O IRDR com base em mandado de segurança e a sua recorribilidade: entre recurso ordinário ou especial
28 de dezembro de 2024, 17h16
O recurso ordinário trabalha — em uma das suas hipóteses — com o mandado de segurança interposto no tribunal de segundo grau e a decisão colegiado, caso essa seja denegatória da segurança, com o intuito de possibilitar o duplo grau de jurisdição para o Superior Tribunal de Justiça.
Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais também terão competência para julgar mandados de segurança como órgãos originários, processando-os, desde a petição inicial até o acórdão, em um primeiro julgamento sobre o caso.
As competências de cada órgão estão delineadas na Constituição, sendo para os Tribunais de Justiça estaduais, no artigo 125, determinando que a definição direta de sua competência é função do próprio Estado, em suas respectivas constituições; já para o Tribunal Regional Federal, no artigo 108, quando compete a julgar originariamente os mandados de segurança de atos do próprio tribunal ou de seus juízes federais, somente nessas hipóteses [1].
Não é comum, mas é possível que haja uma repetitividade da matéria do mandado de segurança, seja da própria demanda em si, seja de uma questão incidental na discussão, ainda que em competência originária de um tribunal de segundo grau — estadual ou regional, com o cabimento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), utilizando o mandando de segurança que seja de competência originária.
Ou seja, o IRDR terá como o caso-piloto um mandado de segurança proposto diretamente no tribunal de segundo grau. Não há nenhuma vedação, pelo fato da possibilidade do incidente ser em recurso, remessa ou ação de competência originária e identificados os requisitos previstos no artigo 976 do CPC para instauração do IRDR, é plenamente possível utilizar-se do mandado de segurança em competência originária.
No entanto, a dúvida surge a partir da decisão proferida no mérito do mandado de segurança e, concomitantemente, a fixação da tese do IRDR.
A recorribilidade do mandado de segurança de competência originária de tribunal de segundo grau [2] depende do resultado do acórdão: se o resultado do acórdão for pela procedência, com o interesse recursal da autoridade coatra, o cabimento será do recurso especial ou extraordinário, dependendo da questão existente, se realmente existente; se o resultado do acórdão por pela improcedência, com o interesse recursal do impetrante do mandado de segurança, será via recurso ordinário.
Mandado de segurança
O mandado de segurança em tramitação em competência do tribunal de segundo grau tem uma recorribilidade que depende do resultado do acórdão, o que não é nenhuma novidade, contudo com a utilização desta ação de competência originária como base do IRDR, a recorribilidade pode gerar dúvidas.
O artigo 987 do CPC determina que da decisão que julga o IRDR e fixa a tese é cabível o recurso especial ou extraordinário.
Num IRDR com base em um mandado de segurança, se o resultado for pela procedência do pedido, não há dúvidas: tanto pela sistemática do artigo 1.027 do CPC quanto pelo artigo 987 do CPC, os recursos possíveis são o especial e/ou extraordinário, dependendo do que se almeja recorrer, se questão federal, e/ou constitucional.
Como há uma convergência entre as disposições sobre a recorribilidade em ambos os casos, não se tem nenhuma complicação.
O problema está no ponto seguinte: no IRDR com base em um mandado de segurança e o resultado é pela denegação da segurança/improcedência do pedido. Nesse caso, o artigo 1.027, II, A do CPC (replicando o artigo 105, II, B da Constituição) descreve que cabe recurso ordinário da decisão denegatória da segurança em competência originária e o artigo 987 do CPC dispõe que cabe recurso especial e/ou extraordinário da decisão que fixa a tese do IRDR e julga o processo.
Tese do IRDR
Para dirimir essa dúvida e possível dupla recorribilidade, é preciso entender o motivo da existência do artigo 987 do CPC e a sua disposição de que é cabível o recurso especial e/ou extraordinário da decisão que fixa a tese do IRDR.
O intuito dessa previsão legal de cabimento dos recursos excepcionais no artigo 987 do CPC é reforçar o que os artigos 102 e 105, ambos nos seus incisos III, da Constituição determinam: de acórdão julgado por Tribunal de segundo grau cabe recurso excepcional, dependendo da ofensa realizada — federal ou constitucional.
