concessionário é objetiva, já que executa o serviço em nome do Poder Público, fundamentando-se no mesmo preceito do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Mister se faz, tão-somente, a comprovação da existência do dano e do nexo causal, independentemente de dolo ou culpa do concessionário ou de seus agentes. (sem destaque no original)

Ainda que se trate o referido julgado de concessionária de fornecimento de energia elétrica, importante salientar que tal atividade encontra-se no rol das alíneas do inciso XII do artigo 21 da Constituição, tal qual a exploração dos portos marítimos. Daí, portanto, é necessária a verificação do contrato de arrendamento e suas cláusulas, visto que, reprisa-se, o artigo 5º estabelece as cláusulas essenciais aos contratos de concessão portuários, ao passo que o artigo 5º-C trata dos contratos de arrendamento.

Acaso, no entanto, o contrato de arrendamento preveja cláusula essencial ao contrato de concessão, dada importância da atividade e a própria previsão constitucional de competência de exploração da União, sua equiparação, a fim de garantir a proteção ao interesse público e à ideal prestação de serviço público, é possível.

Portanto, percebe-se que a atividade portuária, ainda que desenvolvida por arrendatário (a), pode se enquadrar como prestação de serviço público e, portanto, por ser direto prestador do serviço, responde de maneira objetiva.

 


[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

Autores

  • é advogado tributarista, associado ao escritório Basso, Cadore & Krahl Sociedade de Advogados, pós-graduando em Direito e Processo Tributário, autor de artigos jurídicos e membro de comissões temáticas da OAB-SC.

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