Justiça dos EUA dá carta branca a policiais para destruir propriedades
27 de dezembro de 2024, 16h31
A Suprema Corte dos EUA negou o pedido para julgar o caso de uma idosa em busca de indenização, porque sua casa foi destruída por uma equipe policial da SWAT atrás de um fugitivo. Ao lavar as mãos, a corte deixou prevalecer a decisão do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, que isenta a polícia de responsabilidade civil, por destruição de propriedade privada — mesmo de uma pessoa inocente.
“Apesar de nossa simpatia pela Sra. Baker, sobre quem recaiu o infortúnio, sem qualquer culpa dela, nós reformamos” (a decisão de primeiro grau a favor da senhora Vicky Baker, a dona da casa em McKinney, Texas, que foi destruída pela equipe da SWAT em julho de 2020).
Os policiais estavam em busca de Wesley Little, que sequestrou uma menina de 15 anos. Perseguido pela polícia, Little buscou refúgio na casa da idosa, para quem ele prestava serviços de reparo vez ou outra. Ele bateu na porta e foi atendido pela filha dela, Deanna Cook. A mãe estava no estado de Montana, para onde, já aposentada, estava se mudando.
Deanna estava lá para finalizar a venda da casa. Ela reconheceu Little e o deixou entrar, junto com a menina que ela também conhecia. Percebeu a situação de sequestro, disse que precisava ir ao mercado e, já na rua, ligou para a mãe. Ela, então, ligou para a polícia. Em poucos minutos, a equipe da SWAT cercou a casa.
Ao ver os policiais, Little liberou a menina. Mas recusou se entregar e a SWAT entrou em ação, da maneira dramática que se vê nos filmes.
Os policiais jogaram dezenas de granadas de gás lacrimogêneo pelas janelas quebradas. Usou explosivos para quebrar as portas da frente e da garagem. Atravessou a cerca do quintal com um tanque blindado.
Não precisava. A filha da Sra. Baker havia fornecido aos policiais uma chave da porta de entrada, um abridor da garagem e o código para abrir o portão dos fundos. O sequestrador não saiu porque, como mostrou o drone da SWAT, ele havia se suicidado.
Reflexos da destruição
Depois disso, um interessado cancelou a compra da casa, quase toda destruída. A reforma foi estimada em mais de US$ 50 mil. Mas a idosa teve mais prejuízos: a ação da SWAT também destruiu relíquias da família, livros clássicos, roupas e uma coleção de bonecas iniciada pela bisavó. A companhia de seguro informou que não cobre danos causados pelo governo.
Sem falar com um advogado, ela reconheceu que a ação policial “foi necessária” para a segurança pública e, talvez, esse tenha sido um erro. Mas moveu uma ação pedindo indenização para cobrir o reparo da casa, no valor de US$ 50 mil.
Um júri concluiu que era pouco. Depois que um juiz federal rejeitou o pedido da cidade para trancar o caso, o júri determinou, em 2022, que a cidade deveria pagar à idosa uma indenização de US$ 59.656.59 por danos.
Porém, um colegiado de três juízes do Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região reformou a sentença, em 2023, com o argumento de que a “exceção da necessidade” à cláusula constitucional da expropriação protege a polícia. O tribunal pleno da corte se recusou a julgar o caso por 11 votos a 6.
Cláusula de expropriação
A discussão girou em torno da Cláusula da Expropriação (Takings Clause), prevista na 5ª Emenda da Constituição dos EUA. Essa cláusula estabelece que uma propriedade privada não pode ser tomada pelo governo para uso público, sem uma compensação justa.
A questão apresentada ao tribunal de recursos e, posteriormente, à Suprema Corte foi: “se uma pessoa inocente tem ou não o direito à compensação, com base na cláusula constitucional da expropriação, quando autoridades policiais destroem sua casa em defesa da segurança pública”.
O juiz federal de primeira instância disse que sim, o colegiado de juízes do tribunal federal de recursos disse que não. Os juízes do tribunal de recursos escreveram em sua decisão:
“Concluímos que, como uma questão de história e precedente, a Cláusula de Expropriação não exige compensação por propriedade danificada ou destruída, quando é objetivamente necessário que os policiais danifiquem ou destruam tal propriedade em uma emergência ativa para evitar danos iminentes a pessoas.”
“Como um tribunal inferior, no entanto, não cabe a nós decidir que a imparcialidade e a justiça superam os precedentes históricos, particularmente os precedentes da Suprema Corte, onde há muito tempo ela reconheceu uma exceção de necessidade que exclui aqueles, como a Sra. Baker, da proteção da Cláusula de Expropriação da Quinta Emenda. Tal decisão caberia somente à Suprema Corte”, afirmou o magistrado.
A Suprema Corte decidiu se abster de julgar o caso sem muitas palavras, mas a ministra liberal Sonia Sotomayor anexou uma declaração de advertência, também assinada pelo ministro conservador Neil Gorsuch, que diz:
“A Cláusula de Expropriação da 5ª Emenda estabelece que a propriedade privada não deve ser tomada para uso público sem a justa compensação. Este caso levanta uma questão importante, que tem dividido os tribunais de recurso — isto é, se a Cláusula da Expropriação requer compensação quando o governo danifica propriedade privada, nos termos de seu poder de polícia.”
“Se existe alguma exceção desse tipo (e como a Cláusula da Expropriação se aplica quando o governo destrói propriedade de acordo com seu poder de polícia), isso levanta uma questão importante e complexa que se beneficiaria de uma análise mais aprofundada nos tribunais inferiores antes da intervenção deste tribunal”, completaram.
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