Não é o artigo 987 do CPC que determina essa recorribilidade dos recursos excepcionais, é a própria Constituição e seus dispositivos, o CPC, na parte do IRDR, somente enfatiza que é uma decisão do incidente, mas que terá a recorribilidade idêntica a qualquer outro acórdão de tribunal de segundo grau, o que na normalidade é o recurso especial e /ou extraordinário.
Dessa maneira, o artigo 987 do CPC traz que em acórdão de IRDR, cabe o recurso normal, apesar de estar escrito o recurso especial e/ou extraordinário, por estes serem os normais, mas no caso do IRDR baseado em mandado de segurança em competência originária, o artigo 987 do CPC deve ser interpretado em conjunto com o cabimento do recurso normal para a situação, qual seja: o recurso ordinário, tão e somente o ordinário.
Essa é a interpretação que faz mais sentido diante dessa possível dúvida, apesar de entender que não há uma dúvida propriamente dita.
Recurso especial não cabível
No julgamento do AgInt no REsp 2.056.198 [3], a 1ª seção do STJ enfrentou exatamente essa questão, de um IRDR baseado em um mandado de segurança de competência do Tribunal de Justiça do Paraná. O resultado do IRDR e do mandado de segurança foram pela improcedência, com a denegação da segurança.
Diante de tal situação, o impetrante interpôs recurso especial, com o argumento e entendimento de que o artigo 987 do CPC traria uma recorribilidade específica, o que sobreporia o artigo 1.027, II, A do CPC descreve que cabe recurso ordinário da decisão denegatória da segurança em competência originária. O fundamento foi de que o artigo 1.027, II, A do CPC seria uma recorribilidade genérica e o artigo 987 do CPC uma recorribilidade específica para o IRDR, desconsiderando outras recorribilidades preexistentes.
No entanto, a 1ª seção do STJ decidiu que não é cabível recurso especial nesta situação, uma vez que o artigo 987 do CPC somente reforça o que a Constituição dispõe sobre o cabimento dos recursos excepcionais, decidindo que para o caso em concreto de mandado de segurança em competência originária denegado cabe, claramente, recurso ordinário, inadmitindo o recurso especial em questão.
Ainda foi decidido que não caberia a fungibilidade, pela falta de dúvida sobre o assunto e a certeza da previsão legal do artigo 1.027, II, A do CPC sobre o recurso ordinário, além deste ser a replicação do artigo 105, II, B da Constituição, sem o artigo 987 do CPC afastar essa recorribilidade clara.
Essa situação demonstra que o CPC deve ser interpretado de modo sistêmico e não artigo por artigo de maneira separada.
[1] Constituição Federal – Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar, originariamente: (..) c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal; (..) Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º – A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
[2] O mesmo exemplo vale para o mandado de segurança de competência originária do STJ, mas não será somente este, com a mesma situação em habeas data e mandado de injunção, tornando as 3 (três) ações como um bloco em que a recorribilidade de sua tramitação, caso seja no STJ, do mesmo modo.
[3] (PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO EM TRIBUNAL. DENEGAÇÃO. TESE FIXADA EM IRDR. RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. AFETAÇÃO COMO REPETITIVO. IMPOSSIBILIDADE. (…) 2. Nos termos do art. 987 do CPC/2015, o apelo nobre interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem no julgamento de IRDR deve ser processado de forma qualificada, sendo recebido como representativo de controvérsia. 3. Hipótese, porém, em que o presente recurso origina-se de ação mandamental que foi impetrada diretamente no Tribunal de origem e teve a segurança denegada, prevendo a Carta Magna – diploma de hierarquia superior – o recurso ordinário como o cabível no caso concreto (art. 105, II, b), razão pela qual é inviável relativizar a restrição recursal em destaque a fim de admitir o processamento do apelo nobre. 4. Agravo interno desprovido. STJ – AgInt no REsp: 2056198, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, 1ª Seção, DJe: 17/10/2024).
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